Brasil pode receber desterrados da Nicarágua
Apesar de não assinar documento contra ditadura Ortega-Murillo, Itamaraty diz na ONU que está disposto a abrigar perseguidos políticos
O governo Lula não endossou a declaração conjunta de mais de 50 países denunciando os crimes do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, durante uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU na última sexta-feira (3/03). Em contrapartida, o Itamaraty anunciou na ocasião que pode receber membros da oposição desterrados pelo governo nicaraguense no mês passado.
Pelo menos 222 pessoas foram expulsas e privadas de sua nacionalidade por serem consideradas “traidores da pátria” pela ditadura de Daniel Ortega e Rosario Murillo. Outras 94 sofreram as mesmas sanções e ainda tiveram os bens confiscados por decisão do Tribunal de Apelações de Manágua.
“Reafirmando seu compromisso humanitário com a proteção dos apátridas e com a redução da apatridia, o governo brasileiro se coloca à disposição para acolher as pessoas afetadas por esta decisão, nos termos do estatuto especial previsto na Lei de Migração brasileira”, anunciou, em Genebra, o embaixador do Brasil na ONU, Tovar da Silva Nunes.
Em vigor desde 2017, a Lei de Migração garante direitos e protege os estrangeiros contra discriminação no país. A norma tem como princípios a igualdade de direitos e o combate à xenofobia e à discriminação, garantindo ao imigrante o direito à defesa e à segurança jurídica, uma vez que legislações anteriores autorizavam a retirada compulsória do país, caso o estrangeiro fosse considerado nocivo, inconveniente ou se ofendesse a tranquilidade e a moralidade.
Relatório aponta violações
A delegação do Itamaraty afirmou que o Brasil está “preocupado” com as violações de direitos humanos na Nicarágua. A declaração, porém, evitou citar nominalmente o presidente Daniel Ortega, denunciado na ONU por crimes contra a humanidade. Um relatório feito por peritos das Nações Unidas aponta que a ditadura ordenou execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura, privação arbitrária da nacionalidade e do direito de permanecer no próprio país, o que não seria “um fenômeno isolado, mas o produto do desmantelamento deliberado das instituições democráticas e da destruição do espaço cívico e democrático”.
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“Estas violações e abusos estão sendo perpetrados de forma generalizada e sistemática por razões políticas, constituindo os crimes contra a humanidade de assassinato, prisão, tortura, incluindo violência sexual, deportação e perseguição por motivos políticos”, disse o presidente do inquérito, Jan Simon.
O governo da Nicarágua, que jamais colaborou com os pedidos de informações dos peritos da ONU, nega todas as acusações contidas no relatório. Na ONU, autoridades do país alegaram tratar-se de uma “estratégia das potências” para minar sua “soberania”.
Fora do bloco
Chile, Peru, Guatemala, Paraguai, Equador, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Alemanha e França são alguns dos países que assinaram a declaração conjunta sobre os crimes. O Itamaraty chegou a sugerir mudanças no texto final pedindo que houvesse espaço para um diálogo com o governo nicaraguense. Como a proposta foi recusada, o Brasil optou por não assinar o documento, considerado “inadequado”.
Além de atrair críticas, a medida distancia o Brasil da política de governos latinoamericanos de esquerda – como o de Gabriel Boric no Chile e Gustavo Petro na Colômbia – que optaram por pressionar Manágua. Eles apelam para que a comunidade internacional imponha sanções às instituições ou indivíduos envolvidos com os crimes.