‘Poder público foi omisso contra a Braskem’, diz Mário Agra 
Maceió

‘Poder público foi omisso contra a Braskem’, diz Mário Agra 

Fundador do PSOL em Alagoas diz que população tentou se mobilizar contra multinacional

Tatiana Py Dutra 5 dez 2023, 09:00

As atividades de extração de sal-gema da Braskem em Alagoas foram encerradas em maio de 2019 mas, ao que tudo indica, os danos que a empresa deixou em Maceió serão sentidos para sempre. A capital aguarda, apreensiva, pelo colapso de uma mina – o que pode afundar cinco bairros. 

Mais de 15 mil imóveis que apresentavam risco de desabamento foram desocupados desde março de 2018, quando os primeiros tremores de terra começaram a causar rachaduras e afundamentos do solo em ruas dos bairros Pinheiro, Mutange, Farol, Bebedouro e Bom Parto. De lá para cá, 60 mil moradores e comerciantes da região tiveram de deixar a região. As últimas 23 famílias foram expulsas neste domingo (3), por ordem da Justiça e acompanhamento da polícia. 

“A nossa relutância não é anticientífica. A gente resiste com base em laudos técnicos de um geólogo que serve como assessor do Serviço Geológico do Brasil. Não confiamos nos laudos da Braskem”, disse o pastor Wellington Santos, líder da Igreja Batista Pinheiro, que celebrou o seu último culto no local, erguido há 53 anos, justificando a resistência.

Conforme Mário Agra, fundador do PSOL em Alagoas e militante do MES, a desconfiança em relação à multinacional é um sentimento comum aos moradores da capital – até de áreas não afetadas pelas minas.

“Ninguém sabe exatamente o que pode acontecer nos outros 35 poços. Cada um vem com uma história que ninguém acredita direito, todo mundo levanta suspeitas”, diz.

Campo para especulação

Os motivos para suspeitas não faltam. Uma das teorias é de ordem econômica: na semana passada, a Braskem informou já ter pago R$ 9 bilhões em indenizações a moradores, e ter  R$ 5,6 bilhões para esse fim. Agora, a empresa é dona de todos os imóveis deixados para trás nos cinco bairros – localizados entre a Lagoa do Mundaú e a orla de Maceió. Em caso de estabilização do solo, segundo os moradores, seria um espaço perfeito para a proliferação de condomínios de alto padrão e a especulação imobiliária.

O tipo de tratamento dado pela Braskem aos moradores é outro fator de pé atrás na comunidade, segundo Agra.

“As pessoas [que foram removidas], as famílias receberam indenizações. Algumas num valor muito próximo às avaliações que haviam sido feitas, mas outras, não. Muita gente foi tratada de forma cruel, não teve direito a quase nada”, relata.

O militante revela ainda que os movimentos sociais suspeitaram dos riscos que as minas traiam desde a instalação da Braskem na cidade, em 1979, quando era uma estatal, de nome Salgema. Nos últimos anos, chegaram a mobilizar moradores para defender seus interesses e novas lideranças nasceram em função disso. Porém, o movimento sofreu com a infiltração de pré-candidatos de direita que usaram a causa dos desalojados como plataforma eleitoral. 

“A população chegou a fazer uma movimentação, ainda que pequena. Mas começaram a surgir muitos grupos com candidatos de diversos campos de direita, infiltrados. Inclusive, dirigentes, moradores que estavam à frente da luta saíram candidatos, mas foram derrotados. Houve uma certa divisão no movimento por causa disso”, lembra. “Nós temos uma população que tentou resistir. Já o poder público, tanto o governo federal como o governo do Estado, como o governo municipal, tiveram muita ausência nisso”, completa.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) coletou assinaturas para a realização de uma CPI ainda em outubro, mas enfrentou resistência no Senado. Porém, o caos em Maceió deve trazer mais apoio à proposta, tanto que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez a leitura do requerimento de abertura da comissão na semana passada. 

Risco de colapso

Há 35 poços de extração de sal-gema (material usado para produzir PVC e soda cáustica) em Maceió. Os poços estavam pressurizados e vedados, porém a instabilidade das crateras causou danos ao solo, que foram visíveis na superfície. Conforme Mário Agra, a mina 18, no bairro de Mutange, é a que mais causa apreensão.

“A Braskem está aqui há praticamente 50 anos. Nesse período, eles perfuraram 35 poços profundos, com algumas centenas de metros no diâmetro, e a profundidade é muito grande, parecidas com as de extração do petróleo. Muitos têm mais de mil metros. E, dessas 35 perfurações, há quatro ou cinco em situações mais complicadas. Uma delas [a mina 18] tem uma dimensão mais ou menos equivalente, em largura, ao estádio do Maracanã, com um quilômetro e meio de profundidade. E está descendo muito barro das paredes dos poços. À medida que vão cedendo, a água da lagoa [do Mundaú] vai penetrando na área seca. Então, se essa mina cai, vai ser automaticamente ocupada pela água da lagoa. E a mina está numa localização próxima a de dois outros poços. Se esses outros poços forem atingidos, aí sim, vai para atingir uma área talvez ainda maior”, explica.

Agra espera que CPIs sobre a Braskem sejam abertas em outros estados, como o Rio Grande do Sul, onde a empresa opera seu Polo Petroquímico.


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