O PLP 12 de 2024 e o fim do mínimo no Brasil: o que não lhe contaram sobre o PL da Uber
Uber

O PLP 12 de 2024 e o fim do mínimo no Brasil: o que não lhe contaram sobre o PL da Uber

O PLP 12 criou um novo vínculo de (sub)emprego que garante, materialmente, a total subordinação do trabalhador às plataformas, ao mesmo tempo em que elimina direitos fundamentais

David Deccache 6 abr 2024, 12:06

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Neste mundo, o piso salarial está muito abaixo do salário mínimo estabelecido para os demais trabalhadores. Trata-se os trabalhadores de plataformas como uma subcategoria. Inclusive, no caso mais extremo, há permissão para que a empresa faça o trabalhador pagar para trabalhar, já que, dependendo de uma série de variáveis, os R$ 32,00 por hora dirigida podem não cobrir o custo do motorista.

Se o PLP 12 for aprovado, no Brasil teremos dois “salários mínimos”: o da CLT e o do PLP da uberização.

O que digo é factual e incontestável por, pelo menos, dois motivos.

1º) Supondo que os cálculos do governo estejam corretos e que o custo por hora efetivamente em corridas seja de, no máximo, R$ 24,00.

Nesta situação, como o piso por hora é de R$ 32,00, sobrariam R$ 8,00 para o motorista, o que equivale, no Brasil, ao salário mínimo por hora. Entretanto, preste atenção no seguinte detalhe: o motorista não é remunerado pelas horas em que está à disposição da empresa, mas sim nos momentos em que está efetivamente em corrida.

Supondo que 30% da jornada de trabalho do motorista seja esperando por corridas, cuidando do carro e afins, factualmente, o “salário mínimo” da subcategoria criada pelo governo é 30% mais baixo do que o “salário mínimo” dos demais trabalhadores.

Alguém poderia alegar que estamos falando de um piso remuneratório e não de um teto. Sim, exato. Estamos falando de um piso, que hoje, no Brasil, é o salário mínimo, mas que para a nova categoria será muito inferior.

Trata-se da tentativa de criação de uma subcategoria de trabalhadores e de um sub-salário mínimo.

2º) Na primeira suposição, aceitamos que os cálculos de custo do governo e da Uber sejam absolutamente corretos e, mesmo assim, provamos que o salário mínimo é violado. Entretanto, a situação anterior é quase um conto de fadas, e a realidade é ainda mais dura.

Em diversas simulações, é possível comprovar que R$ 24,07 não é o custo máximo possível para uma hora efetivamente andando com o carro.

Um exemplo muito simples. Solicitei uma corrida de Brasília para Luziânia, a Uber me cobrou R$ 100,00. Porém, o piso (suposto salário mínimo) para o motorista é de R$ 32,09. A corrida dura, aproximadamente, uma hora e a distância é de 60 km. É sério que alguém acha que esse tipo de corrida custa apenas R$24,00?

Vamos colocar aqui um carro que faz 12 km/litro (cenário otimista) neste trajeto. Só de gasolina, serão 5 litros. Cada litro hoje custa R$ 5,75, o que significa um custo só de combustível de R$ 28,75.

Como piso, sobra apenas R$ 3,34 para o motorista: menos de 30% de um salário mínimo por hora. Calma, piora ainda mais.

Porém, o veículo tem vários custos: manutenção, lavagem, seguro e afins. É difícil estimar tudo isso, mas há uma maneira interessante de fazê-lo. Hoje, locadoras de carro cobram, em torno de, R$ 700,00 por semana (no máximo 1500 km) para os motoristas. Esse pode ser considerado o custo de oportunidade ou locação: aproximadamente R$ 0,47 por km.

Na viagem de 60 km que estamos usando como exemplo, deveríamos adicionar mais R$ 28,00 de custo! Ou seja, custa R$ 28,75 de combustível + R$ 28,00 referente a demais despesas “invisíveis”.

Isso mesmo, o motorista tem um custo de R$ 56,75 frente a um piso de R$ 32,09.

O que provamos com isso?

O PLP 12 legaliza, inclusive, que o trabalhador pague para trabalhar.

Antes que alguém venha repetir que isso é um piso e não um teto, o piso no Brasil é o salário mínimo vigente, o que significa que esse PLP está criando “um sub-salário mínimo” para uma nova legislação trabalhista que tende a atingir toda a classe trabalhadora no futuro, se nada for feito.

Conclusão

Em suma, o PLP 12 de 2024 propõe uma radical transformação no mercado de trabalho, criando uma disparidade alarmante entre as categorias de trabalhadores. Com a implementação deste projeto de lei, assistiremos à institucionalização de um subemprego, onde a uberização não apenas redefine, mas também degrada a essência do salário mínimo, forçando os trabalhadores a se submeterem a condições extremamente precárias.

Os cálculos apresentados desvendam a realidade que se esconde por trás dos números supostamente otimistas: mesmo nas condições mais favoráveis, os ganhos dos motoristas de aplicativo mal cobrem os custos operacionais, deixando-os com uma remuneração líquida que beira a indignidade. Pior, em muitos casos, os custos superam o piso remuneratório, colocando os trabalhadores numa situação paradoxal onde, para trabalhar, precisam pagar.

O PLP 12, sob o manto da modernização e flexibilização, na verdade, ameaça consolidar um cenário de exploração sem precedentes, onde o direito a um salário justo e digno é relegado a uma nota de rodapé na história do progresso tecnológico. Esta legislação não apenas perpetua, mas aprofunda a vulnerabilidade de uma classe de trabalhadores que, em busca de sustento, encontra-se presa numa armadilha de subvalorização e precarização laboral.

Estamos, portanto, diante de um momento decisivo, onde a escolha entre lutar e avançar rumo a um futuro de dignidade laboral ou retroceder para uma era de desigualdade exacerbada está em nossas mãos. 

Ignorar a gravidade desta proposta seria compactuar com o processo de desintegração socioeconômica de uma extensa camada de nossa classe trabalhadora, inscrevendo assim milhões de trabalhadores numa espiral descendente de empobrecimento e desempoderamento. Estamos diante de uma encruzilhada histórica: a necessidade de uma resposta transformadora é mais premente do que nunca. O momento clama por resistência, e a ação torna-se não apenas necessária, mas uma imperiosa demanda de justiça social.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi