Governo aumenta juros e entrega R$ 55 bilhões para bancos e rentistas
Um dia após anúncio sobre isenção do imposto de renda, Banco Central aumenta juros para maior taxa desde 2016
Foto: Última reunião do Comitê de Política Monetária. (Raphael Ribeiro/Banco Central)
Nessa última quarta-feira (19/03), o Banco Central (BC) aumentou em 1% a taxa básica de juros (taxa Selic), que atingiu o mesmo patamar do final do governo Dilma Roussef em 2016. A medida foi tomada de forma unânime em reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), orgão com maioria indicada pelo governo Lula e conduzido pelo economista Gabriel Galípolo, presidente do BC.
Além de afetar diretamente as dívidas dos trabalhadores, que ficarão maiores, a decisão impacta profundamente as contas públicas porque a taxa de juros influencia no cálculo da dívida pública. Ou seja, quanto maior a taxa de juros, maiores serão os juros que o governo deverá pagar para seus credores – basicamente rentistas e instituições financeiras. Por isso, aumentar 1% da taxa Selic significa aumentar a dívida pública e retirar ao redor de R$ 55 bilhões do orçamento federal para entregá-los diretamente ao mercado financeiro através do pagamento de juros.
Como toda a composição do COPOM foi indicada por Lula, trata-se de mais uma operação direta do governo em prol da ortodoxia neoliberal e comprova o compromisso de Galípolo – o “menino de ouro” de Lula – na defesa dos interesses da grande burguesia. Numa tentativa risível de justificar mais essa doação de dinheiro público aos banqueiros, o deputado Lindbergh Farias (líder do PT na Câmara) colocou a culpa do aumento no ex-presidente do BC Campos Neto, indicado por Bolsonaro.
Segundo Lindbergh, uma decisão tomada no último dezembro por Campos Neto já teria “pré-fixado” dois aumentos consecutivos de 1% na Selic, o que deixaria a atual gestão do BC “amarrada” por esse “guidance“. Além de demonstrar a adaptação do deputado à própria lógica neoliberal, como se tais regras não pudessem ser questionadas, esta explicação mostra também o constrangimento de um setor da esquerda que nos últimos dois anos justificou a taxa de juros do governo Lula como responsabilidade exclusiva de Campos Neto.
Entre 2023 e 2024, os aumentos de 0,5% na Selic causavam muito mais comoção e a palavra de ordem “Fora Campos Neto” esteve presente em todas as demonstrações governistas, utilizando um espantalho perfeito para desviar do problema real: a total adequação de Lula às diretrizes neoliberais. O próprio Lula denunciou Campos Neto, a UNE lavou as escadarias do BC, entre diversas outras manifestações, mas o fato concreto é que a atual política monetária de Galípolo (e de Fernando Haddad, seu mentor) conseguiu ser ainda pior do que aquela aplicada pelo indicado bolsonarista. Porém, diferente de antes, o conjunto da esquerda mais adaptada ao governo federal simplesmente ignora este mais novo ataque.
É sempre bom lembrar que o Brasil é o país que mais paga juros de dívida pública no mundo e que essa taxa de juros é definida pelo próprio governo. Portanto, não é exagero dizer que essa doação de R$ 55 bilhões promovida pelo governo aos mais ricos acontece porque não existe nenhuma disposição de Lula em romper com a mesma lógica que sempre governou a política econômica do Brasil. Serão R$ 55 bilhões a menos no orçamento público para a saúde, para a educação, para a previdência e assistência social, para os transportes, etc. É exatamente por isso que o governo atua permanentemente para retirar recursos dos mais pobres e vulneráveis, a exemplo dos recentes cortes no Bolsa Família e no BPC.
O aumento nos juros também foi feito em um momento oportuno para o governo: um dia após o anúncio do projeto de isenção no imposto de renda para trabalhadores com renda mensal de até R$ 5 mil. Enquanto os setores progressistas comemoram tal medida positiva, que terá impacto de R$27 bilhões, os bancos e rentistas comemoram os R$ 55 bilhões destinados a seu favor através do aumento dos juros. Exatamente como no anúncio do último pacote de cortes no ano passado, onde a isenção fiscal foi prometida, Lula faz grandes cortes no orçamento ao mesmo tempo em que apresenta algo positivo para a propaganda em um momento de profunda crise de popularidade.
O problema é que a conta não fecha: se somarmos os R$ 70 bilhões de cortes no ano passado com os R$ 55 bilhões do aumento da Selic, teremos aproximadamente R$125 bilhões do do orçamento público entregues diretamente à burguesia. Se comparados aos R$ 27 bilhões da isenção do imposto de renda, descobrimos quem realmente lucra com a política econômica do governo e entendemos porque o discurso falacioso da extrema direita tem tanto apelo entre a classe trabalhadora.