Eleições: o estado da questão
O governo Milei enfrenta sua pior crise às vésperas das eleições de domingo
A poucas semanas das eleições aumenta a tensão política. Seja pelo descalabro da situação financeira, seja pelas consecutivas derrotas do governo no parlamento ou pelo escândalo das propinas na compra de medicamentos para pessoas com deficiência. Estamos diante de um ponto de inflexão na situação política?
O governo está em modo ultradefensivo, como quando, em uma partida de futebol, os jogadores de um time, claramente superados em campo, se entrincheiram atrás e a torcida grita: “Estão encurralados na defesa, esperando um contra-ataque salvador”, que aqui seriam as eleições de outubro.
Sem iniciativas
O Congresso Nacional se apropriou da agenda política. Desde abril passado, em 17 votações nas câmaras, o governo perdeu 16, tendo conseguido apenas uma vitória: blindar o veto ao aumento das aposentadorias. Mas o que mais preocupa o presidente é que esse blindagem foi conquistado por apenas dois votos de diferença, enquanto em várias das outras votações a derrota foi por ampla margem.
O presidente perdeu centralidade política e tem dificuldade de recuperá-la, enquanto o governo já não pauta a agenda e, pelo menos temporariamente, o Congresso lhe arrebatou o controle da política fiscal. O escândalo das propinas (com sobrepreços incluídos), que atinge vários funcionários e chega até mesmo à própria irmã do presidente, é o que faltava a esse quadro de situação. Desde então, a pergunta que flutua no ar é: quem destampou a panela? Por que agora? Com que objetivos? O que leva o juiz e o promotor a agir com uma celeridade desconhecida na Justiça do país? Dentro de La Libertad Avanza as hipóteses e acusações vão em todas as direções, mas nenhuma convence; por isso inventaram que o processo é forjado, agora complementado pela versão de que se trataria de uma operação de inteligência envolvendo russos e venezuelanos… e tentam censurar a imprensa. No entanto, um certo cheiro no ar indica que algo mais profundo estaria se cozinhando no coração do poder real. Tudo isso compõe uma crise política para a qual o governo não encontra outra resposta senão apostar tudo nas eleições desta semana, enquanto as classes dominantes olham além…
Corrupção sob medida
O escândalo das propinas veio a público justamente no momento em que o Congresso Nacional decidiu bloquear o veto do presidente Milei ao financiamento da área das políticas para pessoas com deficiência. Trata-se de um sistema que envolve todas as compras de medicamentos por parte do Estado, com uma distribuidora que carteliza os pagamentos e o repasse das propinas.
Se somarmos o caso $Libra, o drama das mortes por fentanil contaminado que a ANMAT não controlou, ou o avião que descarregou mais de dez malas sem passar pela alfândega, além de outras suspeitas, a imagem de que os libertários eram 100% honestos, que vinham combater a casta e viam “subornados” por todos os lados, vai ruindo como um castelo de cartas.
À espera das eleições
Em modo eleitoral, a dupla Milei-Caputo elaborou um plano monetário consistente em tentar emitir o mínimo possível e retirar pesos de circulação para evitar que o excedente corra para o dólar, pressionando a taxa de câmbio e alimentando a inflação. Mas esse esquema só funciona pagando taxas da ordem de 70-80% ao ano, para poder rolar a dívida em pesos, que é de magnitude várias vezes trilionária.
O Ministro da Economia afirmou que esse plano vale até outubro e que, após a vitória da LLA, as taxas cairão e tudo se normalizará. O presidente concorda, já que, para ele, “As eleições não se perdem por taxas muito altas, mas por uma desvalorização da moeda”. Em setembro e outubro vencem cerca de 20 trilhões de pesos por mês (metade com o setor privado); esses vencimentos continuam em montantes ligeiramente menores até março de 2026. Já há quem estime riscos de moratória e visualize um reperfilamento à la Macri 2018. Enquanto isso, o dólar segue em alta e o Tesouro começou a vender reservas. Tudo isso enfraquece a atividade econômica, que já está à beira da recessão. Um resultado eleitoral favorável poderia melhorar o clima político, mas não resolverá a crise. As eleições podem, por ora, funcionar como um “tampão” para a crise, mas, no melhor dos casos, ela voltará a se manifestar depois de outubro.
Mudanças no cenário
A combinação de deterioração social e escândalos de corrupção golpeou duramente tanto a imagem do presidente como a de sua gestão de governo — e também as expectativas. Os recentes resultados em Corrientes e o estrondoso fracasso da tática eleitoral da LLA aprofundam essa situação, enquanto a ampla vitória do oficialismo fortaleceu o bloco Provincias Unidas, que não tem maioria parlamentar, mas sim cadeiras suficientes para inclinar votações para um ou outro lado — e já pensa em 2027.
Tanto no Círculo Vermelho quanto em setores próximos ao governo acenderam-se os alertas. Seja porque a situação política se deteriorou devido à desorientação do governo e às disputas internas no oficialismo, seja porque percebem que o plano econômico está esgotado. Começaram a duvidar de que o plano atual seja transitório; talvez seja o único plano. Pressionam, então, para que, após as eleições, todo o programa seja repensado — inclusive com troca de ministros.
Nesse contexto de forte vulnerabilidade para o governo, o processo eleitoral entrou na reta final. O agravamento da crise provocou mudanças na campanha. A nacionalização pretendida por Milei deu lugar ao lema “Kirchnerismo Nunca Mais”; o abalo financeiro seria fruto do “risco kuka” e o escândalo das propinas, uma “opereta dos K”. Enquanto isso, Kicillof trocou a defesa de sua gestão (deixada aos prefeitos de cada distrito) por “Frear Milei” com o sublema “Sem setembro não há outubro”.
Para o governo, seus problemas econômicos e de gestão se resolveriam com uma eleição digna em setembro (perder ou ganhar por um ou dois pontos de diferença) e uma ampla vitória em outubro (mais de 40%), o que lhe daria o terço necessário para blindar futuros vetos e bloquear qualquer tentativa de impeachment. Para o peronismo (unido com arames), vencer na província por 5 pontos (como apontam algumas pesquisas a 48 horas do pleito) reafirmaria a gestão de Kicillof, suas pretensões para 2027 e seria uma base sólida para as eleições nacionais de outubro. Os “mercados”, que também votam, estão inquietos para saber se a correlação de forças que sairá das urnas favorecerá a aprovação das reformas estruturais pendentes.
Enquanto isso, a esquerda anticapitalista parece estar ganhando presença e intenção de voto. Numa corrida muito desigual, a ideia do “Voto seguro” — por aqueles que não traem, que não trocam voto por favores, que estão em todas as lutas e conflitos sociais — reflete uma realidade inegável.
Este domingo teremos um aperitivo e os próximos 45 dias serão determinantes para uma eleição que não é uma eleição qualquer.