Discriminação: o racismo em ação
Dia da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial remete a questão antiga, global e insustentável
A implantação do regime de Apartheid na África do Sul, em 1948, fez florescer uma miríade legislativa para segregação da população negra. A minoria branca, entre outras perversidades, instituiu A Lei de Passe – um documento que informava a cor, a etnia e a profissão do portador, bem como regiões onde era autorizado a circular. Esse documento deveria ser apresentado sempre que os policiais solicitassem, sob pena de prisão em caso de descumprimento da regra de controle social.
‘‘Não podíamos caminhar sequer cem metros sem esse maldito passe. Se um policial visse, era cadeia na certa. Para entrar num bairro branco depois das dez da noite, era necessário pedir uma autorização especial ao governo’’, disse Nehemiah Tsoane, em entrevista ao G1.
Tsoane foi uma das mais de 20 mil pessoas que se reuniram para protestar contra a Lei do Passe em Sharpeville, província de Gautung, no dia 21 de março de 1960. A manifestação era pacífica, mas os participantes acordaram que não portaria o documento, para que todos fossem presos – o que poderia levar o sistema prisional ao colapso. Porém, o ato da população submetida a segregação e discriminação continuas foi percebido como profunda afronta para um grupo de policiais, que decidiu abrir fogo. Ao todo, 69 pessoas morreram e 186 ficaram feridas, no episódio que ficou conhecido como Massacre de Shaperville.
Uma onda de protestos ganhou a África do Sul nos dias seguintes, e a repressão violenta do governo africâner ganhou repercussão na imprensa internacional. Para frear a resistência negra que se intensificava, a Presidência baniu organizações políticas, levando à clandestinidade partidos como o Congresso Nacional Africano (CNA). Nelson Mandela, então, abandonou os princípios da desobediência pacífica e fundou o Umkhonto we Sizwe, braço armado do CNA. Em 12 de junho de 1964, ele foi preso. Madiba ficou 27 anos encarcerado.
Em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou a data como Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, em memória às vítimas do Massacre de Shaperville.
“‘Discriminação racial significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública’’, diz o .Artigo 1º da Declaração da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial da ONU.
No Brasil
O dia 21 de abril é feriado do Dia dos Direitos Humanos na África do Sul, data para reflexão e homenagem às vítimas do Apartheid. E hoje, em todo mundo, parte da população manifesta esperança de acabar com a discriminação, que é o racismo em ação. Em países como o Brasil, o combate a esse mal entranhado à estrutura da sociedade é necessário e urgente, por ignorar e criar dificuldades para mais de 51% da população e, ainda pior, por converter-se em violência.
Aqui, o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra, e homens e mulheres negros representaram 77% das vítimas de homicídios no Brasil em 10 anos, conforme o Atlas da Violência 2021. Segundo o relatório, uma das causas possíveis para a diferença do morticínio entre negros e brancos, é a reprodução de estereótipos raciais pela justiça criminal, sobretudo nas polícias, “que operam estratégias de policiamento baseadas em critérios raciais e em preconceitos sociais, tornando a população negra o alvo preferencial de suas ações”.
Em solenidade pelo 21 de março, realizada ontem no Senado Federal, a ex-ministra da Igualdade Racial Nilma Lino Gomes defendeu a criação de leis para combate ao racismo.
“É um mal que não só atinge as suas vítimas, mas atinge toda a sociedade. O racismo é um caminho muito fácil, muito propício para que muitas outras violências se instalem. Que, através das várias medidas, projetos, legislações, ações cotidianas antirracistas de combate a esse racismo, nós tenhamos como alvo a superação desse fenômeno.”, afirmou.
Leis aguardam votos da Câmara
Atualmente há pelo menos três projetos de pauta racial aprovados pelo Senado que aguardam votação na Câmara há pelo menos dois anos. um deles é o Projeto de Lei 5231/20, que torna crime a prática de atos por agentes públicos e profissionais de segurança privada com base em preconceito de qualquer natureza, notadamente de raça. O texto prevê aumento de pena para os crimes de abuso de autoridade e de violência arbitrária e denunciação caluniosa motivados por discriminação.
O outro projeto institui o 20 de novembro, Dia de Zumbi dos Palmares, como feriado nacional para que se discuta políticas antirracistas. O terceiro projeto proíbe a terceirização da atividade fim, o que seria um incentivo ao trabalho escravo – prática tão presente e tão velada no Brasil quanto o próprio racismo..