Panamá: o epicentro da luta na América Latina
Panama-Protesta-1-2

Panamá: o epicentro da luta na América Latina

A revolta do povo panamenho contra o governo fantoche de Trump cresce a cada dia, mesmo enfrentando uma dura repressão

José Cambra e Luis Bonilla-Molina 4 jun 2025, 10:44

Foto: Mobilização popular na Cidade do Panamá. (Prensa Latina/Reprodução)

Via Viento Sur

Um pequeno país de quatro milhões e duzentos mil habitantes mostra à América Latina e ao mundo que é possível enfrentar, na terceira década do século XXI, os interesses do capital financeiro e dos fundos abutres.

Há apenas alguns dias, o sangue de um menino indígena de doze anos, gravemente ferido pela repressão governamental, mostrava que o conflito entrava numa nova fase. Pouco antes, Saúl Méndez, principal líder do poderoso sindicato da construção civil, teve que se refugiar na embaixada da Bolívia para evitar ser apresentado como um troféu e colocado na prisão, algo que já aconteceu com outros dois de seus líderes, Genaro López e Jaime Caballero, que foram enviados para a pior prisão de criminosos comuns daquele país, sindicato ao qual o governo anterior já havia confiscado as contribuições de seus membros, medida que o novo presidente continuou mantendo, inclusive com recentes invasões de suas sedes sindicais e o fechamento de sua cooperativa. Milhares de professores em greve foram retirados das folhas de pagamento e outros tantos passaram ilegalmente para a condição de licença sem vencimento permanente.

Isso ocorre em meio a um impressionante cerco midiático mundial correspondente ao que se vive dentro do país, que cria uma cortina informativa que impede que o movimento social e os povos do mundo saibam o que está acontecendo no pequeno país centro-americano.

A origem

Em 2023, após um período de lutas crescentes do movimento docente e dos trabalhadores em geral no Panamá, ocorre a rebelião ecológica popular mais importante do mundo no século XXI. Após semanas de mobilização e paralisação do país, protagonizadas por professores, trabalhadores da construção civil, trabalhadores das plantações de banana, comunidades indígenas, jovens, mulheres, ambientalistas, comunidades e uma ampla faixa da classe média, consegue-se arrancar uma decisão da Suprema Corte de Justiça que ordena a cessação das operações da transnacional First Quantum e o fechamento da mina que havia gerado a revolta popular. Essa decisão judicial derrubou o acordo espúrio construído no parlamento panamenho, que pretendia prolongar a destruição do meio ambiente.

Tal retrocesso dos poderes públicos é causado pelo medo da burguesia panamenha da rebelião ecológica popular que havia fechado as vias de transporte mais importantes do país, afetando os lucros dos setores do capital. Ocorre uma vitória ecológica sem precedentes.

A reação da burguesia panamenha e do capital financeiro foi adotar, em 2024, a candidatura presidencial de José Raúl Mulino, ex-ministro do Interior do governo corrupto de Martinelli e favorito do senhor Motta, magnata da indústria aérea panamenha, da mídia e de outras operações comerciais. Sua agenda era construir uma nova situação política que permitisse recuperar o domínio anterior à rebelião ecológica, ampliar os lucros do capital financeiro naquele país e cumprir a agenda neocolonial de uma iminente nova administração Trump na Casa Branca.

A novidade da eleição do presidente Mulino foi a chegada ao parlamento de uma ampla bancada de deputados independentes, que aproveitaram a onda de revolta popular para abrir espaço. Essa renovação parlamentar, que mostrava a intenção do eleitorado de produzir uma nova situação política, foi rapidamente traída por metade dessa nova fração parlamentar, que rapidamente chegou a um acordo com o governo reacionário de Mulino, eleito com apenas 34% dos votos e sem maioria parlamentar.

Essa nova correlação de forças permite avançar na aprovação da Lei 462, que produz um novo retrocesso no regime de aposentadorias e pensões da classe trabalhadora panamenha, que passa de uma aposentadoria com aproximadamente 60% do salário para 30% ou menos. Também permite que as famílias ricas do Panamá administrem os fundos de pensão e estes entrem na especulação do mercado financeiro. Além disso, o presidente Mulino anuncia a intenção de reabrir a mineração e habilitar novamente a First Quantum, ignorando de forma olímpica a decisão da Suprema Corte de Justiça. A indignação se instalou em todos os territórios do Panamá.

Para piorar, a chegada de Trump ao seu segundo mandato ocorre com uma intenção manifesta de retomar o controle do Canal do Panamá, algo que encontra a aprovação do governo de Mulino, que assina um acordo para permitir a reabertura de três bases militares dos Estados Unidos, apesar de o Panamá, por disposição constitucional, não possuir exército e de um tratado em vigor entre os dois países ter estabelecido, desde o final de 1999, o fim dessa presença militar estrangeira. Configura-se assim uma situação de vassalagem do governo desse país, fato que acaba por iniciar um novo ciclo de protestos.

Cinco semanas de greve nacional

Os primeiros a declarar a greve, em 23 de abril, foram os professores, que anunciaram que não voltariam às salas de aula até que a Lei 462 (regime de pensões e aposentadorias) fosse revogada, o fechamento da mineração fosse garantido e o memorando de entendimento militar com os Estados Unidos fosse anulado. Nesta ocasião, ocorre o fenômeno progressivo de milhares de pais, mães e famílias que, nas escolas e colégios, decidem em assembleias apoiar a greve dos educadores de seus filhos. Reaparecem, desde que na década de 1980 foram suprimidas por Noriega suas associações por colégio, mobilizações de estudantes do ensino médio, enquanto a Universidade do Panamá é epicentro de reuniões, declarações, encontros e de uma megamarcha, apesar da inexplicável mancha da expulsão por parte das autoridades de um estudante por ações de luta e das tentativas de converter a casa de estudos em um “espaço de negociação” e não de ação decisiva em favor da indignação patriótica.

Mobilizações diárias de professores da educação básica e universitária, juntamente com o conflito dos trabalhadores das bananeiras e do poderoso sindicato da construção civil, geraram a incorporação à luta de populações inteiras nas províncias do interior do país. Isso elevou a qualidade e o número de manifestantes, o que levou o governo do Sr. Mulino a desencadear uma repressão sem precedentes nas últimas décadas contra o movimento social. Centenas de feridos e detidos diariamente não impediram os protestos, pelo contrário, os intensificaram.

Com a entrada das comunidades indígenas no conflito, a repressão tornou-se implacável, especialmente contra mulheres e crianças dos povos originários. O saldo de um menor de 12 anos e um estudante universitário gravemente feridos pelas balas de um governo que disse publicamente que não se importa se sua popularidade está em -50%, quando foram divulgadas pesquisas que colocavam em menos de 10% a aprovação cidadã de seu mandato, revela que estamos diante de um governo de punho de ferro que busca infligir uma derrota ao movimento social que lhe permita se livrar de suas principais organizações para avançar em seus planos nefastos.

Esta semana, o conflito entra em uma fase decisiva, enquanto o governo joga com a demora para desgastar o movimento, na esperança de que os protestos se extingam nos próximos dias. No entanto, tudo indica que as mobilizações levarão à paralisação do país, o que exige a multiplicação das vozes de solidariedade internacional.

O método correto

A Aliança Povo Unido pela Vida, coalizão do movimento social que impulsiona os protestos, construiu uma ampla frente social que enfrenta a ofensiva neoconservadora e neocolonialista de Mulino.

Os sindicatos de professores, sindicalistas, ambientalistas e comunitários mostram que o caminho correto é ir além das lutas setoriais e construir alianças entre as forças nacionalistas, patrióticas e que defendem a classe trabalhadora, para gerar uma ampla participação das populações para avançar nas lutas e conseguir derrotar o capital financeiro, as políticas extrativistas e o neocolonialismo norte-americano.

A burguesia panamenha: entre a voracidade da financeirização e o medo de uma explosão social. A contradição que a burguesia panamenha volta a ter, como em 2023, é decidir entre a voracidade do capital financeiro que vai atrás dos fundos de aposentadoria e dos investimentos mineradores ou a estabilidade do próprio regime burguês. Por isso, apostaram em esmagar a revolta, por meio da polícia, mas, se não conseguirem, terão que decidir entre recuar ou perder o controle.

Cada vez mais, a associação dos de cima, os poderosos e ricos, tem menos contato com o povo e se concentra na propaganda dos meios de comunicação de que são proprietários. Quanto tempo durará essa situação é a questão fundamental.

Revogação do mandato presidencial

Uma saída intermediária que começa a ressoar nas ruas é a possibilidade de revogar o mandato presidencial e convocar novas eleições, mas isso tem o obstáculo jurídico de que essa ação revogatória nunca foi regulamentada. No entanto, as iniciativas legislativas para que isso ocorra continuam avançando e tomando curso, com crescente simpatia dos cidadãos.

A destituição de Mulino tem outro curso legal, que a Assembleia de deputados atenda à acusação apresentada pela Aliança Povo Unido por atentado contra a personalidade internacional do Estado, pelo Memorando entreguista que permite reabrir bases militares norte-americanas. Se os níveis de participação comunitária de 2023 forem alcançados, isso poderia configurar uma nova correlação de forças que permitiria abrir um julgamento contra o atual presidente, a partir das próprias normas estabelecidas na Constituição panamenha.

Isso permitiria reverter a Lei 462, anular a reabertura da mineração e anular o Memorando que permitiu a reabertura das bases militares norte-americanas. Mas isso só pode ocorrer no âmbito da manutenção e ampliação das mobilizações populares. Por isso, as próximas horas serão fundamentais para o curso dos acontecimentos.

A necessidade de impulsionar a solidariedade internacional

Em meio a esta situação dramática, é necessária uma ampla e plural solidariedade internacional das forças democráticas e progressistas, do movimento social e educacional a nível internacional. Não podemos deixar o povo panamenho sozinho neste momento.

Por isso, o movimento social lançou, entre outras iniciativas importantes, a campanha mundial de protesto e entrega de declarações de solidariedade com a luta do povo panamenho, em frente às embaixadas e consulados do Panamá em cada país, no dia 9 de junho de 2025. Isso permitiria começar a romper o cerco midiático que as grandes agências de notícias configuraram e estabelecer uma importante rede de comunicação e solidariedade alternativa. Esperamos vocês no dia 9 de junho, em frente à embaixada panamenha de seus países.


TV Movimento

A história das Internacionais Socialistas e o ingresso do MES na IV Internacional

Confira o debate realizado pelo Movimento Esquerda Socialista (MES/PSOL) em Porto Alegre no dia 12 de abril de 2025, com a presença de Luciana Genro, Fernanda Melchionna e Roberto Robaina

Calor e Petróleo – Debate com Monica Seixas, Luiz Marques + convidadas

Debate sobre a emergência climática com a deputada estadual Monica Seixas ao lado do professor Luiz Marques e convidadas como Sâmia Bonfim, Luana Alves, Vivi Reis, Professor Josemar, Mariana Conti e Camila Valadão

Encruzilhadas da Esquerda: Lançamento da nova Revista Movimento em SP

Ao vivo do lançamento da nova Revista Movimento "Encruzilhadas da Esquerda: desafios e perspectivas" com Douglas Barros, professor e psicanalista, Pedro Serrano, sociólogo e da Executiva Nacional do MES-PSOL, e Camila Souza, socióloga e Editora da Revista Movimento
Editorial
Israel Dutra | 06 jun 2025

06 de Junho de 2004, vinte e um anos depois

Após mais de duas décadas de existência, o PSOL se encontra em um impasse programático
06 de Junho de 2004, vinte e um anos depois
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Sem internacionalismo, não há revolução!
Conheça a nova edição da Revista Movimento! Assine a Revista!
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Conheça a nova edição da Revista Movimento! Assine a Revista!

Autores

Camila Souza