O Rio está sem governo. Quem deve assumir o comando?

A intervenção militar no Rio de Janeiro escancara a ausência de poder no estado.

Daniel Ribeiro e Honório Oliveira 22 fev 2018, 20:40

A intervenção militar no Rio de Janeiro escancara a ausência de poder no estado. O governador Pezão (PMDB) assinou, junto ao decreto da intervenção, a sua incapacidade de resolver os problemas do Rio. Por isso, é insustentável a sua permanência a frente do Palácio Guanabara. No entanto, não haverá solução para a crise profunda do estado com medidas de curto prazo e marqueteiras como esta intervenção. Somente a força da mobilização popular é capaz de impor um novo projeto de estado para sanar a crise. O PSOL deve ser parte constituinte deste processo junto aos movimentos sociais e populares, como sindicato dos professores (SEPE), trabalhadores da saúde que estão mobilizados, os garis e outros setores organizados da classe. E, desta forma, apresentar uma alternativa de poder.

A crise completa do Rio de Janeiro

A sensação de insegurança da população, principalmente na região metropolitana é crescente. Em outubro de 2017, mesmo período do confronto entre facções na Rocinha, noticiou-se que 70% dos moradores da capital gostariam de se mudar para outra cidade. Se compararmos os dados desde 2010, os últimos anos vem apresentando índices crescentes de mortes violentas. Mas não são superiores aos registros da primeira década dos anos 2000. Então, por que o sentimento de insegurança é crescente no estado?

Afirmar que o Rio passa pelo pior momento da segurança pública é insuficiente para explicar a crise que abate a maioria da população. Aqui temos um dos maiores índices de desemprego do país. Em 2017, o desemprego só não cresceu mais do que no estado de Pernambuco. De cada dez vagas fechadas no Brasil no primeiro trimestre do ano passado, oito foram no Rio. Já são mais de 1,3 milhão de pessoas nessa situação.

O estado reduziu investimentos na saúde e educação. As universidades estaduais sobrevivem da maneira que podem, correndo o risco de serem fechadas, inclusive a histórica UERJ. Na saúde, o Rio tem histórico de ser um dos estados que menos investe na área e no ano passado Pezão realizou uma pedalada fiscal para cumprir a meta constitucional. Boa parte do atendimento básico é de responsabilidade dos municípios. No entanto, a saúde básica na capital vem sendo desmantelada pelo atual prefeito bispo Crivella (PRB), que contingenciou verbas e recorrentemente tem atrasado os repasses para a área. Mas a categoria tem se mostrado resistente no enfrentamento ao bispo, organizando mobilizações históricas em todos os cantos da cidade.

A segurança pública teve aumento nos repasses até as olimpíadas, ao contrário das outras pastas. Porém chama muita atenção a ausência completa de prioridade em investimentos na área de inteligência e investigação das polícias. Em 2017 houve incríveis 2,5 mil reais para este setor. Um verdadeiro descaso com a área que os governantes julgam ser a solução de todos os problemas sociais.

Como resultado desta catástrofe governamental, os índices sociais tendem a despencar e a violência urbana tende a subir. O aumento de pessoas em situação de rua, sobretudo na capital, é um indicador relevante que ilustra bem a crise total do estado. Apenas na cidade do Rio há 12 mil pessoas nesta situação. A maioria não tem auxílio algum do poder público.

Por fim, é fundamental caracterizar que esta crise tem causas fincadas no projeto estabelecido para o Rio de Janeiro e para o Brasil na última década pelo menos, cujo um dos pilares é a transferência direta de recursos públicos para empreiteiras multinacionais brasileiras. Todas elas hoje respondendo por crimes de corrupção e já com condenações na operação Lava Jato. Foi aqui o principal exemplo desta política nacional com os megaeventos. Política articulada por Lula, Sergio Cabral, Eduardo Paes, COB e COI, com fortes denúncias de corrupção em todo o processo. O desmonte da Petrobras e o saque de seus cofres também foi central para o aprofundamento da crise do Rio. A paralisação das obras do Comperj e a demissão em massa dos operários em 2015 escancarou a situação pela qual o Rio e a Petrobras passava já naquele ano.

O desgoverno escancarado

Todos estes dados e fatos revelam a ausência completa do poder público na vida do povo fluminense. E o símbolo dessa ausência pode ser ilustrado pela semana do carnaval carioca (um dos eventos mais importantes do mundo). Foi o ano em que o carnaval expressou dura crítica política ao regime, nas ruas e no sambódromo, tendo bastante destaque o desfile da Tuiuti. Naquela semana o governador Pezão esteve descansando em sua casa de campo no interior do estado e o prefeito bispo foi tirar uma folguinha com dinheiro público na Europa. A quarta-feira de cinzas anunciou o fim da folia e a irresponsabilidade dos governantes diante da tempestade que massacrou milhares de pessoas na região metropolitana.

Foi neste contexto que a mídia liderada pelo grupo Globo se aproveitou para denunciar a ausência de comando no Rio, exagerando na cobertura das ocorrências de crime durante o carnaval. Imediatamente o presidente ilegítimo junto com seu braço direito Moreira Franco (ex-governador do Rio, citado na Lava Jato e candidatíssimo ao senado este ano) e com o ministro da defesa Raul Jungmann (também citado na Lava Jato pela Odebrecht) apresentaram a solução da intervenção federal na área de segurança do Rio. Uma intervenção político-militar.

Esta foi a “proposta positiva” do governo federal diante de sucessivas derrotas na tentativa de angariar apoio para a reforma da previdência. Mas, por que o Rio foi escolhido para a intervenção? Há ainda outros nove estados no país a frente do Rio de Janeiro que registram maiores índices de crimes. A explicação é que aqui se constitui o núcleo duro que sustenta Temer na presidência. E ao mesmo tempo é onde o PMDB está sofrendo suas maiores baixas diante da Lava jato. Foram presos o ex-governador Sergio Cabral, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, empresários do transporte como Jacob Barata Filho.

A ausência de poder no Rio, portanto, é também ausência de alternativas da burguesia fluminense para se apresentar como solução dos problemas sociais. Eduardo Paes, uma das grandes apostas do grupo que hegemonizou o estado nos últimos anos teve uma derrota retumbante nas eleições municipais do Rio, onde seu candidato não alcançou o segundo turno, disputado pelo hoje bispo prefeito Crivella e o nosso deputado Marcelo Freixo. Ainda há a enorme chance de Eduardo Paes ficar inelegível por oito anos.

Somente o PSOL pode se apresentar como alternativa no Rio de Janeiro

Freixo é a expressão maior de uma construção política e partidária no Brasil que se postulou sempre como oposição aos governos lulistas e seu projeto social-liberal para o país (neste link teoriza-se sobre esta categoria na América Latina). Freixo e o PSOL são também a principal oposição ao governo no estado que foi representado pelo PMDB nos últimos anos.

As últimas eleições, na capital em 2016 e no estado em 2014, mostrou que o único projeto capaz de se apresentar como oposição a velha política corrupta e privatizadora no Rio e ao mesmo tempo se enraizar em setores de massa é a política apresentada pelo PSOL. No entanto, ainda temos algumas tarefas históricas a superar para cumprir este desafio de se postular como alternativa real ao povo fluminense, como o enraizamento nos bairros e em setores importantes da classe trabalhadora.

Momentos como este de crise profunda e de ausências de alternativas concretas forçam-nos a apresentarmos saídas concretas junto ao povo organizado e ao mesmo tempo nos postularmos como alternativa política. Por isso, nossa elaboração que conduziu a boa nota do partido sobre a intervenção militar foi fundamental. Exigimos a antecipação das eleições no estado por identificar que não existe mais quem governe. Este espaço deve ser ocupado, portanto, a partir de uma escolha direta e soberana do povo fluminense. E por este sentido também rejeitamos profundamente a intervenção militar. Tanto por ser uma decisão autoritária, externa e alheia aos interesses da grande maioria da população, e evidentemente pelo que isso representará no cotidiano do povo, sobretudo dos pretos favelados do nosso estado.

O que significa a intervenção militar e quais suas consequências nos territórios?

Desde pelo menos o governo de Moreira Franco (hoje ministro de Temer) em 1988 se apresenta como solução da segurança pública no Rio a presença ostensiva do aparato militar nos territórios, sobretudo nas favelas. Apenas Leonel Brizola optou por uma política menos militarizada, ainda que muito tímida para enfrentar a questão. Os governos seguintes como Marcelo Alencar, casal Garotinho, Benedita da Silva, Cabral e agora Pezão, todos optaram pela militarização das favelas. A última dupla que governou o estado apresentou o grande projeto das UPPs. Enormes investimentos em aparato militar que foram combinados com os investimentos em grandes obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas.

Mas para onde isso nos levou? Qual foi o saldo dessas políticas? É importante resgatar que na última década a ocupação militar foi a resposta dos governos para a segurança. Houve ocupações militares em 2008, 2010 e 2014. Ou seja, esta medida não é exclusividade do presidente ilegítimo Michel Temer, que no ano passado também autorizou uma ocupação desse tipo na Rocinha.

A favela da Maré já ficou ocupada por mais de um ano entre 2014 e 2015. A operação custou aos cofres públicos mais de 600 milhões de reais. A efetividade dessa medida foi zero, e com o tempo os militares passaram a cometer as mesmas violações de direitos praticadas por forças policiais. O tráfico nunca parou de operar no período da ocupação. Pesquisa realizada na Maré após a ocupação revelou que para 69% da população dali a sensação de segurança não aumentou.

A situação de agora ganha mais qualidade, pois criou-se toda uma expectativa em torno do tema, além de ser ano eleitoral e um período de grande crise social. O decreto aponta que a intervenção poderá durar até o fim do ano. Além disso, as forças armadas querem garantias de que não terá restrição alguma em suas investidas. Houve tentativa de emplacar uma medida inconstitucional como o “mandado coletivo de busca e apreensão”, declaração do alto comando dizendo que não quer “comissão da verdade” para apurar os crimes que vierem a cometer. Por fim, qualquer consequência desproporcional que uma operação dessa causar, a sociedade civil e suas instituições não terão condição alguma para intervir. Ou seja, estamos diante de uma situação em que nossas mãos ficam atadas diante da iminente violação dos direitos da população.

Então Qual a saída para o Rio?

A resolução dos problemas do Rio certamente passa pela política. Não será uma intervenção militar que dará conta de resolver a crise completa que abala o estado. Nem sequer a situação de insegurança da população, como já se demonstrou em outras ocasiões.

A crise profunda e a potencial militarização da segurança pública do estado, ao mesmo tempo em que abre um momento distinto no processo de luta política, impõe ao PSOL a luta pelo poder no segundo estado da federação. O colapso dos políticos da ordem impõe como tarefa ainda mais urgente a luta pelo poder não só institucional, mas em organização e associação íntima com o povo do Rio de Janeiro, muito mais profunda do que foi até agora. Disputando com a direita, que com a militarização da segurança pública do estado pode ganhar mais força no curto prazo, e com o PMDB, a máfia que no Rio colapsou mas que nacionalmente segue sustentando o governo Pezão.

É necessário lutar pela construção de canal democrático junto ao povo, associações de moradores, bairros, juventude, trabalhadores e servidores do estado elaborando um programa para dar resposta à crise. Nós apostamos na construção da Rede Emancipa como uma ferramenta de aproximar o nosso programa da população mais excluída das decisões. Além disso, o coletivo de juventude Juntos estará travando esta batalha em cada escola e universidade que foram ocupadas pelos estudantes no último período. O mandato do vereador David Miranda na capital estará a serviço da mobilização dos profissionais da saúde, educação e limpeza urbana para apresentar um novo projeto pro Rio.

O PSOL-RJ deve assumir a palavra de ordem de antecipação das eleições para governo do estado pelas condições especialmente graves do Rio de Janeiro. Não é possível admitir que a máfia que causou toda essa crise siga no governo. É inviável ter segurança pública enquanto parte da pior organização criminosa do estado, o PMDB, estiver no aparelho estatal.

Há também a necessidade de se apresentar propostas emergenciais para a situação extrema. O partido deu um pontapé inicial no último sábado quando reuniu lideranças políticas e especialistas da área de segurança. Algumas propostas foram apresentadas como se pode conferir neste link. Cabe ao PSOL, portanto, se postular como alternativa de poder e ao mesmo tempo como ferramenta para que a população encontre a saída para crise profunda do estado e do país.

Por fim, a solução da crise passa também por solucionar a crise econômica que nos afeta, invertendo completamente a lógica que se estabeleceu aqui com a máfia do PMDB. Devemos urgentemente exigir o confisco dos bens dos corruptos como forma de resgatar dinheiro público desviado para pagar servidores. Fim da farra das isenções que nos últimos anos somou pelo menos 218 bilhões de reais que não foram arrecadados pelo estado. Regulamentar a taxação das grandes fortunas. Pezão deve renunciar e o povo decidir em eleições diretas e antecipadas o projeto que quer construir para tirar o Rio da calamidade produzida pela máfia que se encastelou no Palácio Guanabara.


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Pedro Micussi