Maré vermelha pela educação nos EUA

Jornalistas estadunidenses relatam a onda de mobilização em estados tradicionalmente do país a favor da educação.

Amy Goodman e Denis Moynihan 18 abr 2018, 13:45

Maré vermelha pela educação: continua a revolta docente nos estados republicanos

Se percorrida a rota sul entre Frankfurt, a capital de Kentucky, e Oklahoma City, em Oklahoma, o ponto médio é Memphis, Tennessee. A rota forma o desenho de um arco, uma figura que muitas pessoas têm presente nestes dias a propósito do 50º aniversário do assassinato de Martin Luther King Jr. Parafraseando o abolicionista Theodore Parker, o Dr. King expressou num de seus famosos discursos: “O arco do universo moral é amplo, mas se inclina para a justiça”. King foi assassinado a tiros em 4 de abril de 1968, enquanto encontrava-se apoiando os garis de Memphis que estavam em greve. Meio século mais tarde, uma greve de milhares se estende de Kentucky a Oklahoma.

Na noite anterior de sua morte, o Dr. King pronunciou um de seus discursos mais famosos, e proféticos: “Estive em cima da montanha”. Mas poucos dias antes, King, apaixonado ativista sindical, dirigiu-se num discurso aos garis de Memphis em greve, aos que havia ido apoiar: “Sempre que estiverem comprometidos com um trabalho que sirva à humanidade e à construção da humanidade, isso tem dignidade e valor. Estão recordando não só a Memphis, mas também a nação, que é um crime que as pessoas vivam nesta rica nação e recebam salários famélicos”.

As atuais greves dos professores são parte de uma revolta nacional que vem crescendo desde há vários meses nos chamados “estados vermelhos”, isto é, de maioria republicana. Primeiro, na Virgínia Ocidental, os educadores levaram a cabo uma greve ilegal de nove dias, com a qual obtiveram um aumento salarial e a inclusão de importantes proteções no seguro de saúde. No Arizona, os professores organizaram protestos para exigir um aumento salarial. E tanto em Oklahoma como em Kentucky, professores de ambos os estados declararam-se em greve.

Os salários dos professores de Oklahoma são os segundos piores dos Estados Unidos. O jornalista especializado em temas laborais Mike Elk, desde Tulsa, declarou numa entrevista ao Democracy Now!: “Desde 2009, Oklahoma cortou seu orçamento estatal mais do que qualquer outro estado do país. Tem uma das menores taxas de impostos sobre o petróleo e o gás natural. A taxa fiscal efetiva é de 3% para a produção de petróleo e de gás natural. Em comparação, a vizinha Texas, que paga a seus professores um salário inicial de 18 000 dólares a mais, aplica impostos ao petróleo e ao gás natural a uma taxa efetiva de 8%. Então, o que observamos é que os professores estão exigindo muito mais em termos de financiamento. O estado já aprovou um aumento salarial de 6000 dólares para os professores, mas os professores assinalam que se trata de muito mais. Trata-se de financiar aulas. Trata-se de ter notebooks”.

Uma das educadoras em greve, Andrea Thomas, e seu esposo, dão aulas em escolas públicas de Oklahoma City há muito tempo. Thomas explicou para Democracy Now como os afeta a semana escolar reduzida a quatro dias, uma manobra de redução de custos utilizada em muitos distritos em todo o estado: “Dependemos desse quinto dia para os trabalhos extras que temos que fazer. Ambos trabalhamos em uma loja de produtos Herbalife. Os dois vendemos esses produtos. Eu vendo Monat e limpo casas. Meu marido inclusive vende plasma”. Andrea se refere ao fato de que seu marido vende seu próprio plasma, parte do seu sangue.

Mickey McCoy falou com Democracy Now desde Frankfort, Kentucky. McCoy, professor aposentado, que nos contou: “A maioria dos meus irmãos e irmãs que se reuniram em assembleia, chegando a 12 000 noutro dia, estamos preocupados com esta guerra contra a educação pública. Há uma guerra contra a educação pública. (…) Não se trata apenas das aposentadorias. Não se trata somente de nosso seguro médico. Entendem que estão sendo fechados centros de serviços para os jovens? Estes centros de serviços para os jovens ajudam crianças, tanto nas zonas urbanas como nas zonas rurais, de onde eu provenho, com as coisas que necessitam, não somente subsídios escolares, mas também camisetas e sapatos. Lhes dão comida para levar para casa. E este Parlamento, bom, este governador, o governador Matt Bevin, é como um general nesta guerra contra a educação pública. Quer substituir a educação pública por escolas charter que selecionarão os que poderão ser alunos e os que não poderão, escolas charter que não dará vagas às crianças desfavorecidas. Poderão construir sua pequena escola da forma que desejarem. Se isso é permitido no Kentucky ou em qualquer outro estado, este país se tornará num lugar dividido entre os que têm e os que não têm. Não vamos deixar que isso se suceda. Não. Não no Kentucky.”.

Attica Scott, a primeira mulher afro-estadunidense a ocupar um cargo no Legislativo do Kentucky em mais de 20 anos, agrega: “Necessitamos mais dessa justa ira que tinha o Dr. Martin Luther King. Necessitamos que mais gente se reúna no Capitólio estatal e afirme que o Kentucky merece algo melhor”. Scott relatou como o parlamento estatal com maioria republicana desmantelou o programa de aposentadorias na semana passada, mudando sub-repticiamente um projeto de lei de tratamento de águas residuais: “Na sexta-feira anterior à Sexta-Feira Santa, pela manhã, era um projeto de lei de águas residuais. E pela tarde havia se convertido numa suposta lei de reforma do sistema de pensões. O governador e seus correligionários do Parlamento estão decididos a destruir a educação pública.” Tanto McCoy como a representante Scott, que estavam sentados um ao lado do outro, vestiam vermelho. Esta escolha de cor deve-se à campanha “Vermelho pela educação”, que teve uma grande aceitação e gerou uma maré vermelha que inundou os corredores e os arredores do Capitólio Estatal.

Um dos aliados mais próximos de King, seu mentor na prática da resistência civil não violenta, foi o reverendo James Lawson. Lawson vive, continua com seu ativismo e tem 89 anos de idade, a mesma idade que teria King agora. O reverendo Lawson falou com o Democracy Now desde Memphis:

“Nossa democracia não logrará ser exitosa nem efetiva enquanto não tenhamos organizações de trabalhadores que lutem para resguardar seus benefícios econômicos, que lutem pelo meio ambiente, que possam se ocupar dos problemas de justiça. Necessitamos que haja milhões de trabalhadores participando em organizações de base locais e fortes, onde possam conhecer os problemas, enxergar uns aos outros, trabalhar entre eles, para conseguir mudanças no lugar onde vivem”.

Existe um arco: entre as comunidades em luta, entre as diferentes gerações, um arco que, tal como disse Martin Luther King, finalmente se inclinará para a justiça. King derramou seu sangue muitas vezes, por feridas e ataques sofridos ao longo de sua vida. A derramou pela última vez em Memphis, onde acudiu em solidariedade aos trabalhadores em greve. Cinquenta anos depois, um professor de Oklahoma vende seu sangue para chegar ao final do mês. A luta continua.

6 de abril de 2018

Reprodução de material traduzido pelo Portal de la Izquierda.


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