De dentro de casa

As recentes atuações da parlamentar eleita Alexandria Ocasio-Cortez nos EUA indica que ela é qualitativamente diferente dos demais.

Benjamin Beckett 27 nov 2018, 18:53

A questão do papel dos socialistas no parlamento é um debate de longa data na esquerda; a boa-fé de Alexandria Ocasio-Cortez como um tipo qualitativamente diferente de esquerdista eleita parlamentar é um debate mais recente. Ainda é muito cedo para qualquer afirmação definitiva sobre o mandato de Ocasio-Cortez – ela inclusive só toma posse em dois meses. Mas dadas as suas ações essa semana, até os céticos da esquerda devem dá-la crédito.

Alguns dias atrás, Ocasio-Cortez admitiu que não teria dinheiro suficiente para garantir um apartamento em Washington D.C. até que estivesse recebendo seu salário parlamentar – uma declaração poderosa sobre o papel que cumpre a classe nas candidaturas pro Congresso (sem falar na crise de moradia acessível em Washington). O patrimônio mediano de um membro da Câmara de Representantes era de no mínimo 900 mil dólares em 2015.

Mais significativamente, na terça-feira (13/11), Ocasio-Cortez passou o seu primeiro dia no Capitólio em uma manifestação ilegal no escritório de Nancy Pelosi, aspirante a presidente da Câmara, pressionando por uma resolução séria quanto ao aquecimento global.

Retoricamente, Ocasio-Cortez tentou caminhar uma linha tênue, com o cuidado de não criticar Pelosi muito diretamente. “Nós precisamos dizer para ela que ela tem o nosso apoio para demonstrar e perseguir a agenda energética mais progressista que esse país já viu”, Ocasio-Cortez disse sobre Pelosi, antes de cumprimentar os manifestantes. Mas ela também disse que a abordagem da mudança climática “fica sendo empurrada de sessão em sessão, então o que isso precisa fazer é criar um impulso e uma energia para garantir que essa questão se torne prioridade para a liderança”.

Ocasio-Cortez esboçou uma resolução convocando os representantes Democratas à criação de um novo comitê que teria o poder de elaborar um projeto de lei de um “New Deal Verde” até 2020 – um projeto que criaria um programa de empregos em obras públicas e transicionaria o país em direção a uma matriz energética renovável. Significativamente, a resolução exige que nenhum congressista – de ambos os partidos – que aceite doações da indústria de combustíveis fósseis teria permissão de integrar o comitê.

Enquanto a primeira parte do projeto de lei é teoricamente fácil para quase qualquer Democrata concordar, a segunda parte, ao nomear um inimigo específico, força a liderança partidária a escolher um lado: grandes doadores ou vítimas da mudança climática?

A despeito das demandas específicas, que nesse caso são necessariamente limitadas pelas regras da Câmara, a disposição de Ocasio-Cortez de apoiar os manifestantes de um grupo pouco conhecido dentro do escritório da líder da sua própria bancada, antes mesmo de tomar posse, indica o seu preparo não apenas para sacudir o protocolo e enfrentar Democratas de alta importância nacional, mas também para usar o seu mandato como um centro para a organização de causas progressistas.

Ocasio-Cortez também foi contra o establishment Democrata de Nova York ao tomar uma posição agressiva contra o plano anunciado da Amazon de trazer 25 mil empregos com alto salário na área de tecnologia para o Queens. Nisso, Ocasio-Cortez se uniu ao colega socialista democrático Lee Carter ao questionar o modelo de desenvolvimento econômico baseado em incentivos empresariais.

Praticamente todos os principais políticos da cidade de Nova York assinaram uma carta encorajando a Amazon a abrir uma sede na cidade em 2017. E enquanto alguns voltaram atrás, a maioria, incluindo o governador Andrew Cuomo e o prefeito Bill de Blasio, permanece extremamente entusiasmada com o acordo, descartando preocupações com a falta de aporte da comunidade.

Justapondo diretamente benefícios empresariais com a falta de financiamento estatal para projetos públicos, Ocasio-Cortez tweetou “Amazon é uma empresa bilionária. A ideia de que ela receberá centenas de milhões de dólares em isenções fiscais em um momento em que nosso metrô está desmoronando e as nossas comunidades precisam de MAIS investimento, não menos, é extremamente preocupante para os moradores daqui.”

De fato, entre benefícios estatais e municipais, a Amazon pode receber até três bilhões de dólares em dinheiro público. Uma vez empossada, Ocasio-Cortez irá representar bairros trabalhadores diretamente adjacentes ao proposto escritório da Amazon em Long Island.

Assim como com a demanda de excluir membros do Congresso que recebem dinheiro de empresas de combustíveis fósseis da tomada de decisões que afetam o clima – e assim como na sua campanha – Ocasio-Cortez traçou uma linha entre os ricos e poderosos e as pessoas comuns. Ocasio-Cortez tem consistentemente enquadrado questões em termos de classe, apontando em várias instâncias que os ricos são ricos porque os pobres são pobres, que pessoas normais sofrem por conta das ações dos capitalistas. Ao fazê-lo, ela ajuda a tomada de consciência de classe muito mais que quase todos os Democratas, além de Bernie Sanders.

Ao apoiar protestos no escritório do seu próprio partido, ela demonstra uma compreensão que a organização constante da comunidade é necessária junto com o poder legislativo. Mesmo que não possamos saber qual caminho Ocasio-Cortez seguirá uma vez que estiver sob a completa pressão institucional do partido Democrata, a esquerda deve ter ânimo dos seus primeiros passos – e apoiá-la a pressionar ainda mais.

Artigo originalmente na Jacobin Magazine. Tradução publicada pelo Portal da Esquerda em Movimento. 


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