Ensino Remoto: exclusão e precarização

Estamos em momento em que a prioridade das pessoas deveria ser cuidar da saúde.

Edma Moreira e Rigler Aragão 24 jul 2020, 14:05

Estamos vivenciando um momento excepcional devido a pandemia. A crise sanitária agravou profundamente a economia e as questões sociais no país, o Brasil enfrentava um cenário de estagnação econômica, aumento do trabalho informal, do desemprego e das desigualdades. Combinando isso com a crise política, chegamos a situação catastrófica de mais 80 mil mortes e sem ministro da saúde, o próprio presidente desmontou qualquer estratégia de combate a pandemia, agora, com ajuda de prefeitos e governadores liberando as atividades não essenciais, o cenário é imensurável.

Muitos estudantes e professores foram impactados pela pandemia adoecendo, perdendo parentes, amigos, vizinhos ou tendo que cuidar de familiares doentes. Muitos estudantes ficaram desempregados, suas famílias estão em situação de vulnerabilidade. Não compreender que a pandemia aprofundou problemas sociais, influenciando quem continuará ou não os estudos em escolas, cursos ou em universidades é desconsiderar esses problemas e desprezar a vida. Estamos em um momento que a prioridade das pessoas deveria ser cuidar da saúde.

Nesse cenário, os estudantes, os professores e os trabalhadores prestadores de serviços da educação pública são pressionados a retornar às atividades. A pressão ao retorno ocorre de diversas maneiras, uma delas é a adesão ao ensino remoto de forma aligeirada, sem formação e suporte técnico adequado aos professores e estudantes. Há o discurso de fazer e despois avaliar o que deu errado e que está na hora dos professores saírem da zona de conforto das aulas tradicionais, sem discussão mais profunda. O mais provável com isso é o aumento da exclusão social de estudantes de famílias pobres, que foram duramente afetadas pela pandemia.

Em momentos de crises muitos querem tirar proveito, como oportunidade para implantarem seu projeto. Assim, deixou claro Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, quando falou que era o “momento de passar a boiada”. Neste caso, a boiada é a expansão do ensino a distância, aumento da privatização e mais lucro para as grandes empresas de serviços tecnológicos educacionais que detém sistemas, aplicativos e plataformas digitais. A compra dessas plataformas pelo governo colocaria milhões de reais nas empresas que monopolizam o setor de tecnologias digitais educacionais. O governo é o principal incentivador desse investimento, pressiona institutos e universidades a aderirem ao ensino remoto, com a justificativa de que a universidade não pode continuar sem atividades e que o trabalho remoto duraria apenas no período da pandemia.

Sobre essa assertiva, destaca-se que as universidades não estão “paradas”. Muitos técnicos e professores estão na linha de frente do combate a Covid19 nos hospitais universitários, fazendo pesquisas em diferentes áreas, seja para criar uma vacina, ou medicamentos, ou para compreender as consequências sociais e econômicas da pandemia. O trabalho docente não se restringe à ministrar aula, envolve também extensão, pesquisas e o trabalho administrativo. Essas ações estão acontecendo, de forma limitada, mas estão sendo desenvolvidas através do trabalho remoto.

No início da pandemia com a paralisação das aulas presenciais prefeitos, governadores e secretários de educação tentaram implantar o ensino remoto. Muitos de forma romântica colocavam que com a pandemia o ensino a distância seria solução, como se abrisse uma porta de oportunidades e novidades em meio a pandemia. Não demorou muito para a realidade se impor, a minoria da população tem acesso a internet, a desigualdade e exclusão são traços fortes e marcantes da sociedade brasileira. O adiamento do Enem só reafirmou que milhares de jovens não tem acesso a internet para estudar, a juventude universitária carece com a mesma limitação.

Qualquer forma de implementação de ensino remoto nas universidades públicas é aprofundar a desigualdade. Em 2019 a ANDIFES divulgou uma pesquisa que traçava o perfil socio-econômico dos estudantes das universidades federais, e a constatação foi que 70% dos estudantes são oriundos de famílias de baixa renda. Muitos dos estudantes não têm acesso a internet e computador em casa.

A forma de ensino remoto que o governo tentar impor para as universidades é transferir a responsabilidade para os professores. O docente é que terá de arcar com os custos dos insumos (energia, plano de internet, computador e espaço físico) necessários para preparar e ministrar as aulas online. O lar do docente será uma extensão do trabalho no momento que muitos professores/as estão com seus os/as filhos/as sem aula, ou com ensino a distância, ocasionando maior atenção e tempo com as tarefas domésticas. Essa realidade atinge muito mais as professoras, já que as mulheres são responsáveis pela maioria dos trabalhos domésticos.

Outro aspecto, relevante a considerar é a diversidade regional que influência as universidades, principalmente, nos campi que estão distantes da sede em cidades do interior do estado com precária infraestrutura, nestes casos, as dificuldades são maiores do que nos grandes centros urbanos.

Por fim, umas das justificativas para implantar o ensino remoto é que será por um curto período, durante a pandemia. Há muito tempo o projeto de Ensino a Distância (EaD) vem se desenvolvendo em ritmo muito intenso no setor privado, tanto é, que as escolas e universidades privadas as aulas não pararam. Mas nas universidades públicas há muito tempo os governos vêm tentado expandir a oferta do ensino superior por meio da EaD, por ter custo menor do que a modalidade presencial, é de fácil expansão de vagas e possibilita precarizar, intensificar o trabalho e flexibilizar o contrato de trabalho. A tática é estabelecer uma “nova normalidade” pós pandemia, não retornaremos ao que era antes da pandemia, mas sob novos marcos que se estabelecem neste momento, como algo eventual, de exceção que poderá se transformar em regra. O ensino remoto de hoje pode se tornar o EaD de amanhã.

Ser contra o ensino remoto, não significa ser contra o desenvolvimento tecnológico e sua utilização na educação. A tecnologia é capaz de proporcionar inúmeros benefícios à sociedade. Mas da forma como vem sendo pensada sua implementação apenas para a geração de lucro, intensificação da exploração de trabalhadores e trabalhadoras tem servido para aumentar o abismo da desigualdade e exclusão social. Por isso é importante a luta coletiva de estudantes, técnicos e professores contra qualquer forma de exploração e exclusão nas universidades.


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