Otelo Saraiva de Carvalho, 25 de abril sempre!

Otelo Saraiva de Carvalho, 25 de abril sempre!

Por ocasião do falecimento de Otelo Saraiva de Carvalho, líder da Revolução dos Cravos, Gil Garcia (MAS-PT) recorda a trajetória do ex tenente-coronel.

Gil Garcia 25 jul 2021, 18:39

Serei curto neste dia triste pelo falecimento de Otelo Saraiva de Carvalho. Desde logo as minhas condolências à família e amigos.

Se há obra que ficará ao longo de muitos séculos como nobre e gigantesca, justa e necessária, será aquela em que Otelo foi um ‘chefe’ incontornável: o golpe militar de 25 de abril que derrubou a mais longa ditadura da história na Europa, a ditadura fascista de Salazar e Caetano.

 É óbvio que o 25 de abril propriamente dito (o golpe militar organizado por Otelo e ‘companheiros’ de armas) não foi o resultado estrito de um homem, de um movimento de capitães ou sequer da genialidade militar do autor do golpe. O 25 de abril de 74 é o resultado de um conjunto de variáveis que impulsionaram os próprios militares envolvidos a produzi-lo.

A resistência do povo português (trabalhadores, camponeses e juventude estudantil), mesmo que não tivesse sido a força motriz principal do golpe não esteve ausente de todo, principalmente nos últimos anos da ditadura. Por outro lado, o determinante foi a resistência armada dos povos africanos que heroicamente se levantaram contra séculos de colonização e escravatura. Este levantamento praticamente em simultâneo em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo-Verde, provocou baixas sistemáticas no exército português abrindo uma crise na ‘moral das tropas’ encarregues da repressão e no regime como um todo. Todos estes fatores ‘empurraram’ Otelo e os demais, a pôr fim ao regime salazarista.

Em rigor Otelo deve ser relembrado com admiração e mérito pelo preparação, desenvolvimento e êxito, do golpe de estado do 25 de abril. Também é justo o relembrar pelo papel que jogou nesse dia e pelo papel histórico e progressista que esse ‘golpe’ representou para a queda de um regime. Um regime de Pides, ditaduras, torturas, prisões e mortes.

Nunca me senti, nem fui, Otelista de ‘coração’ e ‘razão’ como já pude ler por aí. Nem mesmo quando se candidatou a várias presidenciais, ainda que, o movimento que, por baixo da sua auréola, se desenrolou – bastante progressivo-, teria tornado pontualmente justo apoiá-lo, na primeira candidatura de 1976. Reconheço-o nas últimas décadas.

No entanto, Otelo no pós 25 de abril, desculpem-me a franqueza, cometeu muitos erros e fez muitas asneiras. Talvez por não ter formação política e teórica (e menos ainda marxista revolucionária – mas, quem tinha nessa altura!) para o desafio que se abriu na sequência do golpe militar, ou seja, para a revolução (não confundir com o golpe militar) que o povo nas ruas empreendeu, por sua iniciativa e força.

Desde o surgimento do que veio a ficar conhecido como PREC (Processo Revolucionário Em Curso) é óbvio que nem Otelo nem nenhum militar do MFA, ou do que quer que fosse, esteve à altura das exigências do processo histórico em marcha. Menos ainda os partidos que supostamente o deveriam conduzir ao tal ‘socialismo’ ou socialismo com liberdade, prometido e ansiado (e até possível). Deste modo Otelo, o impreparado, logo se envolveu em COPCON’s (formados como matéria de repressão) ainda que na prática tivesse jogado um papel cheio de contradições e, na sua pior fase, na aventura injustificada e contraproducente das FP-25, como ficaram conhecidas. 

O que não se consegue com uma revolução nas ruas (por ausência de uma verdadeira direção revolucionária), o que não se consegue com partidos que falsamente se classificam a si mesmo de ‘socialistas’, ‘comunistas’, ‘democráticos e populares’ ou ‘comunistas reconstruídos’ – as direções que mais responsabilidade tiveram no retrocesso da revolução portuguesa desencadeada a 25 abril de 1974 -, menos ainda se conseguiria com um punhado de “bravos” de armas na mão.

No entanto, no dia de hoje, o mais relevante é recordar o êxito do golpe que Otelo nos proporcionou, o empenhamento com sérios riscos de vida na sua preparação, saudar a queda de um regime ditatorial – num momento que novas forças reaccionárias e neofascistas estão no terreno a desejar voltar a 24 de abril! -, e desejar que as futuras gerações possam estar à altura dos desafios de uma nova revolução.


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