O governo Bolsonaro no centrão arenoso
Imagem: Marcos Correa/ Poolfoto ZUMAPRESS.com

O governo Bolsonaro no centrão arenoso

O governo Bolsonaro tenta uma “fuga para frente”, enquanto agrava-se a crise social e seguem os debates no interior da oposição.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 30 jul 2021, 14:50

Depois de um período de perda de popularidade, Bolsonaro agarra-se em medidas para “estancar”, ao menos de forma provisória, seu derretimento. Aproveitando o recesso parlamentar e uma “trégua” da CPI da Covid-19, o governo remonta seu gabinete, colocando Ciro Nogueira à frente da Casa Civil, numa clara vitória do centrão, em particular do PP, herdeiro da Arena e do PDS pró-ditadura, o partido que frequentou a base de praticamente todos os governos brasileiros nas últimas três décadas.

Os atos do último dia 24 de julho demonstraram, mais uma vez, a disposição de ir às ruas de centenas de milhares de pessoas. No entanto, faz falta uma estratégia para um plano de lutas sustentável: as manifestações ainda não atingiram a escala dos milhões e os atos não são capazes, por si só, de marcarem a conjuntura. Nesse cenário, em que se combinam uma tentativa de “fuga para frente” do governo, crise social e debates dentro do campo da oposição, abordamos a seguir algumas importantes tarefas.

Sintomas de uma crise profunda

A cena da fila de centenas de pessoas, entre elas crianças, para recolher ossos distribuídos por um estabelecimento comercial em Cuiabá, é chocante. Trata-se de uma imagem que simboliza um país assolado pela miséria e pela fome. A onda de frio que começou nesta semana, tragicamente, vai revelando a ampliação do número de moradores de ruas em praticamente todas as grandes cidades brasileiras.

O aumento do custo de vida é sentido por amplas parcelas da classe trabalhadora e das classes médias, seja no altíssimo custo dos combustíveis ou no indecente aumento do preço da energia elétrica. Um setor minoritário dos caminhoneiros, sem apoio das centrais e dos sindicatos maiores, ensaiou uma tentativa de greve, sem conseguir êxito, mas chamando a atenção para o mal-estar vivido por uma das categorias que mais ofereceram apoio a Bolsonaro.

A paralisação dos sistemas informáticos do CNPq e o risco de perda de dados de milhões de pesquisadores é outro atentado à ciência e à pesquisa promovido pelo governo Bolsonaro. O incêndio no galpão da Cinemateca Brasileira, por sua vez, uma tragédia anunciada, mostra a política criminosa de um governo que odeia o Brasil e o povo brasileiro, sua história e sua cultura. Todos os dias, apresentam-se novos sinais de uma crise estrutural que vai se aprofunda no país e que nenhuma estatística manipulada por Guedes, apontando uma suposta “despiora” da economia, será capaz de reverter. O que salta aos olhos é a crise social e os riscos de prolongamento da pandemia com uma vacinação a conta-gotas, marcada por interrupções de calendário nas capitais e incompetência absoluta na entrega de doses pelo governo.

O centrão no centro do governo

Bolsonaro anunciou um novo gabinete, com Ciro Nogueira à frente da Casa Civil, e com a recriação do ministério do Trabalho para oferecer um lugar ao patético Onyx Lorenzoni, já que o deslocado general Ramos passou a ocupar a Secretaria de Governo. Ramos disse ter sido “atropelado por um trem” ao comentar sua troca por Ciro Nogueira. Já a nova pasta do Trabalho dividiu o assim chamado “superministério” de Paulo Guedes, que sequer pôde reclamar.

A CPI da Covid-19 apontou a ponta do iceberg dos esquemas de corrupção no Ministério da Saúde em plena pandemia. Tal esquema unia as duas pontas fortes do governo: o centrão, por meio do líder do governo na Câmara Ricardo Barros (além de pairarem suspeitas sobre o próprio Ciro Nogueira), e os militares, com Eduardo Pazuello e seus subordinados militares nomeados a vários cargos no ministério. Isso demonstra que as duas alas que hoje dão as cartas podem ser também elos fracos, dependendo da dinâmica das investigações.

O triunvirato Barros, Lira e Ciro Nogueira quer estabelecer uma agenda para o governo para o começo do segundo semestre parlamentar: aprovação de uma reforma política proscritiva, distribuição de um fundo eleitoral bilionário para 2022 e a derrota da oposição no desfecho da CPI. Eis a aposta do governo para salvar Bolsonaro. Com negociatas tão escancaradas diante de um país apodrecido e cada vez mais miserável, em que ainda morrem mais de mil pessoas em média por dia por Covid-19, até quando as massas populares aceitarão essa situação?

O erro das direções majoritárias: repetir 2017

O ato do último dia 24 de julho – que, apesar de um pouco menor na maior parte das capitais (à exceção de Porto Alegre), teve mobilização próxima à das manifestações anteriores de 3 de julho – indica um ânimo importante de uma vanguarda ampliada para derrotar Bolsonaro agora. Também é importante destacar a maior extensão pelo país das manifestações, que ocorreram em mais de 400 cidades. Em geral, houve uma cobertura sóbria pela mídia, elemento que garantiu o acompanhamento das reivindicações por amplas massas.

O grande problema é o esgotamento desse modelo de atos. Nossa corrente disputou para que as manifestações ocorressem em dias de semana, questionando a “normalidade” nas cidades e apontando a necessidade de uma paralisação nacional para pressionar Bolsonaro. No entanto, as direções majoritárias, sobretudo ligadas à CUT e ao PT, parecem querer repetir a estratégia de 2017. Quando Temer estava na lona em termos de popularidade, envolvido em escândalos de corrupção, havia um forte clamor popular no país por sua saída. Foram organizadas a maior greve geral dos últimos 30 anos e uma marcha radicalizada e multitudinária em Brasília, mas a segunda greve geral, que deveria ser superior à primeira, foi desativada com a expectativa de “sangrar” Temer até a eleição de 2018. Mais uma vez, cálculos eleitorais e ilusões orientaram a ação das direções majoritárias da esquerda brasileira. O resultado foi o desastre da vitória de Bolsonaro.

Não podemos esperar 2022 para derrotar o Bolsonaro. Sabemos que a agitação que ele faz acerca do voto impresso é parte de uma estratégia golpista. A vanguarda precisa refletir acerca desses elementos, pois apenas com força de massas vamos poder derrotar o governo e sua estratégia golpista.

Nossas batalhas políticas

Seguimos insistindo em combinar duas tarefas, entrelaçadas, para disputar, com unidade, os rumos dos próximos passos do movimento. Em primeiro lugar, é preciso derrubar imediatamente Bolsonaro e sua agenda. Não é possível aguardar 2022. Para isso, faz falta a construção de um plano de lutas em direção a uma paralisação nacional. É preciso unificar, nos protestos, as reivindicações da classe trabalhadora, a mobilização do funcionalismo contra a reforma administrativa e as lutas democráticas, como a exigência de liberdade imediata de Paulo Galo e Gessica, vítimas de perseguição e prisão arbitrária. Isso passa pela ação do movimento estudantil no dia 11 de agosto e pelo dia de greve do funcionalismo no dia 18 de agosto. 

Ao mesmo tempo, devemos seguir a luta por um PSOL independente e anticapitalista, já que estamos no meio do VII Congresso do PSOL e nossa militância está envolvida nessa disputa para apresentar nosso projeto a cada filiado do partido, apesar do formato despolitizado e esvaziado imposto pela atual maioria. Para isso, é preciso unificar um polo consequente e de esquerda dentro do partido, apoiando a pré-candidatura de Glauber Braga à presidência. Por isso, organizaremos uma grande plenária virtual da pré-candidatura em 5 de agosto, para a qual convidamos a todos desde já.


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Pedro Micussi