Crise climática: O problema é o capitalismo, não a demografia

Apesar da crise ambiental contemporânea ter reavivado teorias de inspiração malthusiana, não podemos nos deixar enganar sobre qual a raiz do problema.

Michael Friedman 29 ago 2017, 21:32

O número cada vez maior de preocupações relativas a mudanças climáticas e outras tendências ambientais reavivaram diagnósticos e respostas malthusianas.

Sobre isso, o economista ecológico William E. Ress escreveu na revista canadense The Tyee (“Eliminando o Próximo Colapso Global”, 17 de Julho de 2017):

O “deslocamento competitivo” de outras espécies é um subproduto inevitável do crescimento contínuo em um planeta finito. A expansão dos seres humanos e de seus artefatos significa necessariamente a redução de todo o resto. (Existe uma contradição fundamental entre crescimento populacional/econômico e proteção do “meio ambiente”, apesar do que dizem os políticos).

Em um primeiro momento, alguém poderia reivindicar o “senso comum” de que à medida que uma população aumenta, aumenta também a pressão sobre os recursos, porém todo o resto permanece estável. Esta é a lógica do conceito ecológico de “capacidade de suporte” de um ecossistema. É a base de “Os Limites do crescimento“, antigo relatório do Clube de Roma, e esta ideia também está associada a algumas versões do conceito de “limites planetários”.

Todo o resto não permanece estável.

A acumulação do capital leva à destruição do meio ambiente

Em uma sociedade capitalista, os recursos naturais são apropriados pelos capitalistas por seu valor de troca, não por seu valor de uso. Ou seja, não é sua necessidade, utilidade, estética, etc., mas seu valor monetário concretizado na troca que impulsiona sua extração e seu uso subsequente — desde a cadeia de produção até a chegada ao consumidor.

O trabalho humano cria valor de troca, incluindo o valor de insumos e salários e um componente que inclui lucros. Impulsionado pela concorrência, o capitalista procura maximizar seu lucro, ao mesmo tempo em que procura reduzir os gastos com insumos e salários. Para os capitalistas, concretizar vendas lucrativas tem como objetivo re-investir em um processo de acumulação de capital em constante expansão: o de crescimento.

Essa sede — estimulada pela competição — por gerar cada vez mais capital é o que impulsiona a extração e o uso dos recursos naturais. Cada vez mais se retira minério de ferro ou petróleo, cada vez mais se devasta extensões de floresta e mais e mais peixes são retirados do mar, não para abrigar ou alimentar um número maior de pessoas, mas simplesmente para explorar ainda mais petróleo, minério de ferro, peixes ou florestas. Por outro lado, os capitalistas só estão interessados nos recursos que irão gerar lucro. Estes então são retirados de sua matriz ambiental e são explorados. O resto dessa matriz é considerado descartável, sendo irrelevante sua importância para nossa saúde ou para a biosfera.

É importante ressaltar que a sociedade está dividida em classes fundamentais e conflitantes cujo poder de investir ou comprar e explorar recursos naturais é dramaticamente desigual e é determinada pela sua posição no processo de produção — uma classe se apropria do capital e compra força de trabalho, enquanto outra precisa vendê-la. Relatórios recentes mostram que 71% dos gases do Efeito Estufas são emitidos por apenas 100 corporações — e há uma razão para isso.

Portanto está errado afirmar que a demografia orienta o uso de recursos. A demografia por si só deixou de desempenhar papel fundamental no uso de recursos no momento em que a produção capitalista se generalizou. Inclusive é possível argumentar que a demografia deixou de ser o fator determinante no momento em que as sociedades se dividiram em classes, tendo como base a divisão desigual do lucro.

Tanto o consumo de mercadorias quanto o crescimento populacional são excessivamente determinados e mediados pelo capitalismo. Em outras palavras, a relação entre produção capitalista, consumo e crescimento populacional é caracterizada por uma causalidade múltipla e recíproca entre estes elementos.

O consumo como uma função da demanda efetiva

E o nosso papel como consumidores? Não somos nós quem determinamos o que consumimos e como fazemos isso? Não somos nós os protagonistas do consumismo desenfreado? No geral, o acesso e o consumo dos recursos são determinados pelo mercado: não por necessidade, mas pela demanda efetiva (poder de compra monetário) de quem quer que esteja comprando — seja este um capitalista ou um trabalhador.

Porém, capitalistas e trabalhadores têm diferentes poderes de demanda efetiva e diferentes tipos de acesso institucional a recursos, se tratando tanto como indivíduos como enquanto classes sociais. Em última instância, a classe trabalhadora tem controle apenas sobre sua capacidade de trabalhar — nem mesmo um salário mínimo lhe é garantido. Por sua vez, a propriedade dá ao capitalista poder sobre o capital e a produção. E, para além do próprio capital, eles dominam as estruturas institucionais e legais do Estado, o que lhes dá os meios, por exemplo, para expulsar os camponeses americanos de sua terra (apesar deles terem o direito a esta) ou para construir oleodutos em áreas de reserva.

Esta desigualdade institucional faz com que, no capitalismo, a produção domine o consumo — e não o contrário, apesar dos capitalistas dependerem de consumidores de suas mercadorias e da demanda dos consumidores desempenhar um papel importante para determinar a oferta de produtos. Essa desigualdade tem origem na dissolução dos feudos e no surgimento do mercado capitalista, processo que foi acompanhado de uma legislação repressiva que privou dezenas de milhares de servos e camponeses de seus meios de subsistência e os levou como trabalhadores e consumidores para os braços de fabricantes e comerciantes, um processo que até hoje é vigente nos países em desenvolvimento.

Tanto em economias industrializadas como nas economias em desenvolvimento, o mercado é omnipresente e sua hegemonia é praticamente completa. Até mesmo os camponeses das aldeias mais remotas do sul do globo terrestre estão sob seu controle. Nós somos socializados de acordo com os princípios do mercado, desde o berço até a sepultura e em todos os espaços sociais, seja em casa, na escola, nos locais de culto ou em locais culturais. Nós incorporamos suas expectativas. O mercado gera e condiciona nossas necessidades e até nossas identidades. Nem as comunidades hippies nem as cooperativas de consumidores conseguem escapar. O mercado engloba cada vez mais mercadorias, incluindo recursos naturais indispensáveis e não renováveis. E, no capitalismo, a grande maioria de nós não consegue sobreviver fora desse circuito.

Para participar do mercado e assegurar a venda de suas mercadorias, os capitalistas competem de múltiplas e variadas formas, bem como mantém uma série de práticas, buscando constantemente reduzir os custos com a produção e os salários. Isso implica em uma guerra de preços, bombardeios constantes por campanhas publicitárias massivas (particularmente dirigidas a populações específicas e vulneráveis), criação de necessidades e desejos artificiais, manipulação de impulsos biológicos, adulteração e produção de má qualidade, itens descartáveis e obsolescência planejada, crédito ao consumidor e assim por diante. Os capitalistas devem comercializar cada vez mais mercadorias. Em última análise, eles são reféns tanto da compulsão por produzir mais e mais como também de uma massa de consumidores com um poder de compra relativa ou absolutamente limitado.

Os consumidores finais das mercadorias úteis não consomem e nem podem consumir toda a produção capitalista. Por óbvio, algumas mercadorias são exportadas, enquanto os produtores nacionais devem competir com as importações. Porém, tanto o Estado quanto o setor privado representam a demanda efetiva de componentes significativos do produto social. Para os empresários que são consumidores de bens de capital, estas compras são colocadas em movimento como capital, de forma a gerar lucros e contribuir para um crescimento maior. A demanda efetiva também é proporcionada pelo Estado, cujas compras incluem uma massa desproporcional de mercadorias destinados não para consumo, mas para destruição — em particular os produtos com caráter militar. O Estado é concebido como um comprador de última instância, destinado a estimular a produção e a acumulação em pontos em que a demanda efetiva dos consumidores enquanto indivíduos falha. Este foi o papel fundamental da economia keynesiana.

O desperdício exorbitante e a degradação descuidada do meio ambiente são subprodutos desse sistema, que tem como objetivo o crescimento do crescimento, de modo que cada vez mais mercadorias são bombeadas para o mercado e tudo o que não gera lucros é considerado um produto dado livremente pela natureza ou um “externalidade”.

As reivindicações dos consumidores até podem induzir algumas mudanças benéficas, mas somente enquanto elas corresponderem à dinâmica da produção de mercadorias e à lógica do mercado. Nós podemos convencer os supermercados a vender produtos orgânicos, podemos forçá-los a abandonar as sacolas plásticas, podemos exigir programas de reciclagem e nossos Estados capitalistas até mesmo estão dispostos a realizar algumas medidas que dizem que vão frear as mudanças climáticas, tais como o cap-and-trade, que distribui cotas de emissão de gases de Efeito Estufa. No entanto, temos que entender que estas medidas vão, simultâneamente, legitimar e até mesmo estender o mercado e a produção de mercadorias, ironicamente fortalecendo o consumismo e o desenvolvimento. Nenhuma dessas medidas altera a dinâmica da produção capitalista e, portanto, não fornecem soluções reais para a crise da biosfera. A hegemonia do mercado PODE ser derrubada, mas isso exige a expropriação dos donos do capital e do processo de produção e a substituição do Estado oligárquico por um Estado que represente democraticamente a classe trabalhadora. A “mão invisível” de Adam Smith deve ser substituída pelo planejamento democrático do uso de recursos e produção e distribuição de mercadorias e serviços.

Demografia e Recursos: Causa ou efeito?

E como fica a “população” nessa equação? É certo que populações densas e o crescimento desenfreado de populações colocam pressão em recursos de forma local, se não global. Embora isso possa ser uma verdade abstrata e para casos locais específicos, isso não pode ser generalizado como uma “lei natural” no capitalismo. Conforme observado, as relações são altamente mediadas pela nossa forma social, de modo que a pressão sobre os recursos seja determinada por questões de classe e geopolítica.

Não se pode afirmar que a pressão sobre os recursos corresponde necessariamente à densidade populacional ou ao crescimento populacional. Em nações industrializadas, os ricos colocam os custos ecológicos de suas indústrias, estados e subúrbios de luxo — por exemplo, o referente à emissão de carbono — nos ombros da classe trabalhadora, em suas densas comunidades urbanas e rurais, onde o consumo real é relativamente limitado, per capita.

Além da divisão desigual de renda entre as classes sociais no processo de produção, o fato de ter ou não ter uma propriedade estabelece relações de poder que se manifestam através do Estado e das instituições da sociedade civil. Essas relações desempenham um controle muito desigual sobre a divisão da mais valia na sociedade e, portanto, a alocação de recursos. O racismo e outras formas de opressão sustentam e ampliam essa disparidade. Os mecanismos de apropriação da mais valia incluem política fiscal, em especial impostos e despesas sociais, e o planejamento urbano e regional, incluindo leis de zoneamento. Outros mecanismos institucionais funcionam dentro da sociedade civil, por exemplo as políticas de empréstimos bancários.

Tal diferença de poder se traduz em diferentes consequências para o meio-ambiente e para a saúde. As áreas da saúde pública e da justiça ambiental lidaram por muito tempo com os “determinantes sociais da saúde” e com o “racismo ambiental”, concretizados através de fatores tais quais o suprimento de amplos espaços verdes em comunidades ricas e não em comunidades de baixa renda, ou a localização de instalações poluentes em comunidades da classe trabalhadora negra. De forma similar, tanto o poder social como a renda facilitam o acesso a uma série de inovações “verdes”, desde a pronta disponibilidade de produtos orgânicos até uma maior diversidade de alternativas energéticas, à uma infraestrutura eficiente em energia para um melhor transporte público. Em conjunto, estas medidas constituem uma espécie de tributação ecológica regressiva imposta pela classe dominante sobre a maioria da classe trabalhadora. No entanto, nem todas as rupturas ecológicas são implementadas nas comunidades mais marginalizadas: os ricos adoram seus campos de golfe e seus gramados bem cuidados, apesar destes emitirem gases do Efeito Estufa.

Além disso, muita coisa foi escrito sobre a “troca ecológica desigual” entre o norte e o sul do globo terrestre, pelo qual os custos ecológicos — como o desmatamento ou o declínio da biodiversidade — se acumulam no sul, enquanto os produtos de ruptura ecológica são exportados para o norte. (Ver James Rice, “Ecological unequal exchange: Consumption, equity, and unsustainable structural relationships within the global economy“, International Journal of Comparative Sociology 48, vol. 1 (2007): 43–72)

Assim, hipoteticamente, se nós controlássemos as disparidades no consumo, a troca ecológica desigual e a tributação ecológica regressiva, em termos de consumo de recursos per capita, [a cidade americana] Scarsdale — e não as favelas de Mumbai ou as planícies do Quênia — deveria ser considerada “superpovoada” e teria a maior pegada de carbono.

De fato, a densidade populacional pode ser inversamente proporcional à pegada de carbono. Por exemplo, um estudo da Universidade de Boston descobriu que as áreas urbanas densamente povoadas produzem menos emissões do que os subúrbios ou as áreas urbanas mais extensas, devido à proximidade ou à disponibilidade de transporte público ou aos custos de carbono de manter esses gramados limpos.

Globalmente, as maiores taxas de crescimento populacional estão associadas à pobreza, o que dificilmente propicia o consumo desenfreado. Em muitas regiões de crescimento demográfico, a desnutrição crônica é a regra, um produto da falta de “demanda efetiva”, não da demografia. Estudos que se iniciaram com a pesquisa de 1970 do sociólogo Mahmood Mamdani sobre uma aldeia na Índia demonstram consistentemente que o desenvolvimento, a igualdade de gênero e a melhoria da segurança e da qualidade de vida levam a um declínio na taxa de natalidade, um fenômeno conhecido como “transição demográfica“. Saúde, educação, direitos reprodutivos da mulher e igualdade social, emprego estável com um salário digno e um estômago cheio reduzem as chances de famílias grandes enfrentarem um futuro incerto e empoderam as mulheres a limitar o tamanho da família.

O que leva à questão final. A busca pelo lucro na raíz da economia capitalista representa uma barreira fundamental para melhorias no bem-estar social da maioria da classe trabalhadora do mundo. As vicissitudes da luta existencial entre pessoas comuns e donos do capital determinam a divisão da riqueza tanto na fábrica como na sociedade em geral. É no interior da luta de classes que encontramos o coração do “problema populacional” vigente no capitalismo.

No volume I de O Capital, Marx argumentou que a acumulação do capital inevitavelmente gera um exército de reserva de desempregados. Nos principais países capitalistas, esse processo começou com o cerceamento e a privatização de mercadorias e a dissolução de terras feudais, um processo que — por um lado — criou um estoque de capital e — por outro — criou uma massa empobrecida de trabalhadores útil para o desenvolvimento de indústrias. A acumulação do capital regenera continuamente o exército industrial de reserva, tanto no funcionamento normal do ciclo econômico como também no crescimento secular da produtividade ou na queda da taxa de lucro.

Nas colônias, a escassez de mão-de-obra encontrou a escravização dos povos indígena e africano. Nos Estados Unidos, a emancipação encontrou o ressurgimento do racismo, que contribuiu para a constituição do exército de reserva em áreas urbanas e industriais e que, juntamente com a opressão da periferia capitalista, tem sido fundamental atualmente para domesticar o movimento trabalhista dos Estados Unidos e intensificar tanto o processo de acumulação como a extração de mais-valia.

Com a expansão global do capitalismo e a dominação de grande parte do mundo capitalista por um pequeno número de nações ricas, este exército de reserva foi significativamente deslocado para as nações “subdesenvolvidas”, um processo cujo ritmo aumentou na época neoliberal devido ao aumento maciço de migrações rurais para áreas urbanas, de modo a proporcionar mão-de-obra barata para fábricas mundiais, sob o impulso de ajustes estruturais e acordos de livre comércio impostos às nações em desenvolvimento por instituições financeiras internacionais e nações industrializadas. Nos últimos anos, o Banco Mundial facilitou um grande roubo de terra dos países em desenvolvimento por corporações transnacionais. O Quênia é um exemplo. O recente artigo de Jeffrey Gettleman na edição de domingo do New York Times (Loss of Fertile Land Fuels ‘Looming Crisis’ Across Africa“) deu uma perspectiva malthusiana para as violentas disputas pela terra que agitaram esse país. Apesar disso, um relatório recente do Instituto Oakland sobre o Quênia observou que,

O investimento estrangeiro direto (IED) no país cresceu de US$ 729 milhões para US$ 3,53 bilhões entre 2007 e 2013, o que proporcionou a rápida aquisição de terras do governo para vender para empresas estrangeiras, criando conflitos de terra e expulsando milhares de famílias de suas casas ancestrais.

A preocupação do Reverendo Robert Thomas Malthus era o exército de reserva — essa massa de pobres improdutivos, em grande parte urbanos, que não tem os meios para consumir “produtivamente” e que representa uma ameaça para o sistema se não for bem controlada. Malthus considerava que as massas de pobres urbanos em cidades inglesas, empregadas e desempregadas constituíam as “classes perigosas” — abomináveis em pobreza e criminalidade e propensas a explosões sociais imprevisíveis. Com isso em mente, Malthus formulou seu famoso aviso de que a reprodução humana inevitavelmente cresce a uma taxa geométrica, enquanto os recursos podem aumentar, ao máximo, aritmeticamente, o que leva inevitavelmente a uma colisão, a menos que medidas sejam tomadas para domar a capacidade de reprodução destas “classes perigosas”.

Desta forma, descobrimos que o “problema populacional” é um controle ideológico e social e não um problema demográfico vigente no capitalismo. Os temores de uma explosão demográfica entre os empobrecidos e oprimidos, resultantes da fecundidade e da migração, muitas vezes atribuídos a uma “mentalidade fraca”, ao atraso cultural ou à genética, levaram à proliferação de teorias, leis e medidas eugênicas. Tampouco essas ideias são relíquias de um passado distante, como demostram os incidentes recorrentes de abuso de esterilização dirigido a mulheres porto-riquenhas, mulheres guatemaltecas indígenas, homens e mulheres afro-americanos e outros grupos oprimidos. Mais recentemente, esta ideologia reapareceu em relatos de que um juiz do Tennessee ofereceu penas reduzidas para os presos que concordassem em fazer vasectomias e implantes de Nexplanon. Nos últimos anos, os nativistas também despejaram argumentos de superpopulação para justificar o controle da imigração. Para que não pensemos que esse raciocínio seja exagerado, cabe lembrar que uma lógica semelhante resultou na draconiana Lei da Imigração de 1924.

Dirigindo-se aos argumentos relacionados epistemologica e ideologicamente ao determinismo biológico, o biólogo Stephen Jay Gould ressaltou uma vez que,

Os mesmos argumentos ruins são repetidos a cada ano com uma regularidade previsível e deprimente. Essas recorrências não respondem a nada misterioso. Não são manifestações de alguma ciclicidade subjacente, obedecendo a uma lei natural que pode ser capturada em uma fórmula matemática tão conveniente quanto o QI; assim como esses episódios não se referem a qualquer novidade ou a algum ponto não discutido anteriormente. (“The Politics of Biological Determinism,” Rethinking Schools 14, no 2 [1999-2000])

Ao invés disso, Gould afirmou que a recorrência dessas ideologias tem caráter “sociopolítico” — elas “se correlacionam com episódios de ofensiva política, particularmente com campanhas para redução de gastos governamentais em programas sociais ou em tempos de medo entre elites governantes, quando grupos desfavorecidos semeiam sérias relações sociais ou até mesmo ameaçam tomar o poder”. Tal é a ameaça existencial que as crises ambientais atuais colocam à ordem capitalista.

Por outro lado, em um mundo regido por princípios de integração ecológica, bem-estar humano e democracia participativa — ao invés de um mundo regido pelo lucro, pelo desenvolvimento e pela “mão invisível” — os critérios da demografia podem sim ser significativos para o planejamento racional do uso e da conservação de recursos.

(Artigo publicado originalmente no MR Online. Tradução por Adria Meira)


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Pedro Micussi