Em defesa da vida, a extrema direita precisa ser derrotada
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Em defesa da vida, a extrema direita precisa ser derrotada

Ideologia segue viva e atuante no Brasil, EUA e nos grandes países da Europa

Luciana Genro 28 abr 2023, 09:01

Foto: Gage Skidmore/Wikimedia Commons

No Brasil e no mundo nós observamos a organização e o crescimento de uma extrema direita que surge e se consolida como uma alternativa à crise das democracias liberais. É assim que eles se apresentam, com uma roupagem antissistema, muito embora sejam a representação mais apodrecida do nosso sistema político e econômico.

No Brasil, tivemos essa experiência com o governo Bolsonaro. Nos Estados Unidos, foi o governo Trump. Ambos derrotados em países onde é muito raro que um presidente no exercício do mandato não consiga se reeleger.

Mas essa força política da extrema direita se expressa no mundo inteiro. Na Itália, com o governo da Giorgia Meloni, cujo partido Irmãos da Itália é descendente direto do partido fascista do Mussolini. A França viu o crescimento da Frente Nacional da Marine Le Pen, que foi ao segundo turno contra o Macron. Em Portugal, a extrema direita, com o partido Chega, tem a terceira maior bancada do Parlamento, e foram eles que fizeram aquele papelão ao tumultuar a fala do Lula. Até na Alemanha, tão firme em combater a extrema direita após o regime nazista, assistimos ao crescimento do partido Alternativa para Alemanha.

Na Europa e nos Estados Unidos um dos pontos centrais da extrema direita é o discurso anti-imigração, que mira em todos os povos do Sul global que precisam migrar em busca de melhores oportunidades ou para fugir de perseguições e guerras.

Aqui na América Latina a extrema direita também coloca a cabeça pra fora. Foram ao segundo turno no Chile, com o candidato Kast, derrotado por Boric. Estão no governo em El Salvador, onde o presidente Bukele se comporta como um ditador, controlando totalmente as instituições, inclusive a Suprema Corte. E estão tentando chegar ao poder na Argentina, com o discurso antipolítica do economista Javier Milei.

Já no Brasil, esse fenômeno da extrema direita se expressou no Bolsonaro, uma figura da baixa política, que passou a vida inteira como um inexpressivo deputado que ninguém levava a sério, que foi um mau militar, suspeito de planejar atentados a bomba, e que incrivelmente conseguiu se apresentar à população como algo contrário “a tudo que está aí”.

Mas para além do Bolsonaro, é preciso falar sobre a ideologia representada por ele, pois Bolsonaro foi derrotado – em uma eleição muito dura, por uma diferença muito apertada de votos -, mas a ideologia da extrema direita segue viva e atuante. E ela se agrega em torno de algumas pautas, que são as pautas que mobilizam a extrema direita no mundo inteiro e no Brasil especificamente. São elas:

  • O armamentismo, o apelo às armas, com suas consequências perversas na nossa sociedade. Um estudo do Instituto Sou da Paz aponta que em 2020 o país teve 17,2 mil internações devido a ferimentos causados por arma de fogo – o que gerou um custo de R$ 37,8 milhões ao SUS. E o Anuário Brasileiro de Segurança Pública informa que o Brasil tem 4,4 milhões de armas em acervos particulares. Só no governo Bolsonaro, mais de 40 atos foram publicados para flexibilizar a aquisição de armas no país. Os principais beneficiados foram os Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), com 673 mil registros em 2022 contra 515 mil em 2021.
  • O combate ao que eles chamam de “politicamente correto”, ou seja, o combate contra a ampliação dos direitos civis e das liberdades individuais, a oposição aos direitos das mulheres, dos indígenas, da negritude e da população LGBTI+. É o desejo de continuar fazendo piadas e discursos racistas, misóginas, LGBTfóbicas, como se a linguagem não tivesse nenhuma influência na violência que estes grupos vivenciam. E vejam que apesar desse verdadeiro mimimi que eles fazem contra os direitos humanos, essas lutas seguem avançando. Afinal a LGBTfobia foi criminalizada por decisão do STF em pleno governo Bolsonaro. A verdade é que a extrema direita de hoje é descendente direta dos mesmos que, no passado, eram contra a abolição da escravização, eram contra as mulheres terem direito a votar e serem votadas. Mas as mulheres não vão voltar para a cozinha, a não ser as que assim desejarem, a negritude não vai voltar para a senzala e as LGBTs não vão voltar para o armário.
  • O negacionismo científico, que vimos muito bem na pandemia, com os 700 mil mortos enquanto a extrema direita fazia propaganda de remédio pra vermes e pra malária para resolver o problema, sem comprovação científica, e ao mesmo tempo boicotaram a vacina, essa sim cientificamente comprovada e eficaz; E agora muitos não estão vacinando seus filhos contra o Covid, por achar que a vacina faz mal, quando o que mata é o vírus. Aliás, há pessoas se negando a vacinar seus filhos até para doenças que já haviam sido erradicadas no país.
  • O negacionismo climático, que não reconhece o problema do aquecimento global e refuta qualquer política de preservação do meio ambiente, e neste sentido a extrema direita é uma ameaça ao planeta e vai na contramão até das práticas capitalistas mais avançadas, que já reconhecem a necessidade de se preservar o meio ambiente inclusive, ainda que esse discurso seja feito com vistas a ganhos econômicos.
  • O ataque aos jornalistas e ao jornalismo profissional, afinal para a extrema direita os veículos de mídia seriam dominados pela esquerda, uma narrativa fantasiosa que não para em pé, para eles a única informação válida é aquela publicada pelos sites de fake news que eles organizam. Os ataques a jornalistas no Brasil cresceram 23% em 2022 na comparação com 2021, segundo levantamento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). A entidade identificou o envolvimento de membros da família Bolsonaro em 41,6% dos casos e registrou aumento no número de episódios considerados graves.
  • O ataque às universidades, que é um ataque ao conhecimento e à ciência. E vimos o governo Bolsonaro deixar as universidades federais à míngua, cortando recursos e nomeando reitores interventores, alinhados à extrema direita, desrespeitando a democracia e autonomia acadêmicas.

Todas essas pautas são condensadas em discursos de ódio divulgados no esgoto da internet. Seja o esgoto subterrâneo, a deep web, seja o esgoto a céu aberto, que são as redes que todos nós usamos, como o Twitter, o Facebook, o Instagram e o TikTok. É por isso que a extrema direita é contra o projeto de lei que busca combater esses crimes na internet, porque são crimes que eles mesmos cometem todos os dias. De acordo com a ONG Safernet, em 2022 foram registrados 74 mil crimes de ódio praticados virtualmente, contra 44 mil em 2021.

Embora as figuras públicas da extrema direita não se digam nazistas ou fascistas, até pq é crime, na prática o seu discurso é o mesmo. Tanto é que vivenciamos no Brasil durante e após a passagem da extrema direita pelo governo o aumento dos casos de neonazismo no país. Dados da Polícia Civil gaúcha informam que o número de ocorrências relacionadas a nazismo no Rio Grande do Sul passaram de 7, em 2019, para 41, em 2022. Neste ano já são 27 casos.

As células neonazistas no país passaram de 75 para 530 de 2015 a 2021. Em 2015, foram 1.282 denúncias de conteúdo neonazista nas redes, ante 9.004 em 2020 — um crescimento de mais de 600%. Só em 2020, 1.659 páginas neonazistas foram derrubadas nas redes, graças às denúncias. O número de inquéritos da Polícia Federal que investigam o crime de apologia do nazismo passou de 6, em 2015, para 110 em 2020. Só de 2019 a 2020, o crescimento das investigações desse tipo de crime foi de 59%.

O Brasil teve a maior filial do Partido Nazista fora da Alemanha, entre 1928 e 1938. Esta organização genocida estava presente em 17 estados, com 57 núcleos organizados e cerca de 3 mil membros. Ainda hoje tem gente que sonha com a volta deste horror, há poucos dias a polícia desmantelou a reunião de uma organização neonazista em Santa Catarina.

No município gaúcho de Maquiné a polícia prendeu um jovem que iria praticar atentado em sua escola e sua casa estava repleta de materiais nazistas. Bandeira nazista, quadro com pintura do Hitler, livros de apologia ao nazismo. Até os pais dele foram presos, pois também estão sendo investigados por estimular essa ideologia nazista em seu filho.

O resultado disso tudo é o aumento da violência, inclusive nas escolas. De 2011 até este ano, 52 pessoas foram assassinadas em ataques a escolas no Brasil, sendo 7 em 2022. No período entre setembro de 2022 e abril de 2023 foram cinco ataques fatais. Esses ataques estão diretamente ligados a um discurso de ódio, masculinista, misógino, racista, contra as mulheres, contra os negros, contra as LGBTs.

Para especialistas no tema, há um “rito de crime”, observado nos atentados a escolas, onde as motivações são as mesmas: o extremismo. Em comum, foram identificados fatores como a glorificação do atacante por uma comunidade mergulhada em sua visão deformada de mundo.

Coibir o extremismo de direita e fazer com que os jovens deixem de ser o instrumento dessa ideologia é uma forma de previnir os atentados. Os jovens que estão promovendo estes atentados são apreendidos com materiais nazistas e fascistas.

O que está acontecendo é que os jovens estão sendo recrutados por uma ideologia de extrema direita para se tornarem agentes de violência contra a sociedade por meio das escolas. Quem afirma isso é o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP, que elaborou o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”.

Os especialistas apontam que o perfil dos jovens que cometem ataques tem muito em comum: na maioria das vezes são de classe média baixa, sofrem bulliyng, têm famílias problemáticas, se sentem rejeitados e isolados. São jovens que, ao demonstrar ódio da sociedade, sofrimento e até mesmo intenções suicidas, acabam de tornando alvo de organizações de extrema direita e sentem-se pertencentes a um grupo de cidadãos iluminados, superiores. Este ódio é, então, direcionado a quem essa juventude identifica como os culpados por seu sofrimento: a escola e seus integrantes.

Então todos esses elementos compõem a ameaça que a extrema direita representa à vida. E a melhor forma de combater esta ameaça, no Brasil, é seguir a luta para que os problemas reais da maioria da população sejam resolvidos.

O povo precisa de um salário mínimo digno, uma saúde pública de qualidade, emprego decente, creches, escolas de qualidade, aposentadoria que faça frente às necessidades das pessoas idosas. Para isso o Brasil não pode seguir submetido ao sistema financeiro, pagando a maior taxa de juros do mundo e destinando 46% do orçamento público para pagar juros. O novo arcabouço fiscal proposto pelo governo não mexe neste problema, ao contrário, propõe metas que podem levar a mais cortes nos investimentos em saúde e educação. Não podemos seguir com este sistema tributário regressivo, que cobra altos impostos da classe trabalhadora e dos mais pobres e alivia para os grandes especuladores, bilionários e banqueiros. Não podemos seguir com um modelo político no qual o povo é enganado nas eleições com promessas de paraíso e depois é chamado a pagar a conta da crise. Precisamos de democracia real.

Se o governo Lula não enfrentar este sistema, o risco que corremos é que o mesmo Jair Messias Bolsonaro ou um novo “messias” da extrema direita apareça dizendo que é contra “tudo que está aí” e ganhe o povo para uma nova aventura da extrema direita. O PSOL vai lutar para que possamos virar esta página definitivamente, e que as forças vivas da sociedade, a classe trabalhadora, as mulheres, a negritude, as LGBTS, tomem as rédeas da política em suas mãos e façam a mudança acontecer.


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