Paraguai | Entrevista com Asunción Collante
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Paraguai | Entrevista com Asunción Collante

Luciano Palagano e Leandro Fontes entrevistam a militante e pesquisadora feminista paraguaia Asunción Collante

Entrevista realizada por Leandro Fontes, colunista da Revista Movimento, e Luciano Palagano, enviado para o Paraguai durante as últimas eleições do país, com a militante e pesquisadora feminista Asunción Collante.


Luciano Palagano: Olá Asunción, sou Luciano, tesoureiro do PSOL Paraná, e estive acompanhando as eleições do Paraguai com camaradas da Convergência, e nesses dias percebi como a política do Paraguai é fechada em relação à informações. Aqui no Brasil é muito difícil entender o contexto da política paraguaia porque não temos informação, nem na mídia, nem nas redes, então esse diálogo é para que possamos entender melhor o contexto da política paraguaia e da esquerda paraguaia.

Leandro Fontes: Eu sou Leandro, membro da Coordenação Nacional do MES/PSOL e também estou acompanhando a situação paraguaia com os companheiros do Paraná.

Asunción Collante: Obrigado pelo convite companheiros. Eu gostaria primeiro de me apresentar, sou comunicadora e pesquisadora de temas de gênero aqui no Paraguai. Em 2015, estive no Brasil acompanhando o acampamento do Juntos! no Rio de Janeiro, onde conheci Pedro Fuentes, Israel Dutra e muitos outros. Foi nosso primeiro contato internacionalista e aí mantemos contato com companheiros do Brasil até hoje. Atualmente não estou mais militando em um espaço propriamente partidário e me dedicando mais à área acadêmica, principalmente como pesquisadora feminista e impulsionando esta pauta em outros espaços que participo.

Leandro: Na sua avaliação, o que as urnas expressaram na eleição paraguaia? Poderia ter sido diferente? Se sim, porque?

Asunción: Eu creio que as urnas expressaram a vitória enorme do Partido Colorado. Porque foi uma diferença gigante do Partido Colorado, que recebeu 43% contra 26%, mais ou menos, da Concertação. Fazia muito tempo que não havia uma diferença dessas, e o resultado não poderia ter sido diferente. Até uns dias antes das eleições, a opinião pública não poderia assegurar quem seria o vencedor, mas surpreendente foi pela construção que se deu com os candidatos do Partido Colorado, Santiago Peña contra a dupla Efrahím Alegre e Soledad Nuñez. Houveram muitos pontos contra a chapa de Efrahím e Soledad, então se podia até ver que o Partido Colorado ia ganhar, mas não com essa diferença, e muitos dos votos que o partido recebeu foram votos não-Colorados.

Leandro: E porque eles receberam votos de fora do partido?

Asunción: Porque as figuras da oposição não convenceram, as pessoas tradicionalmente votaram por seus partidos, mas houve pessoas de fora que não estiveram atraídas pela Concertação.

Entrevista com Asunción Collante

Luciano: Como você analisa a hegemonia do Partido Colorado?

Asunción: Eu acho que o Partido Colorado se consolidou e manteve sua identidade, coisa que a oposição não fez. Por isso que a Concertação, de Efrahím do Partido Liberal e de Soledad, que foi ministra de Horácio Cartes, não conseguiu superar os Colorados e o partido consolidou o resultado. Até o dia das eleições, os próprios operados políticos do Partido Colorado estavam indecisos sobre o resultado, e agora mesmo na atualidade estão buscando uma unidade nos Colorados. Porque existe uma divisão entre o setor do presidente Mario Abdo e o Cartismo. Não sei se vocês sabem, mas Abdo não fez muita campanha a favor de Peña para as eleições e no dia depois das eleições não o felicitou pela vitória. Então existe uma diferença entre os dois que são do mesmo partido.

Leandro: E como a máquina do partido influencia vitórias desse tipo?

Asunción: Ao final da ditadura de Stroessner, após 35 anos de ditadura, com a convocação de eleições e retorno à democracia em 1992, houve uma mudança de pessoas, mas não de estrutura, então se manteve um estado clientelista que se torna também um estado que funciona dessa maneira até hoje. Os votos dos Colorados são dessa máquina, dessa compra de votos. Aqui no Paraguai, o Partido Colorado sem seccionais em cada bairro, coisa que a oposição e a esquerda não tem, e ali eles “presenteiam” pessoas durante as eleições para mantera hegemonia do partido. Hoje eles voltaram a ter maioria parlamentar em ambas as Câmaras, então o Executivo e o Legislativo hoje estão com os Colorados devido à esta estrutura, mas também devido à indicação de pessoas para postos públicos. O funcionalismo paraguaio é majoritariamente Colorado, os grandes sindicatos são Colorados, e isto influencia a eleição.

Luciano: Quando eu estive no Paraguai ouvi alguns relatos de diferenças de tratamento entre os “brasiguaios” e os paraguaios no governo, onde os exportadores brasileiros teriam mais vantagens dadas pelo governo. Você poderia dizer qual é a relação do governo com o agronegócio brasileiro?

Asunción: A oligarquia e a burguesia paraguaia estão cooptadas por empresários brasileiros, mas que estão há anos no Paraguai e construíram empresas, famílias, tiveram filho paraguaios. E o que como a economia paraguaia é a industria agrícola e do gado, a soja e a carne, e existe uma relação muito próxima entre o Partido Colorado e outros partidos de direita, como o Pátria Querida, com a elite empresarial do agronegócio. Como disse antes, temos um estado extrativista que permite que empresários extraiam tudo que possam do PAraguai e não haja retorno para o povo porque inclusive eles diminuem impostos para os empresários. E isso reforça o mito de somos uma colônia do Brasil porque somos um país com uma democracia débil, com instituições débeis, e isso facilitar para estes empresários virem ao país.

Leandro: Paraguayo Cubas é, muitas vezes, comparado à Bolsonaro. Como você avalia essa comparação? Ele seria um “Bolsonaro” do Paraguai? Se sim, por qual razão?

Asunción: Vejo que ele é similar a Bolsonaro, pelo pouco que conheço. É similar porque está sempre contra o regime político. Pelo que sei, Bolsonaro não é anti-sistema, e mesmo Cubas muda muito então é difícil até caracterizar sua ideologia para fazer uma comparação, mas esta construção antissistema, anticorrupção, etc, pode se transformar numa ditadura onde somente seu lado é válido. E o voto nele foi um catalisador do voto de protesto, das pessoas que não confiam nos partidos tradicionais e muito menos na esquerda. Mas ele não tem ainda propostas evidentes, então nesse sentido não vejo ele tão parecido com Bolsonaro nesse sentido.

Luciano: Para mim, classificaram Cubas como um camaleão, que fala sempre o que o público da vez que ouvir, e como um polemista. A minha dúvida é se, como Bolsonaro que também se construiu dessa maneira, você avalia que Cubas poderia ser absorvido pelos Colorados?

Asunción: Cubas foi senador, foi o único eleito de sua bancada, e foi retirado do cargo por vários incidentes que teve justamente com membros dos Colorados. É também uma pessoa muito explosiva, ele tinha como símbolo um garrote e dizia que ia bater nos corruptos. Após sua expulsão do parlamento ele ficou um pouco apagado, mas fez campanha entre paraguaios no exterior, e agora é incerto como vão ser os movimentos no congresso. O partido de Cubas fez 5 senadores enquanto a esquerda fez só um, em um contexto de domínio dos Colorados, então eu acho que os discursos podem se cruzar em algum momento, mas existe também uma pressão de denúncia de fraude do partido Colorado, o que os afasta.

Leandro: Qual seria a base social da extrema direita paraguaia? Em que setor da população ela tem mais apoio?

Asunción: Principalmente no setor empresarial agropecuário, latifundiários e similares. Como falei antes, a maioria do nosso PIB vem do agronegócio e este setor tende a apoiar a extrema direita. E, na população em geral, o apoio vêm de setores contra movimentos por direitos que se desenvolveram no país e na região recentemente, como pela educação sexual integral, ou pelo tema do aborto. Esses políticos, por exemplo, criticaram um convênio do país com a União Europeia dizendo que o Paraguai não é uma colônia, que somos um país “pró-vida”, que no Paraguai as famílias são compostas de pais, mães e filhos e estas intervenções estrangeiras não teriam espaço. Esse discurso anti-direitos carrega uma linguagem simplista que que chega nos pobre e camponeses e fortalece a direita e o grupo de Cubas.

Fila em seção eleitoral paraguaia

Luciano: Após o resultado das urnas, na sua avaliação ainda restou algum lugar para a Concertación Nacional e a centro-direita na política paraguaia?

Asunción: A Concertação se desintegrou, na última semana saíram vários líderes. Um fato importante sobre a derrota da Concertação no parlamento é que saíam em várias listas, então gerou uma grande confusão no eleitor porque o Partido Colorado tinha todos os parlamentares na mesma lista. Então muito dirigentes disseram que a Concertação perdeu por culpa de Efrahím, mas também porque não se afirmou uma identidade com fizeram os Colorados. Aqueles que se mantém na Concertação armam o discurso de que houve fraude, mas eles realmente não conseguiram marcar seu programa, fazê-lo chegar ao povo. E existe também um problema para o Partido Liberal porque, caso ele não se renove, pode inclusive desaparecer.

Leandro: E quem ganha mais com o discurso de fraude?

Asunción: Para responder isso eu vou tocar num fato anterior. Existe no Paraguai um sistema de urnas eletrônicas que também foram usadas na Argentina há alguns anos e que já foi comprovado que podem ser fraudadas, então o tribunal eleitoral fez toda a auditoria com os partidos. Mas antes das eleições, Cubas pediu a suspensão das eleições dizendo que havia falha na segurança mesmo sem evidências, mas após as eleições armaram o discurso de fraude e agora estão pedindo a verificação desse sistema para questionar o processo e tentar a impugnação das eleições. Mas o tribunal eleitoral não aceitou qualquer tipo de recontagem. Cubas hoje está preso pelos protestos que convocou e até o momento não sabemos quais vão ser seus próximos passos.

Luciano: O golpe parlamentar que derrubou Fernando Lugo foi um duro revés para a esquerda no Paraguai. Na sua opinião, a esquerda tem conseguido se recuperar? Ou o campo progressista só tem perdido força social e política desde então?

Asunción: Eu acho que não conseguiu se recuperar. A esquerda se fragmentou e não soube construir identidade própria. A esquerda tem só um assento no Senado, contra cinco ou seis que tivemos em outras eleições. Então é muito difícil pautar leis no parlamento, colocar políticas públicas, etc. O campo combativo social e político continua atuante, mas houve um problema após o acidente de Lugo porque desde então ele está numa situação complicada de saúde e não se pronunciou mais. Então um setor da esquerda foi com Efrahím e outro, o da Frente Guasu, iniciaram uma disputa pelo apoio de Lugo que foi inconclusivo. Então, desde então não se construiu uma aliança similar que permitiu aquela vitória.

Leandro: E quais caminhos a esquerda paraguaia deve trilhar para influenciar setores de massas?

Asunción: Primeiro reforçando a comunicação, mas principalmente se aproximando de setores populares. A esquerda no Paraguai, ou o que se chama de esquerda aqui, é uma esquerda elitista. Por isso os candidatos da Frente Guasú não foram eleitos, são sempre os mesmos rostos, os mesmos personagens, e não existe renovação. Também há uma fragmentação muito grande sobre o que é ser de esquerda no Paraguai, então muitos setores vão construir movimentos sociais ao invés de partidos, mas esses movimentos não catalisam o aspecto político. Eu não digo que os partidos de esquerda vão desaparecer, mas é muito importante que a esquerda busque os votos da classe trabalhadora que hoje votou pelos Colorados e por Cubas. Não se pode chegar no trabalhadores somente de cinco em cinco anos e ficar em suas bolhas o resto do tempo. Eu também não considero que exista uma esquerda radical no Paraguai, existe sim uma esquerda moderada e movimentos de esquerda, então estas posições mais radicais são catalisadas mais por movimentos do que por instrumentos políticos.

Luciano: Por último, mas não menos importante, como que a relação internacionalista entre brasileiros e paraguaios pode contribuir para os desafios impostos pela luta social no Paraguai?

Asunción: Como eu disse antes: desde a minha última visita ao Brasil, o que mais me surpreendeu, no Juntos! sobretudo, é a compreensão sobre a necessidade da organização e da importância de estar em um partido político. Essa é uma grande contribuição que vocês podem nos dar porque as esquerdas por aqui são muito sectárias, seguimos no mesmo debate da Guerra Fria e é muito difícil construir espaços com pessoas que tenham a visão lulista, kirchnerista, etc, porque quando se colocam as críticas fica impossível qualquer unidade. Outro fator é que na esquerda paraguaia sempre há uma postura de rechaçar as experiências populares que levam os eleitores a votar em Cuba, se colocando em uma posição superior perante o povo. Eu vejo que não é nada correto subestimar a classe que não está organizada


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Pedro Micussi