Apresentação da Revista Movimento n. 1
“Movimento – Crítica, Teoria e Ação” é uma publicação nova, que no entanto parte de antigos alicerces, fundações teóricas e intervenção prática.
Iniciamos, com esse modesto número que os leitores tem em suas mãos, um projeto há muito esperado. Movimento – Crítica, Teoria e Ação é uma publicação nova, que no entanto parte de antigos alicerces, fundações teóricas e intervenção prática. Será uma revista teórico-política para a elaboração e o debate marxista, cujo interesse é contribuir com a formação teórica e com a intervenção prática de militantes socialistas.
Partimos de uma constatação. O novo período aberto no Brasil após junho de 2013 apresenta à esquerda socialista grandes desafios e oportunidades. Uma nova geração coloca-se em movimento, reivindicando direitos e dando novo significado à ação social e política num contexto de crise econômica internacional, descrédito e desmonte do regime político brasileiro, seus principais atores e instituições. Há uma busca generalizada não apenas por uma alternativa política para o povo, a juventude e os trabalhadores, como também, requisito para a última, por referenciais que permitam elucidar os grandes dilemas do período. É preciso encontrar – ou, melhor ainda, construir – uma bússola que nos permita navegar pelo agitado “mar da história”, sobre o já nos falava Vladimir Maiacovski um século atrás. Outros antes de nós tomaram para si tais tarefas. Estas são as bagagens que precisamos levar em nossa viagem, sem, contudo, agarrar-nos à certeza de que velhos mapas poderão levar a melhores caminhos.
Movimento é uma revista marxista, que pretende resgatar no diálogo com nossa tradição a melhor maneira de formular os problemas e soluções do presente e do futuro. Será, também, uma revista com postura editorial aberta a novas questões e tarefas. Por isso, queremos com ela construir um espaço de debate, com interesse prioritário na intervenção política e na luta de classes.
A presente publicação foi concebida e organizada pela Coordenação Nacional do Movimento Esquerda Socialista (MES), corrente trotskista fundadora e construtora do PSOL, que mantém diálogo com seus partidos-irmãos e parceiros na América Latina e no mundo. Nossa publicação dará espaço privilegiado para o internacionalismo e para o debate com estes camaradas. Também possibilitará registrar as posições de nossa corrente sobre a luta de classes no Brasil e sobre as possibilidades e desafios do PSOL. Pretendemos, com esse novo projeto, dar densidade a nossas elaborações, até aqui muito pulverizadas em publicações sem periodicidade ou em meios virtuais, e apresentar a um setor mais amplo nossa estratégia.
No entanto, pretende-se fazer aqui não apenas mais uma revista “de corrente” para alimentar a militância, ainda que este seja um de nossos principais objetivos. Nosso maior interesse é o de ampliar vínculos e debates, convidando companheiros de outras tradições, intelectuais com quem dialogamos cotidianamente, ativistas dos movimentos sociais, dirigentes socialistas e parceiros que possam contribuir, com suas reflexões, para os debates que aqui se realizarão. Sem a necessidade da concordância total de posições, mas com o convite aberto ao diálogo, é possível aprender e avançar muito. Esperamos, aliás, que este número de inauguração seja um exemplo disso.
A princípio, este é um projeto de revista trimestral, que acompanhe as estações do ano e, sobretudo, a temperatura variável da luta de classes no Brasil e no mundo. A publicação está a cargo de Roberto Robaina e Etevaldo Teixeira, como editores, e, como diretor, de quem assina esta apresentação, cuja tarefa é receber, organizar e selecionar os materiais. O lindo projeto gráfico e a diagramação da revista, que esperamos todos os leitores desfrutem, ficaram a cargo da sempre talentosa Adria Meira. Sem dúvida, essa iniciativa só será bem-sucedida caso contemos com as ideias e o auxílio de nossos camaradas e parceiros. Desse modo, queremos que Movimento contribua para a ampliação de nossos esforços de propaganda e divulgação de ideias.
Esperamos que o conteúdo das páginas a seguir exemplifique o que dissemos acima. Abrimos o primeiro número de Movimento com cinco textos sobre a crise em curso no Brasil, seus sentidos e possíveis desdobramentos.
O artigo de Vladimir Safatle, fruto de sua intervenção no Seminário Internacional da Fundação Lauro Campos, realizado no Fórum Social Temático em janeiro de 2016 em Porto Alegre, apresenta como tarefa fundamental para a reorganização da esquerda brasileira o rechaço ao medo como afeto político, num período em que uma polarização, no mais das vezes despida de conteúdo programático, toma o debate no país. Safatle, que foi talvez o primeiro a ressaltar em seus artigos que a crise em curso demonstra a falência da Nova República, aprofunda em sua exposição tal conclusão.
Roberto Robaina assina artigo em que esmiúça a derrocada do PT e do governo Dilma, a crise do regime político, as tarefas para a (re)construção de uma esquerda anticapitalista autêntica no Brasil e as possibilidades abertas para a construção de um novo polo político nas lutas e já nas eleições municipais de 2016.
Luciana Genro assina documento com as principais orientações e diretrizes programáticas para a campanha municipal de Porto Alegre em 2016. Trata-se de uma grande possibilidade de disputa de um projeto socialista em nível municipal e de uma vitrine nacional para o PSOL: Luciana pode encabeçar um movimento de participação do povo pelas mudanças necessárias, colocando esta cidade do sul que já foi norte para os movimentos sociais de todo o mundo durante a fase áurea dos Fóruns Sociais Mundiais no mapa de cidades rebeldes como a Barcelona do movimento antiausetridade, que levou Ada Colau, ativista contra o estrangulamento pelas hipotecas, à prefeitura e ao centro dos acontecimentos daquele país.
Na sequência, publicamos reflexão de Serge Goulart, dirigente da Esquerda Marxista, sobre o processo de impeachment em curso no Brasil. Consideramos suas reflexões muito importantes, em particular ao dissecar o caráter de “guerra de camarilhas” da atual situação, ao mesmo tempo em que o aparato petista tenta impedir qualquer mobilização independente da classe trabalhadora através do amálgama falso de defesa do “Estado Democrático de Direito” contra um “golpe”. Ainda que não concordemos com a posição desta corrente de participar de atos do governismo, consideramos a leitura do texto do camarada Serge fundamental para bem caracterizar a atual crise em curso no país. Temos acompanhado e apoiado, aliás, com muito entusiasmo, a disposição da Esquerda Marxista, organização internacionalista referenciada na tendência trotskista internacional CMI, de aproximar-se e ingressar no PSOL. A conclusão deste processo só fará fortalecer nosso partido num momento em que é preciso, mais do que nunca, levantar uma alternativa à falência petista e à manobra reacionária do impeachment.
A seção nacional também reproduz artigo de Charles Rosa, militante da regional paulista do MES, em que polemiza com as posições de Frederico de Almeida, cientista político da Unicamp, a respeito da existência de um “golpe” no Brasil. Seu texto é agudo na demonstração, com densidade de fontes, de que a agitação ao redor da defesa das instituições burguesas no país termina convertendo-se num verniz da defesa de um governo cuja política é a capitulação permanente à direita e a execução de um ajuste contra os direitos do povo e as liberdades democráticas.
A edição não trata apenas, no entanto, de debates nacionais. A seção internacional traz rico artigo de Pedro Fuentes sobre o movimento ao redor da campanha de Bernie Sanders nos Estados Unidos, atualizando um importante debate em andamento na esquerda mundial. A campanha de Sanders mostra como a crise instalou-se no coração da maior potência imperialista do planeta e trouxe profundo desconcerto em seu regime político, com consequências fundamentais para a América Latina e o mundo, o que nos exige acompanhar no detalhe tal processo e as possibilidades abertas com uma campanha que dialoga com o melhor dos movimentos surgidos nesse país desde o profundo questionamento trazido pelo Occupy Wall Street.
Na sequência, Pierre Rousset, dirigente da IV Internacional, reflete as recentes discussões no Comitê Internacional da organização, reunido no início de março, sobre os atuais contornos do imperialismo. Este interessante artigo não apenas retoma o debate teórico a respeito do conceito, como mobiliza dados e caracterizações sobre a situação de diversos países. Sem a pretensão de esgotar debate ainda em andamento, o texto ajuda a levantar importantes questões que merecem ser debatidas num período de grande instabilidade na situação mundial.
Como parte de atividade internacionalista por ele realizada no Curdistão – cujo povo é vanguarda do enfrentamento à barbárie do Estado Islâmico e à intervenção de diversos imperialismos e interesses internacionais –, Frederico Henriques reflete sobre a luta histórica dos curdos e suas transformações a partir da Primavera Árabe e da rebelião contra Bashar Assad.
Num encerramento em grande estilo, o professor da USP Henrique Carneiro assina artigo na seção “Depoimento”, com um rico relato de tintas autobiográficas a respeito da luta antiproibicionista no Brasil e sua necessária, mas nem sempre harmônica, relação com a esquerda. Henrique é um grande historiador, militante socialista há décadas e pioneiro da luta pela legalização das drogas, o que torna seu depoimento um dos pontos altos e um orgulho para nós nesta publicação de inauguração.
A seção de “Documentos”, ao final da revista, reproduz resolução do Secretariado Nacional do MES publicada originalmente em 8 de março de 2016. Com uma situação política tão rapidamente movediça, é evidente que algumas elaborações do calor do momento podem desatualizar-se. No entanto, consideramos que a resolução traz balizas fundamentais: o diagnóstico sobre as crises econômica e do regime político, e a necessidade de construção de uma alternativa popular, socialista e dos trabalhadores frente à falência petista. Além disso, também reproduzimos artigo de Vladimir Safatle publicado originalmente na imprensa em 8 de abril, com o debate sobre o impeachment cada vez mais quente, defendendo a convocação de eleições gerais como forma de devolver ao povo a decisão sobre os rumos do país.
Na esperança de que esta breve apresentação tenha estimulado o interesse pelo que virá a seguir, e já ansioso por nossos próximos números, reconheço que aqui já temos o suficiente e podemos ir direto ao que importa. Menos é mais: boa leitura!