O que Bolsonaro pensa sobre a Amazônia?
O que a passagem do deputado pela região revela sobre suas concepções sobre a formação da nação e o lugar da Amazônia neste processo?
A passagem do deputado Bolsonaro por Manaus é oportunidade para refletirmos sobre o conteúdo dos pronunciamentos deste que se referem à Amazônia. Vamos encontrar aí um amálgama de velhos constructos de colonizador, de metrópole, de quem se percebe no centro econômico e político, que inventam e reinventam a região e a gente que nela vive.
A Amazônia ainda é concebida como terras do sem fim que, nas cartilhas emboloradas de uma geopolítica do tempo da Guerra Fria que servem de fundamento para o deputado, é sintetizada pela ideia de “vazio”. Incrível que, após décadas de estudos antropológicos, de pesquisas em etnoecologia da paisagem, socioambientais etc. o discurso militarista ultrapassado ainda se ancore nesta noção para fundamentar seus espasmos ideológicos sobre o lugar da região no conjunto do Brasil!
Um aspecto que ressalta do exercício pobre de economia política de Bolsonaro, é aquele que reduz a Amazônia a uma grande reserva de minérios que desperta a cobiça internacional e coloca em cheque a soberania da nação. Em tal matéria, a alusão à soberania é uma cortina de fumaça para uma disposição subalterna no concerto das relações econômicas internacionais: “temos que nos aproximar de países democráticos e de poderio nuclear e influência no mundo, para poder explorar em parceria essa região”, afirmou em recente entrevista. Seus discurso, pois, sobre soberania é, ao fim e ao cabo, sem autodeterminação da nação.
Convém, todavia, lembrar que este discurso de Bolsonaro bebe na fonte de velha concepção de formação econômica da nação que sempre destinou à região amazônica o lugar de estoque de matéria-prima ou de acumulação de primitiva de capital. E o deputado não está só na defesa contemporânea desta velha lógica. As elites econômicas, políticas e intelectuais, nutrem ciosamente a mesma perspectiva. Parlamentares da Amazônia de diferentes partidos políticos (DEM, PR, PMDB, PT, só para citar alguns) formam uma frente que defende sistematicamente a revisão de demarcação de terras indígenas, de áreas protegidas e protocolos ambientais para favorecem a exploração de reservas minerais. É assim que Bolsonaro pode afirmar: “Eu tenho falado que um povo que tem uma terra como essa aí não pode ser pobre”.
“Povo” e “pobreza” em enunciados sobre a Amazônia e a redenção econômica da sociedade brasileira, são apenas recursos retóricos na boca de Bolsonaro. A gente que vive na Amazônia é o obstáculo à exploração da região. Se, na Ditadura Militar o elemento indígena era visto como agente de subversão, pois não se deixava sequestrar pela lógica da apropriação privada da relação com a terra, com o ambiente, na invenção atual realizada pelo deputado, o indígena é taquigrafado como “massa de manobra” de ONGs ambientalistas, de movimentos indigenistas e similares, e que um possível governo seu promoverá a redenção. O indígena é o obstáculo entre as reservas minerais e a empresa exploradora: onde há terra indígena demarcada, há um impedimento ao acesso à riqueza. Pode-se inferir, assim, quem serão os alvos quando disse, em Manaus, que tem a intenção de “dar carta branca para policial matar”, pois é a gente de marcados traços indígenas que tem sido morta em chacinas na periferia da capital do Amazonas.
Não há nenhuma novidade nos argumentos de Bolsonaro em relação à Amazônia. Dos primeiros cronistas que por ela passaram, no início da Colonização, até o deputado que se inventou como candidato à Presidência da República, a Amazônia só cabe como lugar periférico e de gente que só pode ser aceita em condição subalternizada. Por fim, o que se tem, efetivamente, nessa concepção dualista é uma nação que ficou pela metade, cujo destino permanece atrelado a uma sinistra dupla determinação: não ter autodeterminação no conjunto do desenvolvimento capitalista mundial e cultivar um ódio-pânico de índios, negros, caboclos e demais subalternos da sociedade brasileira.
Com Bolsonaro não há Amazônia e nem uma nação. Da indigência intelectual deste tipo de discurso político, só ficamos com a desertificação do real.