Geopolítica do século XXI: fluidez em todas as partes

O sociólogo analisa o contexto geopolítico internacional e as incertezas suscitadas pelo rearranjo do sistema-mundo.

Immanuel Wallerstein 1 mar 2018, 14:53

A arena mais fluida no sistema-mundo moderno, que está em crise estrutural, é possivelmente a arena geopolítica. Nenhum país chega, nem de perto, a dominar esta arena. O último poder hegemônico, Estados Unidos, atuou durante muito tempo como um gigante indefeso. Pode destruir, porém não controlar a situação. Ainda proclama regras esperando que o resto [dos países] as cumpram, mas pode ser e é ignorado.

Agora há uma ampla lista de países que atuam segundo sua conveniência, apesar das pressões de outros países para que atuem em tal ou qual sentido. Um rápido olhar para a situação do mundo confirmará sem dificuldade a incapacidade dos EUA para conseguir o que se pretende.

Os dois países, além dos Estados Unidos, que dispõem de um forte poderio militar são a Rússia e a China. Em seu momento, tiveram que se mover com cuidado para evitar a reprimenda dos Estados Unidos. A retórica da guerra fria descreveu dois campos geopolíticos em concorrência. A realidade era diferente. Em realidade, a retórica mascarava a eficácia relativa da hegemonia estadunidense.

Agora é praticamente o inverso. Estados Unidos tem que se mover com prudência em relação à Rússia e China, com o fim de evitar perder toda capacidade de obter sua cooperação nas prioridade geopolíticas dos Estados Unidos.

Observe-se a seguir os chamados aliados mais fortes dos Estados Unidos. Podemos discutir sobre qual é o aliado mais próximo, ou sobre quem tem sido isso durante muito tempo. Pode-se escolher entre Grã-Bretanha e Israel ou inclusive, diriam alguns, Arábia Saudita. Também pode-se fazer uma lista de antigos sócios confiáveis dos Estados Unidos: Japão e Coreia do Sul, Canadá, Brasil e Alemanha. Qualificá-los como os segundos.

Fixemo-nos agora no comportamento de todos estes países nos últimos vinte anos. Digo vinte porque a nova realidade é anterior ao regime de Donald Trump, ainda que indubitavelmente ele piorou a capacidade dos Estados Unidos de atingir seus objetivos.

Tomemos a situação na península da Coreia. Estados Unidos quer que Coreia do Norte renuncie às armas nucleares. Este é um objetivo que Estados repete regularmente. É certo que o fez quando Bush e Obama foram presidentes. E continua sendo certo com Trump. A diferença é o modo de tratar de conseguir esta meta. Antes, as atuações dos Estados Unidos acrescentavam certo nível de diplomacia às sanções. Isso refletia a compreensão de que demasiadas ameaças públicas por parte dos Estados Unidos eram contraproducentes. Trump acredita no contrário. Ele vê as ameaças públicas como a arma básica de seu arsenal.

No entanto, Trump tem dias diferentes. No primeiro dia, ameaça a Coreia do Norte com a devastação. Mas no dia seguinte se dirige com prioridade ao Japão e Coreia do Sul. Trump acusa-os de outorgarem um apoio financeiro insuficiente para cobrir os gastos derivados da presença militar permanente dos EUA na zona. Então, no vaivém de uma posição para outra, nem Japão nem Coreia do Sul têm a sensação de estar protegidos de forma segura.

Japão e Coreia do Sul fizeram frente a seus temores e incertezas de forma díspar. O atual governo japonês busca afiançar as garantias dos Estados Unidos oferecendo um apoio público total às (cambiantes) táticas estadunidenses. Desse modo, espera comprazer o suficiente os Estados Unidos para que o Japão receba as garantias que deseja. O atual regime de Coreia do Sul desenvolve uma tática bem diferente. Persegue, de forma aberta, relações diplomáticas mais estreitas com a Coreia do Norte, muito contra os desejos dos Estados Unidos. Desse modo, espera satisfazer suficientemente ao governo do Coreia do Norte a fim de que este responda aceitando não intensificar o conflito.

Não está claro que algum destes enfoques táticos vá servir para endereçar a posição dos EUA. O que é seguro é que os Estados Unidos não está no mando. Tanto Japão como Coreia do Sul buscam disfarçadamente dispor de armas nucleares para fortalecer sua posição, já que desconhecem o que possa resolver os Estados Unidos no futuro. A fluidez da posição dos Estados Unidos debilita ainda mais o poder dos Estados Unidos graças às reações que gera.

Tomemos a situação mais complicada no chamado mundo islâmico, desde Magreb a Indonésia, e em particular na Síria. Cada potência principal na região (o que se ocupa da região) tem um inimigo (ou inimigos) principal diferente. Neste momento, para Arábia Saudita e Israel é Irã. Para Irã é Estados Unidos. Para Egito é a Fraternidade Muçulmana. Para Turquia, os curdos. Para o governo iraquiano, os sunitas. Para Itália, Al-Qaeda, o que faz que seja impossível controlar o fluxo de imigrantes. E ainda podíamos seguir.

E para os Estados Unidos? Quem sabe? Isso é o que dá medo a todos os demais. Estados Unidos parece ter neste momento duas prioridades bastante diferentes. Um dia, é a aquiescência da Coreia do Norte com os imperativos dos EUA. No dia seguinte, é por fim à participação dos Estados Unidos na região da Ásia Oriental ou ao menos, reduzir seu desembolso financeiro. Ninguém sabe a que se ater.

Poderíamos esboçar uma situação similar em outras regiões ou sub-regiões do mundo. A lição a reter ao fazê-lo é que ao declive dos Estados Unidos não segue [a emergência de] outra hegemonia. O que ocorreu é que, a fluidez da qual falamos se juntou ao zigue-zague caótico geral.

Evidentemente, nisso reside o grande perigo. De pronto, em todo o mundo as pessoas pensam, e sobretudo as forças armadas, em acidentes nucleares, em erros, ou numa loucura. A curto prazo o debate geopolítico mais importante é como lidar com este perigo.

15 de fevereiro de 2018

Fonte: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article43264


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