Nicarágua: 40° aniversario do triunfo da revolução sandinista
A celebração do Presidente Daniel Ortega e do seu partido lançou luz sobre o estado atual da sociedade nicaraguense
Durante a comemoração do aniversário, que demorou cinco horas, foram tocadas músicas principalmente animadas, cúmbia, merengue, canções históricas revolucionárias (contrariando a vontade expressa do seu compositor Carlos Mejía Godoy) e canções das campanhas eleitorais da FSLN. Muitas dessas músicas constantemente repetidas (“Daniel, Daniel, el pueblo está con él … con Daniel, con Daniel, con Daniel … adelante comandante … el gallo ennavajado …”) elogiaram Daniel Ortega como o grande líder do povo.
A parte política do evento foi aberta pela vice-presidente Rosario Murillo com a palavra de ordem repetida muitas vezes: No pudieron, ni podrán! e No podrán jamás!(“Não conseguiram, nem vão conseguir!” e “Eles nunca vão conseguir!”). Este foi um desafio claro para o movimento democrático de oposição, ameaçando que nunca conseguirá tirar Ortega e a FSLN do poder.
Depois de algumas saudações de representantes de estados amigos (Ossétia do Sul, Venezuela, Cuba), interrompidos por muita música, e depois de vários pastores protestantes e um sacerdote católico, o presidente Ortega fez a sua intervenção de somente 33 minutos, um discurso extraordinariamente curto para ele.
Embora se tenha dirigido a todos os e todas as nicaraguenses numa frase inicial e se tenha pronunciado a favor de uma coexistência pacífica de todos, não prometeu restaurar as liberdades democráticas fundamentais, nem libertar os prisioneiros políticos, nem dissolver as forças paramilitares ilegais, que lhe são completamente fiéis, e muito menos investigar quem são os responsáveis pelos mais de 300 mortos do ano passado.
Mais uma vez, alegou que a revolta pacífica de abril de 2018 foi uma tentativa de golpe de estado, desenhada e organizada pelos EUA. Reclamou das sanções internacionais e denunciou os oposicionistas que exigem sanções como traidores. Na realidade, eles só pedem isso porque, apesar de centenas de mortos, milhares de feridos e dezenas de milhares de refugiados, como vítimas da repressão do Estado, apegam-se a formas civis e pacíficas de resistência pelas quais pedem apoio internacional igualmente civil e pacífico.
Todo o evento foi marcado por uma propaganda emocional que deveria enfatizar a equação o povo = FSLN = governo = Ortega = poder sobre todas as instituições do estado. O que não é parte de eles é vende patria, traidor, inimigo, conspirador, golpista, terrorista.
Por isso estavam presentes na tribuna vários combatentes históricos da FSLN, comandantes guerrilheiros, os comandantes da revolução Bayardo Arce e Victor Tirado, um número de pastores protestantes e padres católicos, o comando supremo do exército, a liderança da polícia, representantes do supremo tribunal, do supremo conselho eleitoral, da procuradoria geral, ministros e ex-comandantes dos Contra. A mensagem foi clara: Quando Ortega chama, eles disponibilizam-se para ele.
Até mesmo o ultrarreacionário pregador e republicano Ralph Drollinger, que dirige círculos de estudos bíblicos nos Estados Unidos, mesmo no Congresso e até mesmo na Casa Branca, foi autorizado a entregar uma mensagem de saudação. Aparentemente, Ortega está a tentar manter um canal de comunicação com o governo dos EUA através do trilho “cristão”.
Mas uma coisa ficou clara: os empreendedores não haviam enviado um representante, e a conferência episcopal da Nicarágua também brilhou através da sua ausência. As suas participações públicas provavelmente tê-los-iam desacreditado demais aos olhos de grande parte da população.
A Plaza de Fe Juan Pablo II estava cheia de pessoas que agitavam principalmente bandeiras da FSLN vermelhas e pretas(link is external). Milhares ainda ficaram na Avenida Bolívar. Funcionários de ministérios e outras empresas públicas tiveram que comparecer à manifestação se não quisessem perder o seu emprego. E também havia a mesada obrigatória de 200 Córdobas como incentivo adicional para participar. Mesmo quando muitos foram forçados a comparecer a esta atividade, dezenas de milhares vieram voluntariamente para celebrar o seu comandante.
Enquanto o orteguismo demonstrou a sua força de mobilização e a sua capacidade de organizar grandes encenações emocionantes, a vida normal continuou sob a ditadura. Foi até a 17 de julho que Bryan Yeraldín Murillo López, de 22 anos, foi morto pela polícia em León quando esta entrou na sua casa à noite sem um mandato, atirando contra ele, usando armas de guerra e ferindo gravemente mais dois outros membros da sua família. O pano de fundo deste crime é, obviamente, a sua participação nos protestos do ano passado. Também de outras partes do país são relatados diariamente novos ataques da polícia, às vezes mortais, a cidadãos desarmados, acusados de participar em manifestações ou até mesmo em atos criminosos.