Quando as máscaras caem

O impeachment de Bolsonaro tornou-se uma necessidade nacional.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 28 abr 2020, 20:16

O Brasil tornou-se um país de máscaras. Corretamente, para qualquer atividade externa, parte dos brasileiros está utilizando máscaras, em cenas que já se tornaram comuns nas capitais brasileiras. No Brasil, no entanto, ao contrário de outros países, há uma disputa de narrativas sobre as proporções, a gravidade e as consequências da pandemia de Covid-19.

Nos terrenos político e sanitário, há uma divisão nos principais atores. Bolsonaro, junto a um grupo cada vez mais restrito, inflama suas bases contra o isolamento social. Na prática, ele mesmo é quem está cada vez mais isolado “socialmente”.

Bolsonaro perdeu, em menos de 10 dias, os dois ministros mais populares de seu gabinete, numa crise que cinde a burguesia, opondo o clã bolsonarista à maioria dos governadores, dos principais partidos, do Poder Legislativo e do STF.  A pesquisa Atlas, divulgada na segunda-feira (27 de abril), mostra uma nítida baixa da popularidade, caindo para 21% os que creditam ótimo/bom para o governo, contra 49% de ruim/ péssimo, além dos 28% que julgam o governo como regular.

O enfraquecimento do governo é fruto de duas realidades que se impõem, dramática e simultaneamente: caem as máscaras do bolsonarismo como projeto autoritário e miliciano ao mesmo tempo em que caíram as máscaras dos que negam o tamanho da catástrofe que nos atinge.

Nesta terça-feira, foram divulgados números dramáticos da disseminação da Covid-19 no Brasil. O país tornou-se o nono do mundo em número de óbitos, superando a trágica barreira de 5 mil mortes e o número de óbitos da China, onde as primeiras manifestações da doença foram reportadas. A situação brasileira agrava-se pela subnotificação dramática, dada a ausência de testes, e pela ação criminosa do governo Bolsonaro, que sabota os esforços nacionais de combate à disseminação da doença.

Diante de tal cenário, não há outra alternativa: é preciso derrubar o governo Bolsonaro para salvar as vidas do povo brasileiro e para defender as liberdades democráticas, ameaçadas pela escalada golpista liderada pelo presidente e pelo seu entorno criminoso.

Do “bolsonarismo lato sensu” ao “bolsonarismo stricto sensu

Bolsonaro completa seu rito de conversão. Temos apontado em nossas análises, há alguns meses, o desenvolvimento de uma mutação do que chamamos de “bolsonarismo lato sensu” para “bolsonarismo scrito sensu”. Bolsonaro foi eleito por um movimento difuso, com poucas propostas, resumidos num bordão “contra tudo que esta aí”, que possibilitou organizar ao redor de si setores mais amplos – mobilizados, por exemplo, pelo discurso contra a corrupção e/ou em defesa de um programa econômico neoliberal. Este “bolsonarismo lato sensu” saiu vitorioso das eleições de 2018 e levou à eleição de governadores de estado, deputados e senadores.

Ao longo de seus 16 meses de mandato, Bolsonaro e seu entorno familiar paulatinamente buscaram afastar sua periferia mais ampla do centro do poder em benefício da promoção de seus interesses familiares e da radicalização golpista de extrema-direita. Pouco a pouco, as defecções somaram-se e levaram ao forte isolamento em que se encontra Bolsonaro hoje. Após a divisão do PSL e o afastamento dos governadores, a demissão de Sergio Moro marcou a transição final para o “bolsonarismo stricto sensu”, composto pelo núcleo duro de apoio ao presidente e de seu entorno –neofascistas, movimentos de extrema-direita e lumpens –, mas ainda tolerado por oficiais das Forças Armadas no governo e com apoio, embora declinante, de setores burgueses.

Tal transição vem sendo acompanhada pela queda da popularidade presidencial, agravada pela orientação de Bolsonaro, desde março, de minimizar a pandemia de Covid-19 e sabotar as medidas de isolamento social necessárias para garantir o funcionamento do sistema de saúde. Ao mesmo tempo, o presidente deu um passo adiante em sua escalada autoritária, num ponto de não retorno, ao discursar no ato de 19 de abril, em frente ao quartel-general do Exército, para seus apoiadores que reivindicavam o fechamento do Congresso e do STF com um “novo AI-5”.

O novo cenário exige uma ação decidida em defesa da vida, da renda e da subsistência do povo brasileiro, e do combate à escalada golpista do bolsonarismo. O impeachment de Bolsonaro tornou-se uma necessidade nacional.

É hora de ação

Há um salto no número de doentes e de mortos. Multiplicam-se as imagens de fossas e covas rasas sendo abertos em cemitérios brasileiros. A luta política pelo isolamento social opõe a defesa da vida à linha genocida de Bolsonaro, que sinaliza à rapina empresarial que quer a qualquer custo humano reabrir os negócios.

Em cidades como Manaus e Belém, o sistema de saúde já colapsou, o que significa que há dezenas de doentes morrendo diariamente em suas casas sem opção de tratamento pela indisponibilidade de leitos. Esta situação deve generalizar-se. Na Grande São Paulo, por exemplo, mais de 80% dos leitos hospitalares já estão ocupados. A situação em grandes centros como o Rio de Janeiro e Fortaleza segue a mesma dinâmica.

É hora de ação! É preciso lutar para derrotar a sabotagem de Bolsonaro ao isolamento social e derrubar as medidas bonapartistas do governo. A demissão de Moro expôs o aparelhamento promovido por Bolsonaro em instituições estatais, numa tentativa desesperada de preservação de seu clã político – envolvido em múltiplas acusações, como a disseminação criminosa de fake news, os casos de “rachadinha” em gabinetes da família e sua participação em negócios das milícias cariocas, como mostra a investigação do Ministério Público do Rio divulgada pelo The Intercept. A indicação de amigos da família para o Ministério da Justiça e para a direção da Polícia Federal deve ser impedida e as investigações em curso devem ser preservadas – como, aliás, já indicou decisão de Alexandre de Moraes.

A luta pelo impeachment de Bolsonaro deve ser acompanhada da exigência de um programa de emergência, que preserve empregos, salários e a renda do povo brasileiro, por meio da extensão do auxílio emergencial e da ampliação dos valores pagos. Ao mesmo tempo, segue urgente a compra de respiradores, reagentes e EPIs para permitir que os trabalhadores da saúde possam tratar os doentes e que as instituições sanitárias saibam a real dimensão, por meio de uma política de testagem eficiente, da disseminação da doença no país.

O pedido de impeachment encabeçado por parlamentares e dirigentes do PSOL – como Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim, David Miranda e Luciana Genro –, intelectuais e artistas, apoiado por mais de um milhão de pessoas, recebeu adição dos novos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro e mais apoios importantes: o deputado federal Glauber Braga, os ex-deputados Milton Temer e Chico Alencar, e o ex-ministro Roberto Amaral. Em defesa da vida dos brasileiros e de nossas liberdades democráticas: fora, Bolsonaro!


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