Apoio político e jurídico fortalecem resistência na Praia da Redinha
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Apoio político e jurídico fortalecem resistência na Praia da Redinha

Projeto de elitização de área periférica de Natal (RN) inclui expulsar permissionários e destruir quiosques instalados no local há 30 anos

Tatiana Py Dutra 2 mar 2023, 17:30

O processo de especulação imobiliária já promoveu grandes perdas de norte a sul do país. Mas uma pequena comunidade do litoral norte de Natal (RN), está fazendo o possível para resistir a uma ameaça de reurbanização que parece ser uma plataforma de gentrificação em um espaço historicamente popular.

A Praia da Redinha é uma região periférica da capital, cujos habitantes são, em sua maioria, trabalhadores assalariados. Até recentemente, o Plano Diretor do município não permitia a construção de prédios altos na orla, o que sugeria a manutenção do perfil comunitário característico da praia – que tinha como marco turístico o chamado Mercado da Redinha. Ao lado do centro comercial, há cerca de 30 anos, foram instalados 20 pequenos quiosques. Cada um, com cerca de quinze mesas, servia a comunidade e eventuais turistas.

Na opinião do atual prefeito, Álvaro Costa Dias (Republicanos), trata-se do trecho menos bonito do litoral potiguar, como ele próprio afirmou em discurso. E para resolver “a feiura”, sua proposta foi redesenhar a Redinha. Em 2021, o antigo mercado foi derrubado como parte de um processo de reurbanização, que visa atrair turistas e habitantes de classe média alta para aquela região. O Plano Diretor foi alterado para permitir a construção de edifícios de até 35 metros de altura (contra os sete atuais). Além disso, um novo e moderno mercado, que comportaria restaurantes famosos e grandes empreendimentos seria erguido junto a um novíssimo calçadão. Ocorre que esse passeio público seria construído no espaço onde os quiosques funcionam há cerca de três décadas.

Se levada a cabo, a iniciativa acabaria com o ganha pão de ao menos 60 pessoas que trabalham nas barracas de comida. Por isso, eles decidiram resistir. As permissionárias, todas mulheres, e seus funcionários se organizaram no Coletivo Ginga com Tapioca – nome inspirado num prato típico local. Na última sexta-feira (24/02), trabalhadores e trabalhadoras dos quiosques fizeram um “ato de abraço” contra a remoção dos estabelecimentos do local. A ação chamou a atenção de parlamentares, associações comunitárias, universidades, coletivos e partidos políticos. A repercussão fortalece a luta dos permissionários por sua permanência na Praia da Redinha.

Reforçando a resistência

Entre os apoios angariados pelas quiosqueiras está o Juntas, mandato coletivo de mulheres do PSOL, que hoje tem a primeira suplência na Câmara Municipal de Natal, mas que este mês assume, interinamente, cadeira no parlamento.

“Estamos estudando com o nosso mandato como pressionar o Ministério Público para avaliar com sensibilidade a situação e simultaneamente impulsionando a auto-organização das famílias que estão dando a luta contra a remoção. Uma variedade jurídica está à serviço dessa defesa, mas sabemos que a justiça burguesa quase sempre não está ao lado do povo trabalhador, por isso a verdadeira alternativa acaba sendo a disputa social”, informaram Camila Barbosa, Ariane Idalino, Leticia Correa e Cida Dantas.

As futuras parlamentares destacam alguns detalhes jurídicos como pontos favoráveis à causa dos trabalhadores. Corre na Justiça uma disputa pela titularidade da posse do espaço entre a União e o município. Ocorre que, conforme a lei, permissionários com mais de 10 décadas de uso corrido do espaço tornam-se proprietários. Apesar de não haver contrato formal entre poder público e quiosqueiras, isso vem embargando a possibilidade de retirada imediata dos estabelecimentos, como enseja o Executivo.

“Mesmo assim, ordens de desembargadores já foram protocoladas e prontamente respondidas pela mobilização política e social das trabalhadoras que resistem com coragem e criatividade”, diz o Juntas.

A comunidade da África, vizinha a Praia da Redinha é forte defensora dos quiosques e, já por algumas vezes, desceu até a orla para frustrar tentarivas de despejo das quiosqueiras. Para os moradores, a “adequação urbanística” da orla, proposta pela prefeitura, é uma ameaça a eles próprios.

“A maioria das permissionárias e dos trabalhadores mora na comunidade da África, e a associação de moradores é a principal parceira [do movimento]. Essa comunidade passou por uma Reupe, que é uma política de urbanização que deu a titularização das casas aos moradores, e eles já estão sofrendo [assédio da] especulação imobiliária. Tendo o risco de os quiosques derrubados, eles já conseguem imaginar que os próximos serão eles, para cederem espaço para construir os prédios que vão dar uma ‘higienizada’ na orla”, comenta Pedro Levi, militante do MES/PSOL e advogado do Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio (CRDHMD).

Vinculado à UFRN, o CRDHMD presta assistência jurídica para o Coletivo Ginga com Tapioca, bem como atua para organizar, fortalecer e formar lideranças no grupo, para que as quiosqueiras possam lutar por sua permanência. Os desafios são muitos e muito antigos.

Interesse comercial

Segundo Levi, não é de hoje que projetos do Executivo visam alterar o regramento de uso da praia da Redinha. Desde 2004, há um processo judicial em andamento sobre regramentos ambientais e urbanísticos, como o estabelecimento de normas para construções na areia ou na orla. 

“Mas como solução para a regularização, a prefeitura atual determinou a derrubada desses quiosques, por culpabilizá-los pelos problemas ambientais e urbanísticos. De fato, dois foram construídos em área de proteção ambiental, na faixa de areia. Então, o que poderia ser feito? Reconstruí-los em uma área em que fosse possível. Mas, juridicamente, não há o que se discutir nisso.Tanto é que esse processo vem se arrastando”, comenta o advogado.

Ao vislumbrar uma possível derrota, a atual gestão municipal decidiu, no ano passado, recorrer à Justiça com uma nova ação de remoção e despejo dos quiosques. Porém, segundo Levi, também há interesses comerciais por trás desse projeto.

“Não faz sentido construir um novo mercado, em uma tentativa de nível de uso mais elitizado, inclusive abrindo licitação para grandes e famosos restaurantes, sendo que os mesmos alimentos são vendidos ao lado, nos quiosques, com preços mais baixos do que qualquer outra praia”, diz.

Outra linha argumentativa da prefeitura é de que os quiosques são alvo frequente da Vigilância Sanitária por problemas de saneamento. Como os cortes no fornecimento de água na região são frequentes, as quiosqueiras costumam armazenar água em tonéis para garantir o preparo da comida e a limpeza dos utensílios, o que não é permitido.

“De fato, os quiosques precisam ser melhorados. Mas arquitetos e urbanistas que nos acompanham já sugeriram um projeto de reforma dos quiosques com colocação de caixas d’água. Também propuseram a ligação deles a rede de tratamento de água e esgoto que servirá ao mercado, que fica a menos de 20 metros dali. Por que não estender a tubulação e resolver a questão ambiental?”, questiona Levi.

“As próprias trabalhadoras que estão à frente dos quiosques concordam com a necessidade das melhorias, mas essa regularização não prescinde de uma saída radical como a remoção delas”, concordam as vereadoras do Juntas.

Ganhando tempo

Enquanto não se desenha possibilidade de acordo ou negociação entre as partes, o Ginga com Tapioca aposta na mobilização para manter os quiosques vivos. Além de ampliar o apoio popular em ações como o abraço à praia, bastante divulgadas pela imprensa, há outras estratégias.

“A primeira é pensar em termos de um acordo junto ao MP que force o município a reformar os quiosques para sanar os problemas ambientais e urbanísticos, garantindo a volta das permissionárias. Isso pode ser feito por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)”, conta Levi.

A alternativa mais ambiciosa, porém, é pressionar o governo federal. Isso porque o projeto de reforma da orla e do Mercado da Redinha conta com verbas do Ministério das Cidades. 

“A ideia é provocar o ministério e o governo federal, para que saibam que essa obra e esse orçamento estão causando um despejo, e esse não é o acordo político existente. Até pela campanha Despejo Zero, a meta é que orçamento nenhum causa despejo. Queremos provocar o rastreio dessa verba e tentar, politicamente, barrar a obra. Recebemos notícias de que ela não teria os licenciamentos ambientais necessários. Barrar a obra no que há de ilegalidade nos faz ganhar tempo para que essa pauta seja mais politizada para que tenha mais respaldo jurídico”, revela Levi.

Para Camila Barbosa, Ariane Idalino, Leticia Correa e Cida Dantas é preciso mobilizar toda a comunidade em defesa dos trabalhadores e suas famílias, cujo sustento foi posto em risco:

“Essas pessoas dedicaram suas vidas ao trabalho nos quiosques, conhecem o lugar, a rigor residem nas comunidades ao redor da orla e possuem uma relação até mesmo afetiva ali. Ao invés de ajudá-las a garantir a permanência delas com maior qualidade e dignidade, a prefeitura atua para rifá-las diante dos interesses do setor imobiliário, que coloca suas garras no potencial turístico da cidade e está sustentado pelos retrocessos aprovados pelo novo plano diretor”.


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