Marçal: os monstros estão à solta
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Marçal: os monstros estão à solta

Se engana quem quer circunscrever o fenômeno Marçal a uma excepcionalidade paulistana. Olhando ao redor, conheceremos figuras similares noutros cantos do Brasil e, até mesmo, no mundo

Israel Dutra 22 ago 2024, 13:46

Foto: Pablo Marçal/Instagram

Pablo Marçal conseguiu o que queria. Roubou a cena (deve estar acostumado com essa prática) nos primeiros debates eleitorais, rompendo a suposta “cordialidade” do começo da campanha.  O fato “novo” da largada eleitoral foi Marçal, com sua truculência e hipocrisia chamando atenção. 

O resultado imediato foi seu crescimento nas pesquisas e nas menções de redes. Marçal subiu 5,3 pontos na pesquisa Atlas (21/08), chegando a 16,3%, encostando no segundo colocado, Ricardo Nunes, que caiu para 21, 8%. Esse efeito imediato condiciona outros aspectos da campanha eleitoral. 

A primeira coisa, portanto, a ser observada é que não se pode ignorar ou menosprezar Marçal. É um equívoco compará-lo com figuras caricatas, porém inexpressivas – como foi, a seu momento, Eymael e Levy Fidelix (do mesmo PRTB).  Nesse sentido, vale ouvir o que está dizendo a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, para compreender o fenômeno Marçal e sobretudo, combater a ele, suas ideias e o conjunto da extrema direita. Um erro nesse caso teria um preço alto. 

Em entrevista, Pinheiro-Machado, que já acompanha o crescimento de Marçal nas redes há dois anos, aponta: 

“Como populista, Marçal se parece com o Bolsonaro. Faz uso de palavras e slogans específicos, e aí joga nas redes com pontos que doem, têm eco na população. Um discurso que pode ser vazio, mas com uma frase que tenha algum significado. Bate na moralidade, na ética do trabalho e ele faz isso muito bem. Ele talvez seja a pessoa que mais sabe usar as redes entre os políticos hoje. E ele também vem de uma história nas redes sociais, com popularidade extraordinária, se tornou um fenômeno admirado nas classes populares, nesse grande setor da classe C. Essa é a grande parte da pirâmide da população brasileira, os batalhadores.” 

Se engana também quem queria circunscrever o fenômeno Marçal a uma excepcionalidade paulistana. Olhando ao redor, conheceremos figuras similares noutros cantos do Brasil e, até mesmo, no mundo. 

Desconhecido no Brasil, Alvise Perez é uma personalidade do meio digital que causou furor no seio da extrema direita espanhola. Com estilo histriônico, montou um pequeno partido chamado “Se Acabou a festa”, com um discurso moralista e conservador contra todos os políticos, bradando impropérios nos debates públicos, com um histórico marcado por diversas polêmicas. Alvise Perez e seu partido foram a grande surpresa nas eleições europeias, chegando a quase um milhão de votos em todo Estado Espanhol e elegendo três eurodeputados.

E assim como Alvise Perez “furou” a festa do partido mais proeminente da extrema direita espanhola, o Vox, Marçal quer virar o tabuleiro do bolsonarismo paulistano. 

De largada, se posicionou com centralidade no embate político – mesmo que com propostas vazias e um nível diminuto; conseguiu dialogar com o próprio Bolsonaro, que mesmo recuando dias depois de uma declaração mais enfática, acabou por legitimar Marçal; está no “retrovisor” de Ricardo Nunes, lhe tomando de forma surpreendente o flanco direito; e por fim, congestiona o espaço do “populismo” de Datena, conhecido por “falar mesmo o que pensa”, reduzindo o campo de ação do neotucano. 

Isso se insere no contexto de uma eleição que começou morna, com a maioria dos participantes optando pelo debate de temas locais em detrimento de uma maior polarização. 

São três questões que se atravessam, a partir do reconhecimento do “coach” como um ator relevante, ao menos nessa fase da campanha.  São elas: a dinâmica da campanha como um todo, as condições que levaram Marçal a esse destaque e, portanto, como armar a luta política contra essa e as outras expressões do bolsonarismo. 

A campanha eleitoral em São Paulo é uma das disputas centrais, entre a extrema direita e o campo amplo de esquerda, combinando a importância para Tarcísio, a conversão tardia de Nunes ao bolsonarismo e a liderança de Boulos nas sondagens de opinião (São Paulo e Porto Alegre são as duas cidades com mais de um milhão de habitantes onde as chapas de esquerda aparecem em primeiro lugar em pesquisas). 

Nunes fez uma composição à direita na chapa, trazendo o debate da segurança pública via a presença da Rota, e apostando na relação com Bolsonaro, batizado formalmente no ato da Paulista no final de fevereiro. Porém, Nunes é um candidato aquém para uma disputa nesse nível. Apesar de ter a máquina da prefeitura, Nunes é um estreante em disputa majoritária e é visto com desconfiança por setores políticos e empresariais relevantes.  Um alvo mais vulnerável do que a maior parte da burguesia gostaria, à essa altura do campeonato. 

São Paulo elegeu Lula e teve Haddad como o mais votado, há apenas dois anos. E protagonizou um segundo turno entre Boulos e Covas – que teve uma postura nítida quanto ao negacionismo bolsonarista, abraçando à época o que seria o falido projeto Doria, em 2020. Portanto, há um espaço importante para os setores democrático, visto que a rejeição a Bolsonaro e aos seus segue alta na capital. 


A irrupção de Marçal vai evitar uma antecipação da polarização entre Nunes e Boulos, que é o mais provável cenário no segundo turno, ainda. Isso muda a agenda política. Não apenas uma agenda da “cidade”, por óbvio, fundamental, mas também uma polarização entre a extrema direita e seus dois consortes e o campo democrático que Boulos encabeça. 

Definir também onde Marçal encontra apoio é chave para melhor lutar. Marçal é uma expressão dos “fenômenos patológicos variados” referidos na célebre citação de Antonio Gramsci acerca dos “sintomas mórbidos”. Ou seja, é a expressão decadente da crise de hegemonia profunda do sistema político brasileiro, onde ele quer converter à frustração em força eleitoral organizada a serviço da extrema direita, carregada de aspectos neofascistas. 

Se os “monstros estão à solta”, precisamos saber como combatê-los. Uma pista é avançar na polarização contra a extrema direita e suas ideias. A outra é compreender que a “temperatura já subiu” e o melhor caminho é uma “campanha à quente”. 

Dentro desse contexto, é preciso desmoralizar Marçal e suas ideias. Como alguém pode se passar como antissistema quando não passa de um vulgar picareta. É preciso agitar de forma decidida que Marçal e seu partido são parte da casta, com relações promíscuas com diversos crimes e criminosos. Que ele enriqueceu ludibriando pessoas e quer ludibriar ainda mais para chegar mais longe na política. Derrotar e desmoralizar Marçal antes que ele consiga estabelecer de forma mais sólida sua agenda política, demonstrar que suas mentiras não podem ter credibilidade, carimbar daqui até o final de setembro que sua campanha é uma usina de fake news. 

Para isso, é preciso acionar o ativismo para se colocar em movimento, como já estamos fazendo na largada da campanha, unindo a esquerda militante na campanha de Luana Alves e Boulos. O lançamento de Luana, com mais de mil ativistas, empolgou um importante setor que já está nas ruas fazendo essa disputa. E esse ativismo deve falar para o conjunto dos trabalhadores que Pinheiro-Machado identifica como alvo de Marçal (classe C), que se vê “batalhando” nas ruas para sobrevivência, sem amparo do Estado e dos políticos, para disputar a fundo a batalha das ideias. 

E combater à extrema direita no seu aspecto nuclear (o programa), desmontando não só o “mensageiro” como também a própria mensagem. Levar as bandeiras mais sentidas para defender nosso espaço.
E, claro, denunciar que não podem ser toleradas posturas de violência, mentiras e factoides forjados. 

O recente vídeo de Sâmia e Luana desmascarando Marçal teve boa acolhida na Internet e prepara as batalhas que estão em curso. 

Derrotar a extrema direita é possível.  Entender quem é e o que é Marçal, é necessário para a batalha das próximas seis semanas. 


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