Palestina: História de uma colonização

Palestina: História de uma colonização

Confira a tradução completa de uma das melhores obras sobre o desenvolvimento histórico do sionismo e do apartheid contra o povo palestino

Gabriel Zadunaisky e Roberto Fanjul 1 nov 2023, 13:11

Foto: Matt Hrkac / Flickr

Via Arquivo Nahuel Moreno

Esta nova tradução para o português do artigo “Palestina: História de uma colonização”, escrito em 1973 por Roberto Fanjul e Gabriel Zadunaisky, foi realizada pela equipe da Revista Movimento frente à nova ofensiva genocida do estado sionista contra a população palestina na Faixa de Gaza promovida em outubro de 2013. Consideramos o texto abaixo a mais completa obra sobre as raízes e dinâmicas históricas da ação imperialista/sionista contra o povo palestino, que resiste heroicamente há décadas.


Prefácio da edição de 2019

Em 1973, a resistência do povo palestino ao genocídio e à expulsão de suas terras perpetrados pela invasão sionista de suas terras foi silenciada no mundo. Os invasores foram definidos pelo imperialismo e por grande parte da esquerda como “um povo oprimido lutando por sua libertação”. As vítimas, o povo palestino e sua Organização para a Libertação da Palestina (OLP), foram ignorados e sua luta foi difamada como “ações de terroristas impiedosos”.

Um extenso artigo (“Israel: História de uma colonização”), de Roberto Fanjul e Gabriel Zadunaisky (ambos do PST e da equipe editorial da revista), foi publicado na Revista de América Nº 12, de dezembro de 1973, que, com uma pesquisa minuciosa, apresentou o verdadeiro papel do movimento sionista e do imperialismo na invasão e ocupação das terras palestinas e na expulsão do povo palestino. Ao mesmo tempo, mostrou a legítima resistência palestina, liderada pela OLP, e uma proposta política/programática de solidariedade à sua luta.

Produzimos uma segunda edição em 2008, quando foi republicada em papel com o título Palestina: História de uma colonização pela Ediciones El Socialista. Agora apresentamos uma terceira edição digital. Ela é acompanhada por três textos curtos de Nahuel Moreno sobre o mesmo assunto. Esses e outros escritos do mesmo autor podem ser encontrados em www.nahuelmoreno.org. Também um fragmento de uma carta aberta do MAS ao Partido Obrero em 1984, criticando suas posições de capitulação ao sionismo.

Os editores

Julho de 2019


Prefácio da edição de 2008

Sessenta anos atrás, em 14 de maio de 1948, o movimento sionista institucionalizou o Estado de Israel em território palestino. Esse foi o ponto culminante de uma operação para expulsar quase um milhão de habitantes nativos, a maioria deles simples camponeses. As centenas de milhares que permaneceram foram transformadas em “cidadãos de segunda classe”, párias em sua própria terra. A memória do massacre de milhões de judeus pelas mãos de Hitler e dos nazistas ainda estava fresca no mundo. A propaganda do sionismo, com a cumplicidade de praticamente todos os governos imperialistas e da URSS subjugada por Stalin, permitiu a instalação de um mito: “uma terra sem povo para um povo sem terra”. As vozes de condenação eram quase inaudíveis.

Os palestinos nunca desistiram, nunca desistiram de sua resistência. E, na década de 1960, eles começaram a se fazer ouvir. Surgiu a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), liderada pelo lendário Yasser Arafat (1929-2004). A Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel conquistou novos territórios dos vizinhos Egito, Jordânia e Síria, confirmou o caráter agressivo e expansionista do sionismo. Os palestinos não hesitaram. Em 1969, enquanto eram denunciados como “terroristas” em uma feroz campanha global, eles lançaram seu apelo ao mundo: “Por uma Palestina secular, democrática e não racista”.

Em dezembro de 1973, o PST ( Partido Socialista dos Trabalhadores) publicou este trabalho que reproduzimos hoje: Palestina: história de uma colonização, em sua Revista da América nº 12. Fazia parte de sua campanha para apoiar a luta desse povo oprimido. Foi uma investigação bem documentada que, com os elementos disponíveis na época, demonstrou exaustivamente o caráter invasivo e pró-imperialista do sionismo e de seu rebento, esse “país” enclave instalado a sangue e fogo na Palestina.

Os governos e os vários setores das burguesias árabes oscilaram entre suas capitulações ao imperialismo e ao próprio Israel e suas medidas esporádicas de rejeição, como a guerra de 1973. O povo palestino oprimido passou por todos os tipos de sofrimento, tanto dentro das fronteiras do invasor quanto nos vários países árabes que o abrigaram. Não havia liderança nem aliados consistentes que permitissem uma resposta sólida, e isso deu a Israel espaço para respirar.

Em 1978, o governo egípcio deu um passo decisivo em direção à traição quando, em negociações com os EUA e Israel em Camp David, assinou com o presidente James Carter o reconhecimento da existência de Israel por meio da utopia pró-sionista e pró-imperialista dos “dois Estados”. Antes do final do século XX, em 1993, Yasser Arafat, o líder da OLP, o seguiu nesse caminho. Uma tentativa vã de dar ao invasor um reconhecimento impossível. O povo oprimido nunca parou de lutar…

No século XXI, a mobilização e o sofrimento permanentes do povo de Gaza e da Cisjordânia têm ocupado cada vez mais o centro das atenções. No Oriente Médio e em todo o mundo, a crise, o enfraquecimento e o descrédito de Israel estão crescendo. A causa palestina está ganhando cada vez mais apoio.


Introdução

O tema central deste artigo é o caráter do Estado de Israel, desde as origens do movimento sionista até o papel que ele desempenha hoje no cenário político e social do Oriente Médio. Portanto, nos limitamos quase que exclusivamente à trajetória do sionismo na Palestina.

Com relação à situação atual no Oriente Médio, não é possível adotar uma posição correta sem antes esclarecer o caráter do Estado de Israel e seu papel atual. Dado o acúmulo monumental de fábulas, meias-verdades ou mentiras descaradas que a imprensa imperialista nos apresenta diariamente sobre esse assunto, pareceu necessário voltar às origens da corrente colonizadora que levou à fundação de Israel e motivou mais de trinta anos de lutas sangrentas nessa área vital do planeta.

Antes de considerar a trajetória do sionismo, especialmente do sionismo na Palestina, é necessário dizer algumas palavras sobre a situação particular dos judeus na Europa a partir de meados do século passado, pois foi nesse quadro histórico que o movimento sionista nasceu.

Talvez não haja nenhum problema histórico que tenha sido tão alardeado quanto o problema da “sobrevivência” dos judeus ao longo dos séculos. “Historiadores” idealistas, padres, rabinos, etc., tentaram explicar esse fenômeno apelando para vários mitos: desde as características da religião hebraica até fábulas de caráter racista (ou seja, que os judeus constituiriam uma “raça” com características especiais que os manteriam imutáveis em qualquer circunstância histórica).

O marxismo esclareceu todo esse emaranhado mitológico. Os estudos de Karl Marx, em primeiro lugar, e especialmente mais tarde os do grande marxista Abraham Leon[1], estabeleceram cientificamente as causas materiais e históricas da “originalidade” do povo judeu. Essas causas são terrenas e não têm nada a ver com Jeová ou com uma suposta “essência” racial imutável ao longo dos tempos, como supõem os antissemitas e os sionistas.

Em condições incrivelmente difíceis – sob ocupação alemã – Leon escreve “A Questão Judaica”, o mais importante estudo marxista já produzido sobre o assunto. Ali ele formula a tese do “povo-classe”. Ele também faz uma previsão: se um Estado judeu for criado na Palestina, será “um Estado sob o domínio completo do imperialismo britânico ou americano” (Abraham Leon, The Jewish Question, Pathfinder, Nova York, 1970, p. 252).

O segredo da sobrevivência judaica é muito simples: nas sociedades pré-capitalistas, os judeus constituíam uma classe social, ou melhor, um povo-classe. Eles não são o único exemplo na história: os ciganos, por exemplo, também constituíam um povo-classe.

Nas sociedades pré-capitalistas, os judeus representavam as formas “pré-históricas” de capital, tanto no mundo antigo quanto no mundo feudal. Na sociedade feudal, por exemplo, temos as seguintes classes: os senhores feudais (nobres ou sacerdotes) e os servos da gleba. Esses servos trabalhavam a terra e tinham de entregar parte da produção ao senhor feudal. Quase tudo o que era produzido era consumido ou usado diretamente, seja pelo senhor e pelos sacerdotes ou pelos servos. Não era produzido com o objetivo de vender ou trocar o produto no mercado e obter lucro. Era fundamentalmente uma sociedade produtora de valor de uso e não uma sociedade produtora de valor de troca, como é a nossa atual sociedade capitalista. A troca e o dinheiro, entretanto, existiam. Mas a troca era a exceção, não a regra. A compra e venda e o empréstimo de dinheiro se desenvolveram relativamente fora do modo de produção dessas sociedades produtoras de valor de uso. Por isso, eram exercidos por “estrangeiros”, por povos comerciantes (fenícios, judeus, lombardos etc.). Povos de classe que, como disse Marx, existiam nos poros da sociedade produtora de valor de uso. Os judeus são a sobrevivência de uma antiga classe mercantil e financeira pré-capitalista.

Sobre essas relações materiais se elevava a superestrutura institucional e ideológica: autoridades comunitárias, uma religião “especial”, o mito de que eram descendentes do povo hebreu primitivo que habitava a Palestina no início de nossa era, etc. Essa superestrutura ajudou a manter a coesão do povo-classe, mas, ao mesmo tempo, falsificou a verdadeira natureza de sua existência. Esse fenômeno de falsa consciência é, além disso, comum a todas as ideologias.

A função dos judeus como um povo-classe explica não apenas sua sobrevivência, mas também sua assimilação. Abraham Leon prova, com uma grande quantidade de dados, que em lugares e épocas em que os judeus perderam esse caráter de povo-classe, mais cedo ou mais tarde sua superestrutura ideológica e institucional entrou em colapso e eles acabaram se assimilando. Isso também explica por que não há unidade racial entre os judeus: ao longo da história das sociedades pré-capitalistas, há inúmeros casos de conversão, às vezes em massa, ao judaísmo. Escondido sob esse manto ideológico-religioso estava o fenômeno da incorporação de indivíduos ou grupos inteiros ao povo-classe. Isso explica por que havia judeus da “raça” mongol no Daguestão, judeus negros (os falasha) na Etiópia, judeus árabes no Islã e judeus de origem eslava na Europa Oriental. O mito da descendência comum de Abraão ou dos habitantes da Palestina no início de nossa era não resiste à menor análise.

Com o desenvolvimento do capitalismo, a antiga classe comercial pré-capitalista judaica teve a base material de sua existência como povo-classe dissolvida. Na Europa Ocidental, especialmente na Inglaterra, onde o modo de produção capitalista se desenvolveu mais cedo, os judeus naturalmente começaram a se assimilar. Esse processo teria sido geral – com o atraso lógico imposto por obstáculos religiosos, familiares, etc. – se o capitalismo – em escala mundial – tivesse permanecido progressivo. Mas antes que esse processo natural de assimilação, que mal havia começado na atrasada Europa Oriental, fosse concluído em toda a Europa, o capitalismo se converteu em imperialismo. Ou seja, ele deixa de ser progressivo e inicia seu estágio de decomposição em escala mundial. Abre-se a era das revoluções, a era da transição do capitalismo – já condenado pela história – para a nova sociedade socialista. O capitalismo, ao entrar em sua idade senil, não consegue resolver os problemas que não conseguiu resolver em sua juventude. Não apenas o problema judeu, mas muitos outros que o capitalismo, em seu estágio de decadência final, não apenas deixa de resolver, mas geralmente agrava. O capitalismo começou, por exemplo, levantando o problema nacional, levantando consignas progressivas democrático-burguesas de independência e soberania nacional. Mas o capitalismo acabou organizando o mais monstruoso sistema de dominação imperialista, de negação dos direitos nacionais e democráticos para a maioria da humanidade que vive nos países coloniais e semicoloniais. O capitalismo começou com a abstrata “igualdade” entre os homens e acabou impondo as mais aberrantes discriminações. Podemos continuar listando os problemas, inclusive o dos judeus europeus.

Na Europa Oriental, as massas judaicas começaram a enfrentar, a partir de meados do século XIX, uma situação muito difícil. Por um lado, o desenvolvimento capitalista – como já apontamos – estava destruindo sua antiga forma de existência como classe popular. Mas, por outro lado, o capitalismo europeu já era incapaz de assimilar os grupos judeus à burguesia e à classe média de forma natural, como havia acontecido na Inglaterra, por exemplo. O desenvolvimento do antissemitismo europeu moderno, que culminou no regime nazista, está parcialmente relacionado a esse problema. Está além do escopo deste estudo analisar essa monstruosa erupção de racismo. Vamos apenas salientar que o antissemitismo moderno – embora tenha retomado os mitos medievais – tinha um conteúdo muito diferente: fazia parte da política de alguns regimes imperialistas, que achavam conveniente usar os judeus (e também os ciganos, em menor escala) como alvo para confundir e desviar o desespero da classe média e até mesmo de setores atrasados da classe trabalhadora.

Diante de sua situação dramática, as massas judaicas na Europa, especialmente na Europa Oriental, tinham várias opções políticas. O marxismo, que exerceu grande atração sobre elas, apresentou a solução do problema judaico em termos da luta pelo socialismo.

O socialismo – e dentro do socialismo, especialmente os marxistas revolucionários – conclamou as massas judaicas oprimidas da Europa Oriental a se unirem à classe trabalhadora e às suas lutas. Para as massas judaicas miseráveis de Varsóvia ou Kiev, o caminho que seus correligionários mais afortunados na Inglaterra ou na França haviam seguido já estava fechado: o caminho de sua assimilação como burguesia dentro da estrutura do capitalismo. Mas eles poderiam e deveriam se assimilar aos trabalhadores na luta pelo socialismo. Enquanto o império czarista incentivava os confrontos de russos contra poloneses ou ucranianos, ou de poloneses contra judeus, enquanto o império austro-húngaro fazia o mesmo no mosaico de povos que dominava, os marxistas revolucionários pediam a unidade de todos os trabalhadores (de qualquer idioma, nacionalidade ou “raça”) para lutar contra esses regimes e contra toda a burguesia imperialista europeia. O fim do capitalismo na Europa e o estabelecimento do socialismo não só acabariam com a exploração de uma classe por outra, mas também com todas as formas de opressão, sejam elas nacionais, de gênero, racistas etc. O socialismo liquidaria o problema judeu que o capitalismo não pode resolver.[2]

De qualquer forma, como um aparte, seria interessante se os sionistas pudessem responder à seguinte pergunta: de que lado da barricada eles estavam no processo revolucionário europeu que começou em outubro de 1917? Os sionistas – por exemplo, na Alemanha – lutaram ao lado de Rosa Luxemburgo? Todas as notícias que temos indicam o oposto: que o sionismo se alinhou com as burguesias imperialistas europeias contra a revolução que avançava do Leste. E o triunfo dessa revolução em toda a Europa teria impossibilitado um Hitler na Alemanha e um Stalin na URSS. É claro que isso também teria impossibilitado o Estado de Israel.

Assim, havia muitos trabalhadores, estudantes e intelectuais de origem judaica que se juntaram às fileiras socialistas e se assimilaram aos trabalhadores de seus países. Trotsky, Rosa Luxemburgo, Kamenev, Zinoviev, Radek, Leo Jogiches, são apenas alguns nomes entre centenas de milhares.

Mas a antiga classe popular, como já apontamos, sob as condições do capitalismo moderno era cada vez menos homogênea. Se, de um lado, muitos judeus proletarizados, estudantes e intelectuais pobres se fundiram com o movimento operário e revolucionário, do outro lado havia senhores como os Rothschilds, o Barão Hirsh e outros multimilionários ligados à burguesia imperialista de vários países europeus. De um extremo ao outro, os vários estratos burgueses, pequeno-burgueses, semiproletários etc. eram escalonados. Isso forneceu a base de classe para outras opções políticas que, é claro, não tinham nada a ver com o socialismo revolucionário. Pelo contrário, seriam seus inimigos mortais. Entre as saídas burguesas para o problema judaico, as mais importantes foram o Bundismo e o Sionismo.

Os Bundistas[3] surgiram na Rússia e em outros países do Leste Europeu como um ramo da social-democracia. O Bund, supostamente socialista e teoricamente revolucionário, era, na verdade, um reflexo do nacionalismo burguês dentro do proletariado judeu. Eles faziam parte de toda a corrente da social-democracia europeia que capitulava às suas respectivas burguesias. Sob o slogan de manter a “cultura nacional”, ele argumentava que os trabalhadores judeus deveriam se organizar separadamente dos trabalhadores russos, poloneses etc. O Bund fez o jogo da burguesia ao dividir os trabalhadores em cada fábrica ou cidade de acordo com sua origem nacional ou “racial”. É o mesmo que se aqui [na Argentina, N.E.], nos canteiros de obras (onde há muitos companheiros estrangeiros), fosse proposto para um conflito organizar um comitê de greve de paraguaios, outro de bolivianos, outro de argentinos, outro de chilenos, etc., tudo sob o pretexto, por exemplo, de que os camaradas paraguaios não esqueceriam a língua guarani e os bolivianos teriam mais condições de preservar os valores de sua cultura indígena ameaçada pela mistura ou “assimilação” com os argentinos de ascendência europeia. Lênin e Trotsky condenaram veementemente o Bundismo.

A base social do Bund eram os trabalhadores artesanais, semiproletários ou de pequenas oficinas, especialmente nos setores de vestuário e peles. Era um vasto setor com um pé no antigo gueto e o outro no proletariado industrial moderno. Isso se refletia na ideologia do Bund, que, por um lado, afirmava ser marxista e revolucionário e, por outro, negava o internacionalismo ao erguer barreiras entre trabalhadores de diferentes origens. Esse caráter contraditório (que reflete uma contradição real em sua base social) significava que, apesar de sua capitulação ao nacionalismo burguês, o Bund não argumentava que os trabalhadores judeus deveriam se afastar da luta de classes e se juntar à sua burguesia para marchar para colonizar a Palestina ou algum outro território. Essa “honra” estava reservada ao sionismo.

O movimento sionista

No mesmo ano (1897) em que o Bund foi fundado, o congresso de fundação da Organização Sionista foi realizado na Basileia (Suíça). Ela teve sua pré-história: “A rápida capitalização da economia russa”, diz Abraham Leon, “após a reforma de 1863, tornou insustentável a situação das massas judaicas nas pequenas cidades. No Ocidente, as classes médias, abaladas pela concentração capitalista, começaram a se voltar contra o elemento judeu, cuja concorrência agravou a situação. Na Rússia, foi fundada a Associação dos Amantes de Sião. Leo Pinsker escreve Auto-Emancipação, um livro em que defende o retorno à Palestina como a única solução possível para a questão judaica. Em Paris, o Barão Rothschild, que, como todos os magnatas judeus, tem pouca simpatia pela chegada de imigrantes judeus ao Ocidente, começa a se interessar pela colonização judaica da Palestina. Ajudar os “irmãos desafortunados” a voltar para a terra de seus “ancestrais”, ou seja, a ir para o mais longe possível, não foi desagradável para a burguesia judaica ocidental, que temia, com razão, o aumento do antissemitismo. Pouco depois do lançamento do livro de Leo Pinsker, um jornalista judeu de Budapeste, Theodore Herzl, presenciou as manifestações antissemitas em Paris provocadas pelo julgamento de Dreyfus. Ele escreveu O Estado Judeu, que continua sendo a bíblia do movimento sionista até hoje. [4]

Embora a Organização Sionista fosse disputar a mesma clientela que o Bund e até mesmo que o socialismo revolucionário, seu caráter de classe era nitidamente diferente: ela apareceu como o programa de uma seção da grande burguesia judaica, uma seção que se tornaria dominante dentro dela.

Os apologistas do sionismo tentam ocultar esse fato argumentando que, em seus primórdios, a maioria da grande burguesia judaica era assimilacionista e não apoiava o sionismo. E isso é verdade, mas só prova que – como sempre acontece com qualquer nova ideia ou movimento de qualquer classe social – no início, ele é apenas patrimônio de uma minoria. A questão é se historicamente – ou seja, em longo prazo – o sionismo acabou sendo a ideologia e a política da grande burguesia judaica como um todo. Para ser mais direto: é verdade que, por exemplo, o Barão Edmund de Rothschild tinha diferenças táticas com Herzl. Mas hoje, com quem está a família Rothschild? Com o sionismo ou contra o sionismo? É assim que a pergunta deve ser feita.

Por outro lado, argumenta-se que os pioneiros da colonização palestina eram artesãos, pequenos comerciantes pobres, pessoas de quem se pode dizer qualquer coisa, exceto que tinham uma grande conta bancária. Dessa forma, eles tentam dar – como veremos mais adiante – uma imagem “plebeia” e até mesmo “operária” e “socialista” do sionismo. Somos apresentados às figuras de Pinsker, um humilde sonhador, de Herzl, um simples jornalista que se torna o segundo Moisés, de Borochov, um “socialista” e “marxista”, e assim por diante.

É claro que não estava nos planos do Barão Edmund de Rothschild e de outros cavalheiros como ele mudar-se pessoalmente para trabalhar a terra na Palestina. Mas isso não significa nada em termos da caracterização de classe do sionismo. A questão principal é: a quem serviam os interesses dos humildes e desesperados alfaiates, vendedores ambulantes e desempregados de Varsóvia ou Lublin que estavam sendo enviados para a Terra Santa? É exatamente isso que Abraham Leon aponta.

Se houver alguma dúvida sobre o que isso significava em relação à situação política europeia, é o próprio Herzl que a esclarece: um de seus temas obsessivos é que a emigração dos judeus para a Palestina é a única garantia de que eles não serão tomados por “partidos subversivos”. Herzl se encontra com Guilherme II, imperador da Alemanha: “Herzl delineou seu projeto em termos gerais. Em seguida, discutiram o problema judaico, o caso Dreyfus, a influência da Alemanha no Oriente e a vantagem que ele poderia obter com a solução do problema judaico, que, se não fosse resolvido, empurraria – como Herzl não deixou de enfatizar – os judeus para partidos subversivos. O Kaiser parecia estar convencido.[5]

Herzl discursa no Primeiro Congresso Sionista: “Se, finalmente, o governo russo permanecer neutro, os judeus se verão desprotegidos no regime existente e se voltarão para partidos subversivos… O sionismo é, simplesmente, o pacificador.[6]

É essa função do sionismo como “pacificador” e obstáculo para que os judeus “passem para partidos subversivos” que permite a Herzl fazer acordos com os personagens mais sinistros do império dos czares, como Plevhe, o conde Whitte ou Ivan von Simonyi, todos notórios antissemitas e organizadores de pogroms.

“Até agora, meu mais fervoroso apoiador é o antissemita de Presburgo Ivan von Simonyi…”, escreveu Herzl em 4 de março de 1896.[7] Posteriormente, às vésperas da primeira revolução russa, Herzl chegou a Petrogrado e fez um acordo com Plevhe, o ministro do czar: ‘Eu gostei muito da oportunidade que me foi oferecida’, relatou Herzl mais tarde ao Sexto Congresso Sionista, ‘para entrar em contato com o governo daquele país [Rússia], e posso dizer que encontrei alguma compreensão para as aspirações sionistas, ouvindo também expressões de boa vontade para fazer algo decisivo para nós… Quanto ao movimento sionista, foram-me feitas grandes promessas. Posso dizer que o governo russo não tem intenção de impedir o sionismo, desde que ele mantenha seu caráter pacífico e legal.[8] Que caráter de classe, que interesses poderiam ser representados por um movimento como o movimento sionista que, em meio à revolução russa, conseguiu o milagre de ser autorizado pelo governo czarista a funcionar sem “impedimentos” e que, além disso, “contribuiu para suas despesas”? Na Rússia, esse milagre não foi alcançado nem mesmo pela burguesia boa e pacífica do Partido Democrático Constitucional (Kadete). E foi conseguido pelo sionismo desde um governo que se distinguia pelo massacre permanente de cidadãos judeus! Para explicar esse milagre político, pode-se naturalmente apelar para a Providência Divina, para a Santíssima Trindade ou para Jeová, conforme o gosto; nós, materialistas, oferecemos outra explicação: o czarismo (“o baluarte da reação europeia”, segundo Lênin) e o sionismo conseguiram chegar a um acordo porque seus interesses de classe coincidiram. Ambos, cada um em sua própria esfera e com métodos diferentes, refletiam os interesses mais retrógrados e contrarrevolucionários das burguesias imperialistas da Europa.

Esse era o significado do sionismo na estrutura da luta de classes europeia. Se tivesse sido reduzido a isso, ele teria entrado para a história como um dos muitos partidos ultrapatrióticos e reacionários que se aglomeravam principalmente no centro e no leste do Velho Continente. Poucos saberiam de sua existência hoje. Mas o programa sionista não era apenas retirar as massas judaicas da luta de classes na Europa (e, portanto, dos “partidos subversivos”), seu outro lado era levar essas massas para fora da Europa a fim de constituir um Estado judeu.

A história do sionismo de acordo com os sionistas

Os defensores do sionismo, especialmente seus apologistas de “esquerda”, reivindicam exatamente esse outro lado. Eles aceitam que Herzl e o movimento sionista não eram exatamente um fator progressista na política europeia, mas argumentam que isso é secundário em relação a um fato essencial: o sionismo deveria ser o movimento de libertação nacional do povo judeu. Um movimento nacional semelhante, em última análise, àquele que conquistou a independência da Argélia ou da Índia, dos países da África negra ou da Indonésia, e assim por diante.

Esses movimentos nacionais geralmente não estão dirigidos pelo proletariado, nem suas organizações políticas são marxistas revolucionárias, mas o leninismo postula que eles devem ser apoiados. Assim, Lênin e Trotsky apoiaram, por exemplo, a luta pela independência nacional na Turquia, apesar do fato de ela ser liderada pela burguesia e ter anticomunistas como Kemal Ataturk à frente. Da mesma forma, eles apoiaram a luta do Afeganistão contra o imperialismo britânico, apesar de sua liderança não ser nem mesmo burguesa, mas feudal. O emir feudal do Afeganistão era mais progressista, argumentam os sionistas, do que o burguês Theodore Herzl? Por outro lado, continua o argumento sionista, depois de Herzl, a liderança do movimento sionista na Palestina foi assumida pelos pioneiros, os antigos artesãos e pequenos burgueses do gueto, que se tornaram trabalhadores e camponeses em sua própria terra.

“O sionismo, sociologicamente falando – diz Dov Barnir, líder do MAPAM, o partido sionista de “esquerda” – foi um movimento da pequena burguesia empobrecida que, por sua própria essência e suas atividades, de fato, tinha dois objetivos: a proletarização das massas judaicas e a organização de sua produtividade.

“Vá a Israel e veja: você verá um milhão de trabalhadores judeus – com suas famílias, um milhão e meio de pessoas que deixaram os negócios, descem para as minas, empunham o martelo e trabalham na terra. Isso é “burguês”? Quando o movimento sionista, em grande parte democrático, cria uma coalizão de partidos (que não tem nada a ver com as coalizões do governo israelense), isso é “conluio” com a burguesia, em um momento em que as “frentes únicas” do Terceiro Mundo não reconhecem… a diferenciação social? … Não nos esqueçamos de que, desde a década de 1930, o movimento sionista mundial está sob a hegemonia operária…” (ele quer dizer que é liderado pelo partido trabalhista MAPAI). E acrescenta mais adiante: “O próprio Mao Tsé Tung não desdenhou nem rejeitou, na hora da libertação nacional, a ajuda de partidos normalmente chamados de burgueses… No caso particular das nações modernas, discriminadas ou oprimidas, o processo parece ser o seguinte: quem diz opressão, diz movimento de libertação nacional; quem diz movimento nacional, diz coalizão nacional; e quem diz coalizão nacional, progressista e não reacionária, diz hegemonia indispensável à classe trabalhadora e ao campesinato. Essa, em suas linhas gerais, foi a história do sionismo.”[9]

Vejamos mais de perto a história desse “movimento de libertação nacional”, segundo os sionistas: o povo judeu, disperso pela ocupação romana da Palestina, teria desejado constantemente retornar àquela terra, à qual tem mais direito do que qualquer outra pessoa, segundo os textos bíblicos.[10] Não se explica por que durante dois mil anos eles não tentaram retornar, embora tivessem ótimas chances de fazê-lo, especialmente durante a Idade Média, quando os judeus desfrutavam de uma posição privilegiada no mundo árabe e se davam muito bem com o Islã. Seja como for, na segunda metade do século XIX, motivado pelo crescimento do antissemitismo na Europa, o sionismo tomou forma como um “movimento de libertação nacional”. A emigração para a Palestina começou a ser organizada. A Palestina, de acordo com os sionistas, estava em um estado deplorável, vazia ou quase vazia: “Vastas regiões do país permaneciam inexploradas e pertenciam a senhores feudais ausentes. Elas estavam infestadas de malária e, com exceção de algumas tendas beduínas espalhadas, eram desabitadas e, portanto, disponíveis.”[11] “Núcleos heterogêneos coexistiam na Terra Santa, muçulmanos (xiitas e sunitas), cherquizes, maronitas, cristãos, ortodoxos gregos. De fato, algumas famílias de camponeses judeus nunca haviam deixado o país após a destruição do Segundo Templo e mantinham duas aldeias tradicionais na Galileia. Foi em uma terra sem povo que, lentamente, no final do século passado, um povo sem terra começou a trilhar seu caminho.”[12]

De acordo com os sionistas, essas pessoas estavam retornando à sua terra para trabalhá-la e não pretendiam de forma alguma explorar – como fazem os colonialistas – o trabalho dos árabes: “… em uma colônia, o nativo trabalha e não é proprietário, enquanto o colono é proprietário e não produz; no Estado de Israel, os judeus são proprietários da terra e a cultivam eles mesmos, enquanto os árabes também são proprietários de suas terras e as cultivam eles mesmos.”[13]

Em 1917, o governo britânico, em troca dos serviços científicos prestados pelo grande químico sionista Dr. Weizmann, emitiu a Declaração de Balfour, reconhecendo o direito de estabelecer na Palestina um “lar nacional” para o povo judeu. De acordo com o Dr. Weizmann, esse foi “um ato único de consciência mundial”.[14]

No entanto, o imperialismo britânico logo lamentou esse raro “ato de consciência” e, sob o mandato da Liga das Nações, transformou a Palestina em uma colônia.

O sionismo então desenvolveu uma luta anti-imperialista que culminou em uma “guerra de libertação antibritânica”: “O Estado de Israel surgiu… de um mandato britânico e não de um estado árabe.”[15] “A luta dos judeus contra o colonialismo britânico foi uma luta anti-imperialista, auxiliada pela União Soviética.”[16] Nessa luta – de acordo com os sionistas – foi criado um “exército de libertação nacional” ou “milícia popular”: o Haganah.

Infelizmente, os árabes foram jogados contra os sionistas e tiveram de combatê-los também. Por que isso aconteceu, de acordo com os sionistas: o povo árabe estava sob a influência de seus senhores feudais e de governos arqui-reacionários mobilizados pelo imperialismo britânico e também pelo nazismo: “A sociedade árabe era semifeudal, governada por proprietários de terras e líderes religiosos. A população judaica representou um fator de modernização, introduzindo estruturas econômicas e sociais capitalistas e, ao mesmo tempo, elementos de teor socialista.”[17] Além disso, trouxe o sindicalismo, na forma da grande central operária Histadrut. De acordo com os sionistas, ao comprar suas terras dos grandes senhores árabes, eles estavam promovendo uma verdadeira revolução agrária: “Devemos tomar partido do velho feudalismo árabe e lamentar o fato de que não foi uma revolução árabe, mas uma revolução judaica, que destruiu pacificamente o feudalismo?”[18] O fato lamentável é que, estimulados pela propaganda reacionária dos feudalistas apoiados pelo imperialismo britânico, os árabes se opuseram à resolução das Nações Unidas que impôs, em 1947, a divisão da Palestina e a criação do Estado de Israel, de um lado, e de um Estado árabe palestino, de outro. A guerra civil eclodiu e Israel também foi invadido por cinco estados árabes. Ele conseguiu derrotá-los, entre outras coisas, graças à ajuda da União Soviética e de outros países socialistas que haviam apoiado a divisão. Eles forneceram armas a Israel. “A guerra de 1948 foi travada pelos regimes árabes feudais e reacionários para impedir o progresso social na região.”[19]

Israel derrotou os feudais, mas, infelizmente, o problema dos refugiados foi criado. Muitos palestinos, cegos pela propaganda dos governos árabes, deixaram o país na esperança de voltar atrás dos exércitos árabes vitoriosos. Quando eles foram derrotados, não puderam retornar. Os Estados árabes, por outro lado, tomaram a maior parte do território que pertenceria ao Estado palestino, que, por causa deles, não pôde ser criado. Desde então, os refugiados têm vivido em campos miseráveis na Jordânia, no Líbano, etc. “É verdade que os campos de refugiados árabes são um escândalo e uma vergonha, um estigma da violência usada contra populações civis, mas eles são uma vergonha para os árabes, não para os judeus. São uma violência injusta que vem ocorrendo há vinte anos, mas é imposta aos árabes pelos árabes, não pelos judeus.”[20] Como é possível que os árabes sejam tão maus com seus compatriotas? Porque, responde Misrahi, “eles precisam de mártires”.[21] “Será que os árabes realmente não têm terra? Será que não têm terra que lhes permita integrar os refugiados…?”[22] Os sionistas concluem que, se não o fazem, é porque não querem.

Assim, de acordo com os sionistas, desde 1948, Israel vem construindo uma sociedade quase socialista; um socialismo muito singular, se preferir, mas socialismo mesmo assim. “O socialismo é um projeto nos países árabes e uma realidade em Israel.”[23] Os kibutzim (fazendas coletivas) são o maior exemplo dessa marcha rumo ao socialismo. “Os kibutzim nunca usam assalariados de fora do kibutz, para não explorar nenhum trabalhador.”[24] O papel central desempenhado pela poderosa central operária (a Histadrut) também atestaria o que os sionistas dizem.

Infelizmente, esse socialismo peculiar não pode ser construído em paz. Os árabes teimam em manter um estado de guerra permanente: “As revoluções antifeudais ‘progressistas’ nos países árabes, em vez de reconhecerem seu interesse comum com Israel no desenvolvimento progressivo, seguiram e endureceram os procedimentos chauvinistas dos regimes feudais.”[25] Assim, em 1956, os ataques de guerrilheiros palestinos “forçaram Israel a invadir o Sinai”, em uma época em que Nasser tinha acabado de nacionalizar o Canal de Suez. Israel então teve que se aliar à Grã-Bretanha e à França para atacar o Egito, mas não por motivos imperialistas (como o retorno do canal às mãos da empresa anglo-francesa que Nasser havia nacionalizado), mas para destruir os ninhos de guerrilha. Em 1967, algo semelhante aconteceu: 100 milhões de árabes estavam prontos para cair sobre 2,5 milhões de israelenses e “jogá-los no mar”. E o milagre de Davi derrotando Golias se repetiu! De acordo com os sionistas, todas as ações do exército israelense sempre tiveram o mesmo caráter: são defensivas ou “preventivas”. Os ataques aos acampamentos palestinos têm o mesmo motivo, mesmo que “o Fatah seja composto por apenas algumas centenas de audaciosos”.[26] Eles afirmam representar um “povo palestino”. Mas pode-se realmente falar de um “povo palestino”? Do ponto de vista legal, não existe um povo palestino. Do ponto de vista sociológico, não sou especialista, mas não tenho certeza de que exista… Não concebo seriamente o conceito de um ‘povo palestino’… “[27]

Por fim, digamos que, para os sionistas, é falso que Israel seja a cabeça de ponte dos EUA no Oriente Médio. Israel nasceu apoiado principalmente pela URSS, e não pelos EUA. Se depois disso teve de se sustentar na América do Norte, foi – segundo os sionistas – porque a URSS começou a flertar com os regimes árabes depois de 1950.

O estranho início de um “movimento de libertação nacional”.

Até agora vimos a história de Israel, narrada pelo sionismo, ou melhor, pela “esquerda” sionista, já que a ala direita, um general Dayan, por exemplo, não se dá ao trabalho de se passar por “anti-imperialista”. Essa é a história contada pelos grandes jornais que – estranhamente – defendem um pequeno país “socialista” contra uma coalizão colossal de “reis feudais”, “generais fascistas” e “mercenários do Fatah”. Essa posição unânime da grande imprensa capitalista é algo que não se vê todos os dias! Teríamos que começar a revisar o marxismo se essa beleza fosse verdade. Felizmente, não precisamos fazer isso, porque a “história” sionista da Palestina prova apenas uma coisa: que a capacidade de mentir é infinita.

Voltemos aos primórdios do movimento sionista. Ou seja, à segunda metade do século XIX, quando começou a emigração para a Palestina e a ideologia, a política e a organização do sionismo tomaram forma. Já na introdução, o leitor deve ter percebido que é totalmente mitológico falar de “sionismo” antes dessa data, mesmo que algumas pessoas delirantes afirmem que o sionismo foi fundado – acredite ou não – pelo próprio Moisés quando ele deixou o Egito![28] É claro que isso não pode ser levado a sério. É um dos muitos mitos nacionalistas, como o de Rômulo e Remo na Itália, por exemplo. No entanto, nós o citamos – não para rir – mas por um motivo muito sério: por trás de lendas como essa, há uma tentativa de ocultar a verdadeira estrutura histórica em que o sionismo começou: essa estrutura é a da expansão colonial da Europa na Ásia e na África.

“Vimos”, diz Lênin, “que o período de desenvolvimento máximo do capital pré-monopolista, o capitalismo no qual predomina a livre concorrência, vai de 1860 a 1880. Agora vemos que é precisamente após esse período que começa o enorme “auge” das conquistas coloniais, a luta pela divisão territorial do mundo é exacerbada em um grau extraordinário. Não há dúvida, portanto, de que a passagem do capitalismo para a fase do capitalismo monopolista, do capital financeiro [ou seja, para a fase imperialista, N.R.], está ligada à exacerbação da luta pela divisão do mundo.”[29]

O que isso tem a ver com o sionismo? Como é possível relacionar a expansão colonial do imperialismo europeu com as esperanças do humilde artesão ou do pobre estudante que, nos guetos da Europa Oriental, começava a sonhar em ter um país onde não seria humilhado e perseguido? Quando falamos de expansão colonial europeia, as imagens que vêm à mente são as da poderosa frota inglesa “mestre dos mares”, os canhões dos exércitos do Kaiser, a Legião Estrangeira da “França livre” caçando árabes no norte da África ou os cossacos do czar expandindo para a Ásia. É difícil, em princípio, relacionar isso com o pequeno comerciante de Kiev que vivia apreensivo com a perspectiva de um pogrom. Mas havia um elemento objetivo, como diz Rodinson, um detalhe pequeno e aparentemente sem importância: a Palestina estava ocupada por outro povo.[30]

Lendo a “bíblia” do sionismo – O Estado Judeu, de Theodore Herzl – pode-se apreciar muito bem o “pequeno detalhe” de que fala Rodinson: tudo é discutido ali, desde as horas e turnos de trabalho até como será o alojamento, a cor da bandeira e assim por diante. Mas há apenas uma palavra que não aparece no livro de Herzl, que é a palavra “árabe”.

Em seu livro, esse intelectual europeu do final do século resolveu meticulosamente todos os problemas que previu para a fundação do novo Estado e seu funcionamento. Por acaso ele se esqueceu de lidar com o problema de que a Palestina era habitada (e não por judeus) e que esses habitantes poderiam ter uma palavra a dizer sobre o assunto? Se a Palestina fosse, naquela época, o centro de uma grande potência imperialista, Herzl teria considerado o problema de seus habitantes como o principal problema ou não? Ou, se o estado que ele pretendia fundar, em vez de ser estabelecido às margens do Jordão, fosse estabelecido às margens do Tâmisa, Herzl não teria levantado a presença dos ingleses como uma questão central?

“A ideologia de uma sociedade é a ideologia de sua classe dominante”. A burguesia imperialista europeia havia contagiado todas as classes da sociedade e até mesmo grande parte do movimento operário com a embriaguez da expansão colonial.Com exceção de uma seção minoritária do movimento operário, para o restante dos europeus (mesmo para muitos dos mais pobres e oprimidos) o mapa do mundo estava “em branco” fora das zonas “civilizadas” da Europa e dos EUA. Quando Herzl nem sequer menciona os árabes ou quando Zangwill mais tarde lança seu famoso slogan (“um povo sem terra para uma terra sem povo”), eles sabiam – é claro – da existência dos árabes. Isso não era uma “desinformação”. O que eles estavam simplesmente dizendo era que a Palestina era uma terra sem povos europeus![31] E, com isso, o sionismo não estava inventando nada: estava apenas copiando, ou melhor, adaptando-se à ideologia e às concepções que coroaram a expansão colonial da Europa.

Dentro dessa concepção geral, veremos agora com mais clareza o papel reservado aos judeus desesperados do Leste Europeu. Pois no colonialismo europeu do final do século, as massas mais miseráveis também tinham um papel a desempenhar. Lênin não deixa de enfatizar isso quando cita Rhodes, o criador da colônia africana da Rodésia e um dos teóricos do estágio colonialista do imperialismo: “Cecil Rhodes, de acordo com um amigo íntimo seu, o jornalista Stead, contou-lhe sobre suas ideias imperialistas: ‘Ontem eu estava no East End de Londres (distrito da classe trabalhadora) e participei de uma assembleia de desempregados. Ouvindo lá discursos exaltados cuja nota dominante era pão! pão! e refletindo em casa sobre o que tinha ouvido, fiquei mais convencido do que nunca da importância do imperialismo… A ideia que acalento representa a solução do problema social: para salvar os quarenta milhões de habitantes do Reino Unido de uma guerra civil desastrosa, nós, os políticos coloniais, devemos tomar posse de novos territórios; para eles enviaremos a população excedente…'”[32]

Em que isso difere da abordagem de Herzl? Substituamos as palavras “problema social” por “problema judaico”, “guerra civil desastrosa” por “ir para os partidos subversivos” e observemos que o Sr. Rhodes também não se preocupa em mencionar os habitantes nativos desses “novos territórios” (eles também eram “terras sem povo”!). Quase completa, dizemos, porque Herzl estava perdendo um elemento objetivo que veremos mais tarde.

E a expansão colonial, assim, levantou sua tanga filantrópica: quem – exceto pessoas como Lênin e Trotsky – poderia se opor a que os famintos do East End deixassem seus casebres para criar uma nova vida nas pastagens da África do Sul? E quem – exceto “subversivos” como Lênin e Trotsky – poderia se opor a que os pobres judeus da Europa Oriental saíssem da escuridão de seus guetos para torrar ao sol da Palestina? E eles realmente ganharam com a troca, infelizmente, às custas dos árabes. E isso, em qualquer idioma, é chamado de colonialismo.

O sionismo em busca de um bom partido

Por razões didáticas, começamos a análise da colonização sionista da Palestina com suas concepções gerais e sua ideologia. Vamos agora abordar sua política.

Dissemos que Herzl carecia de um elemento objetivo que Rhodes, mais felizmente, possuía: um imperialismo próprio, no caso de Rhodes, o imperialismo britânico. É por isso que a política de Herzl (e a de seus sucessores) terá esse problema em seu cerne, ou seja, envolver-se ou casar-se com alguma potência imperialista. Isso explica por que a principal atividade de Herzl é sua aproximação com as várias potências imperialistas europeias, buscando inserir o sionismo como parte de sua política colonial. Com esse objetivo, ele se aproximou do Kaiser, seu parceiro júnior, o sultão do Império Turco e, por fim, da Inglaterra. Naquela época, a Palestina estava nas mãos dos turcos.

“Se Sua Majestade o Sultão”, escreveu Herzl a ele, “nos desse a Palestina, nós nos comprometeríamos a estabilizar completamente as finanças da Turquia. Para a Europa, constituiríamos ali um bastião contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Como um estado neutro, estaríamos em contato permanente com a Europa, que garantiria nossa existência.” [33] Comentando isso, Rodinson acrescenta: “Seria difícil situar o sionismo mais claramente na estrutura da política imperialista europeia.”[34]

Herzl também propõe ao Kaiser “uma companhia fretada sob o protetorado alemão”.[35] O que era uma companhia fretada? O clássico do sionismo, N. Sokolow, deixa claro: “Todas as grandes vitórias da Grã-Bretanha em suas conquistas pacíficas (sic), começando com a instituição de um fundo ou trust, inspiraram os sionistas. Cecil Rhodes [novamente o Sr. Rhodes reaparece, N.R.], que começou com apenas um milhão de libras esterlinas, criou a Rodésia, que tem uma área de 750.000 milhas quadradas. A British North Borneo Company tinha um capital de 800.000 libras e agora controla um território de 31.000 milhas quadradas. A British East Africa Company, que possui 200.000 milhas quadradas, iniciou suas atividades com um capital inicial de 250.000 libras esterlinas, ou seja, o mesmo que o do fundo colonial judaico”[36] (fundado por Herzl para esse fim). Em outras palavras, Herzl propôs ao Kaiser uma colônia sob o protetorado alemão e pediu que ele pressionasse o sultão.

O Kaiser não ajudou Herzl, e quanto ao sultão da Turquia – um país que era imperialista em relação aos povos árabes que dominava, mas dependente do imperialismo alemão – ele respondeu: “O Império Turco não pertence a mim, mas ao povo turco. Não posso distribuir nenhuma parte dele; que os judeus fiquem com seus milhões! Quando meu império for dividido, eles poderão obter a Palestina de graça. Mas será apenas o nosso cadáver que será dividido. Nunca aceitaremos uma vivissecção.”[37]

Diante da recusa do sultão, a reação de Herzl é significativa: ele esperava obter a companhia fretada, ou seja, a colônia, “após a divisão da Turquia”.[38] Quem era o candidato para realizar a “vivissecção” ou divisão do cadáver turco? A Inglaterra. Herzl se voltou para ela, mas era cedo demais. A nova divisão do mundo colonial não aconteceria até a guerra de 1914, a Primeira Guerra Mundial Imperialista. Herzl morreu em 1904.

O primeiro casamento do sionismo: a Declaração Balfour

“A Divina Providência colocou a Síria e o Egito na estrada entre a Inglaterra e as regiões mais importantes de seu comércio exterior colonial, a Índia, a China, o Arquipélago Indiano e a Austrália… A Divina Providência, portanto, conclama a Inglaterra a se empenhar energicamente na criação de condições favoráveis nessas duas províncias… A Inglaterra deve iniciar o trabalho de renovação da Síria por meio da ação do único povo cuja energia pode ser constante e eficientemente utilizada, por meio da ação dos verdadeiros filhos daquela terra, os filhos de Israel.”[39] Essas palavras, da boca do Coronel George Gawler, ex-governador da Austrália, foram proferidas no Parlamento inglês no dia 25 de janeiro de 1853. E elas não são únicas.

A partir da metade do século, o império estava se expandindo a todo vapor. Seus estadistas, portanto, estavam lançando mão de todos os tipos de artimanhas para conquistar uma posição em todos os continentes. Um dos mais engenhosos e frequentes era usar, importar ou inventar conflitos nos países atrasados nos quais a Grã-Bretanha intervinha para “pacificar” ou “defender os direitos” de uma das partes. Assim, por exemplo, quando a construção do canal do Atlântico para o Pacífico estava sendo considerada, não através do Panamá, mas através da Nicarágua, a Grã-Bretanha alegava que na costa do Atlântico havia um “Reino dos Índios Mosquitos” e que, a pedido do rei da Mosquitia, ela havia assinado um tratado para “proteger” essa “nação” do imperialismo nicaraguense…. “Coincidentemente”, esse reino fantoche estava localizado na foz do canal planejado. Esses eram os métodos de Sua Graciosa Majestade Britânica.

A ideia de cumprir as ordens da “Divina Providência”, ou seja, usar os judeus como bucha de canhão para colonizar a “terra santa”, sempre esteve em voga em Londres, muito antes de o sionismo existir. Lord Shaftesbury, em uma carta a Palmerston, o Ministro das Relações Exteriores, sugere a ele que esse método “é a maneira mais barata (sic) e segura de suprir essas regiões despovoadas [mais uma vez, a Palestina é a “terra sem povo”] com tudo o que precisam”.[40]

Portanto, as condições subjetivas para o primeiro “casamento” do sionismo já estavam estabelecidas há muito tempo. Os esforços de Herzl em Londres foram bem recebidos, mas, como já apontamos, havia uma “desvantagem” objetiva: a Palestina estava nas mãos da Turquia. Por enquanto, Herzl recebeu a oferta de colonizar Uganda ou o Sinai egípcio. Isso não deu certo. Havia também outro problema objetivo: o sionismo não era muito forte entre as massas judaicas. Aqueles que queriam emigrar o fizeram em massa para a América, e muito poucos para a Palestina. E boa parte dos que permaneceram foi influenciada pelos malditos “partidos subversivos” que Herzl havia revelado e, portanto, eram antissionistas. Isso mudaria mais tarde, com o crescimento brutal do antissemitismo na Europa.

O namoro entre o imperialismo britânico e o sionismo terminaria em casamento em 1917. Com a Primeira Guerra Mundial, chegou a hora da “divisão da Turquia”, já prevista por Herzl. Para apressar essa “vivissecção” ou “autópsia” do império turco, a Grã-Bretanha fez uso do movimento nacional dos árabes, que havia começado a despertar anos antes. Ela fez vagas promessas de independência para levá-los a lutar contra o sultão e fez acordos com alguns chefes árabes, como Houssein, Xerife de Meca e seu filho Faisal.

É claro que a Grã-Bretanha, apesar de não desgostar do uso do sangue árabe para derrotar o império turco, não tinha a intenção de permitir que os árabes conquistassem sua independência nacional. Assim, ao mesmo tempo em que fez essas promessas, assinou com a França um acordo secreto sobre a divisão da área (o Tratado Sykes-Picot) e emitiu a chamada “Declaração de Balfour” (2/11/1917), descrita com razão como a “aliança de casamento” entre o sionismo e o imperialismo britânico. A declaração dizia o seguinte:

“Caro Lord Rothschild, tenho grande prazer em lhe encaminhar, em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia pelas aspirações sionistas judaicas, que foi submetida e aprovada pelo Gabinete.

O governo de Sua Majestade vê com bons olhos o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu e empregará seus melhores esforços para facilitar a realização desse objetivo, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas, ou os direitos e o ‘status’ político dos judeus residentes em qualquer outro país.”[41]

Com a “Declaração de Balfour”, teve início a segunda etapa do sionismo, que culminaria com a criação do Estado de Israel. O sonho de Herzl havia se tornado realidade: finalmente, o sionismo havia se alinhado com a política colonial de uma grande potência!

Assim, o caminho para a criação do Estado de Israel foi aberto com as seguintes características:

  • Por uma declaração unilateral de uma grande potência imperialista.
  • Essa declaração impôs o destino de uma região da Ásia que nunca havia pertencido, e nunca pertenceu, à Grã-Bretanha. A Grã-Bretanha estava generosamente dando a Lord Rothschild o território de uma nação estrangeira.
  • Ela não levou em conta os desejos ou a vontade do povo palestino, 93% dos quais eram árabes em 1917.
  • Esses 93% de árabes foram reduzidos ao status de “não judeus” em um “lar nacional judeu”, ou seja, estrangeiros ou quase estrangeiros em sua própria terra! Para salvar a face, falou-se de seus “direitos civis e religiosos”, negando-lhes o direito número um de qualquer povo colonizado e oprimido: o da autodeterminação, o direito de decidir por si mesmos e democraticamente o destino de seu país, sem a interferência de ninguém, muito menos de uma grande potência imperialista.

Se ainda restar alguma dúvida de que o que o sionismo estava fazendo era simplesmente interferir na política geral do imperialismo britânico, damos a palavra ao Dr. Weizmann, chefe da Organização Sionista e iniciador da declaração: “Ao apresentar a vocês [ele se dirige ao Gabinete Britânico] nossa resolução, confiamos nosso destino sionista ao Foreign Office[42] e ao Imperial War Cabinet, na esperança de que eles sejam considerados à luz dos interesses imperiais.”[43] É impossível falar de forma mais clara.

A Declaração Balfour e o casamento com o sionismo, além de dar aos britânicos um auxiliar valioso para estabelecer um futuro protetorado sobre a Palestina e uma arma essencial – como veremos – para esmagar o movimento nacional árabe, tiveram outras motivações mais globais: a política de guerra do imperialismo britânico e a luta contra a Revolução Russa.[44]

Palestina sob ocupação e mandato britânico (1918-1948)

No final da Primeira Guerra Mundial, os Aliados (Grã-Bretanha, França, Itália, EUA, etc.) provaram que a visão de Lênin sobre eles era milimetricamente precisa: eram um grupo de bandidos imperialistas lutando contra outro grupo de bandidos imperialistas (Alemanha, Áustria, etc.) pela distribuição das colônias e das “esferas de influência” de seus monopólios. No final da guerra, todas as promessas de “paz com justiça” ou “paz sem anexações” foram esquecidas, e os vencedores dividiram os despojos, não sem as brigas de qualquer gangue de gângsteres, e que despojos: “o bilhão de escravos coloniais” de que falava Lenin.

A gangue vencedora decidiu se institucionalizar na forma da “Liga das Nações”, um predecessor digno das Nações Unidas de hoje. Era uma questão de dar um verniz “legal” à divisão. E, na forma previamente acordada, a Inglaterra recebeu a Palestina sob um “mandato da Liga das Nações”, porque era ruim o suficiente dizer que a estava recebendo como colônia. As promessas feitas aos árabes foram desrespeitadas.

Mas os árabes não estavam dispostos a ser ridicularizados. A Guerra de 1914 não só produziu um grupo de imperialismos vitoriosos, mas também, pela primeira vez na história, um Estado operário, a União Soviética, que repudiava as conquistas coloniais e conclamava esses “bilhões de escravos” a expulsar os colonizadores.

Além disso, em todo o mundo colonial ou semicolonial, do México à China e à Índia, da Turquia à África negra, uma poderosa onda de lutas antiimperialistas estava começando. Os “bilhões de escravos coloniais” estavam em marcha. E o mundo árabe não era, de forma alguma, uma exceção.

Dentro desse mundo árabe, o Oriente Médio seria a área em que ocorreriam as lutas mais importantes contra os imperialismos britânico e francês que ali dominavam. Entre as duas guerras mundiais, houve várias revoltas em massa. A Palestina estava no centro dessa luta anti-imperialista, especialmente durante a colossal insurreição de 1936/39, que, para ser reprimida, exigiu metade da força de todo o exército do Império Britânico; um exército que, na época, era um dos mais poderosos do mundo.[45] Essa revolta começou com uma greve geral que durou seis meses.[46] Deve ser a greve geral mais longa da história da luta de classes.

Milhares de palestinos foram mortos, presos e condenados à forca ou a longas penas de prisão. Em 1939, o heroico povo palestino foi derrotado após esse terrível banho de sangue. Essa é a principal chave para a relativa facilidade com que o Estado de Israel pôde ser instalado em 1947-1948.[47]

A derrota palestina é explicada principalmente por três fatores:

  • Um equilíbrio de poder altamente desfavorável com o imperialismo. Isso tem a ver com a situação mundial: a década de 1930 é o período das mais sérias derrotas não apenas para o movimento trabalhista europeu, mas também para as massas dos povos coloniais e semicoloniais. É a época do triunfo do nazismo na Alemanha, do fascismo na Espanha, da consolidação do stalinismo na URSS; é a época da “Década Infame” na Argentina, da guerra na Abissínia, da anexação da Manchúria pelo Japão, da derrota das guerrilhas na China, que obriga Mao Tsé-Tung a empreender a “longa marcha”, etc. Por outro lado, a Grã-Bretanha ainda era o império colonial mais forte do mundo, era o imperialismo que mais havia se recuperado da crise de 1929-1930, e também não tinha nenhum problema importante em sua “frente interna” que o impedisse de voltar-se para a repressão das massas coloniais.
  • Os rumos do movimento nacional árabe. O escritor árabe Fawwaz Trabulsi nos diz: “A escolha ilógica que se seguiu foi entre o clã pró-britânico Nashashibi e os Housseinis, liderados pelo notório Mufti – que já foi um fantoche britânico – que se voltou para as potências do Eixo em meados da década de 1930. Essa é a liderança que traiu o levante de 1936, quando, sob pressão dos governantes do Iraque, da Transjordânia e da Arábia Saudita, suspendeu a greve geral para negociar com a Grã-Bretanha. A grande classe de camponeses sem terra e deslocados fez sua presença ser sentida pela continuação de uma violenta guerra de guerrilha que foi derrotada na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Depois disso, os árabes palestinos derrotados, desmoralizados e traídos por seus líderes, aguardaram o resultado do conflito entre os colonos sionistas e os britânicos. “[48] Os fracassos de liderança sofridos pelo movimento nacional palestino não tinham a ver apenas com as hesitações clássicas (ou traições diretas) dos líderes “feudais “[49] , burgueses ou pequeno-burgueses dos movimentos nacionais de qualquer país colonial ou semicolonial. Na Palestina, havia um elemento agravante peculiar que – de acordo com Fawwas Trabulsi e outros autores – desempenhou um papel decisivo: o processo de desintegração e marginalização da sociedade árabe como um bloco, um processo no qual o sionismo – como veremos – era o culpado. A burguesia radicalizada ou a pequena burguesia que seria, em outros países árabes, o suporte do nasserismo, do baathismo e de outras correntes nacionalistas que os precederam, estava ausente ou extremamente fraca. A burguesia palestina era uma burguesia sombra em comparação com a de outras regiões do mundo árabe. Um fenômeno semelhante de marginalização estava para acontecer com o proletariado e o campesinato nascentes. Mas aqui o problema da liderança sofreu um novo fator agravante: a falência da Internacional Comunista, a única tendência que tinha força suficiente em escala mundial para penetrar e contestar a liderança. Infelizmente, a Internacional Comunista, que começou (na época de Lênin e Trotsky) denunciando o sionismo como um exemplo mundial de colonialismo[50], acabaria, com Stalin, apoiando o sionismo. Essa trajetória de degradação passa pelo apoio e pela aliança com os imperialismos “democráticos” na década de 1930, justamente quando as massas palestinas estão fazendo o máximo para acabar com o imperialismo “democrático” que as oprime. Desse modo, o Partido Comunista Palestino se isola das massas árabes, indo de uma crise a outra e de uma crise a outra, até que, em 1948, acaba apoiando a divisão do país e a criação do Estado de Israel.
  • O terceiro e último fator – mas não o menos importante – foi a ação do sionismo. Não precisamos deixar claro que, em todas as lutas entre as massas palestinas e o imperialismo britânico, o sionismo sempre esteve alinhado com o imperialismo. Mas sua ação não foi meramente “política”: ela consistiu em fragmentar e marginalizar toda uma sociedade e todo um povo, os 93% de árabes palestinos que estavam lá em 1917, de modo que em 1949 (um ano após a criação do Estado) eles estavam reduzidos a 16%[51] dentro de Israel. E o restante, vivendo na miséria dos campos de refugiados, fora de seu país e de sua terra. Vejamos como esse processo ocorreu.

A liquidação econômica da população árabe

“Quando ocuparmos a terra… expropriaremos gradualmente a propriedade privada nos estados que nos foram designados. Tentaremos desencorajar a população pobre removendo-a para além da fronteira, procurando emprego para ela nos países intermediários e negando-lhe qualquer emprego em nosso país… Tanto o processo de expropriação quanto o de eliminação (!) dos pobres devem ser realizados com discrição e circunspecção.”[52] Esse registro de Theodore Herzl em seu Diário, além de provar que ele não ignorava realmente a existência de nativos no local onde queria criar o estado sionista, constitui em si um programa completo. Se revestirmos esse programa com algumas frases “socialistas”, como a negação de emprego aos árabes para “não explorá-los”, a tomada de terras dos árabes para “acabar com o feudalismo”, etc., teremos o programa aplicado pelo sionismo na Palestina e que possibilitou a criação do Estado de Israel. Com uma pequena diferença: que a “expropriação… [e] eliminação dos pobres” não poderia ser consumada “discreta e circunspectamente”, mas pela força bruta, porque esses pobres tiveram a má ideia de se opor a ela.

“O fortalecimento gradual desse colonialismo marginalizante [dos árabes]”, diz Jon Rothschild, “foi realizado sob três slogans, que foram os pilares do movimento sionista na Palestina desde o início da colonização até o estabelecimento do Estado de Israel e mesmo depois.

“Esses slogans eram: kibush hakarka (conquista da terra), kibush haavoda (conquista do trabalho) e t’ozteret haaretz (produto da terra).

“Por trás dessas palavras sonoras havia uma realidade sombria. A conquista de terras significava que o máximo possível de terras deveria ser adquirido (legalmente ou não) dos árabes e que nenhuma terra de propriedade de judeus deveria ser vendida ou devolvida aos árabes. A conquista da mão de obra significava que as fábricas e as terras de propriedade de judeus deveriam empregar exclusivamente trabalhadores judeus, na medida do possível. O trabalhador árabe era boicotado. Na verdade, o Histadrut, que hoje finge ser a “central de trabalho” em Israel, foi criado para… impor o boicote aos trabalhadores árabes… O produto da terra significava boicotar a produção árabe pelos colonos judeus e apoiar somente a compra de produtos de terras ou empresas judaicas.”[53]

O efeito dessa política sobre o povo palestino foi catastrófico. Os sionistas eram uma minoria, mas uma minoria em constante crescimento. Por outro lado, embora fossem uma minoria, possuíam um poder econômico – que é o que conta decisivamente – muito maior do que o dos árabes. E isso sem levar em conta seus laços estreitos com o imperialismo, que discutiremos mais adiante.

Naturalmente, as primeiras vítimas dessa estranha política “socialista” do sionismo foram os trabalhadores e camponeses árabes, reduzidos à condição de operários sem trabalho e camponeses sem terra, mergulhados na miséria e no desespero.

A outra face do kibutz “socialista”

A situação do camponês palestino, o fellah, já era ruim. O sionismo foi responsável por levá-la ao extremo.

“De acordo com o relatório do Comitê para o Estudo das Condições Econômicas dos Agricultores na Palestina – diz Tony Cliff em 1946 – comumente chamado de ‘Relatório Johnson-Crosbie’, apenas 23,9% do que o fellah produz permanece em suas mãos, enquanto 48,8% é consumido pelos impostos do governo, pelo aluguel do proprietário da terra[54] e pelos juros do usurário. Para entender quão baixo é o padrão de vida de um camponês árabe, em razão do atraso de sua economia e de sua exploração por vários parasitas (que constituem a principal barreira para o desenvolvimento de sua economia), farei uma comparação entre o regime de um fellah e o que o governo concede aos prisioneiros… [para calcular as despesas em libras esterlinas], presumo que um fellah, sua esposa e quatro filhos estariam presos:

ProdutosFamília fellah
na prisão
Família fellah
em liberdade
Trigo e milho£15,1£10
Azeitonas e azeite de oliva £3,8£4
Legumes lentilhas e laticínios£12,9£1
Arroz, açúcar e outros produtos, comprados pelo fellah fora de sua terra£4.7£1
Carne£6,77Casi nada
Total£43,2£18
(Como os preços no Egito são muito mais baixos do que na Palestina, os números não podem ser usados como base de comparação entre o Egito e a Palestina)

“Esses cálculos”, conclui Cliff, “nos dão uma ideia das terríveis condições suportadas pelas massas de fellahim na Palestina”.[55]

E, como se isso não bastasse, surgiu o sionismo. Ele comprou a terra do proprietário-usurário e aldeias inteiras foram despejadas nas estradas. É claro que o árabe era “bárbaro” e “ignorante” demais para se consolar com a ideia de que, na terra que os avós de seus avós haviam trabalhado, hoje estava sendo criado um kibutz “socialista” avançado, com colonos da Europa. Não sendo capaz de apreciar esse enorme “progresso”, ele perdeu a paciência e provocou rebeliões como as de 1936/39. E foi aí que as tropas de Sua Graciosa Majestade Britânica e o Haganah (exército não oficial do sionismo) intervieram para fazê-lo cair em si. Assim, o sionismo estava “conquistando a terra”.

Não é preciso deixar claro que esse processo é o oposto de uma reforma ou revolução agrária. Os sionistas se opuseram com unhas e dentes a qualquer iniciativa desse tipo, até mesmo aos tímidos projetos às vezes apresentados pela administração britânica. Uma reforma agrária genuína, ou seja, dar a terra ao fellah e livrá-lo dos parasitas proprietários e usurários, teria significado o fim do sionismo.

A alegação dos colonos sionistas de serem parentes de Emiliano Zapata, Hugo Blanco ou qualquer outro revolucionário agrário seria risível se não fosse ultrajante.

A outra face do “socialista” Histradut

Esse árabe expulso da terra estava a caminho da cidade. Lá, as coisas não eram muito diferentes nas lojas e fábricas. Os árabes eram expulsos ou impedidos de trabalhar em empresas de propriedade sionista ou estrangeira (concessões), que geralmente eram administradas por gerentes sionistas. Para entender o que isso significa, vejamos a seguinte estatística de acordo com o “censo industrial de 1939”.[56]

Tipo de produçãoInvestimentosForça motriz
Indústrias de propriedade árabe6,5%2,2 HP
Indústrias de propriedade sionista40,3%22,0 HP
Concessões53,2%74,9 HP

Onde um árabe encontrava trabalho então? Já vimos a “outra face” do kibutz “socialista”. Agora conhecemos a outra face do Histadrut “socialista”, porque esse assim chamado “sindicato” não foi criado para a luta de todos os trabalhadores (independentemente de sua nacionalidade, idioma ou assim chamada “raça”) contra os patrões, mas para a “conquista do trabalho”, para expulsar os trabalhadores árabes de seus empregos. A Ku-Klux-Klan e os “sindicatos brancos” fazem a mesma coisa nos EUA sem manchar a palavra “socialista”: eles também tentam impedir que os negros pobres sejam explorados pelos capitalistas brancos, especialmente expulsando-os de empregos qualificados. Se o que os sionistas fizeram – e fazem – não é racismo, o que há para chamar de racismo?

É preciso dizer que essa monstruosidade de colocar trabalhadores contra trabalhadores explorando suas diferenças “raciais” não tem nada a ver com o socialismo? É preciso dizer que esse racismo nojento é total e completamente incompatível com o marxismo? Ninguém tem o direito de se chamar de socialista – e muito menos de marxista – se não defender um princípio internacionalista mínimo, ou seja, se não defender a união de todos os trabalhadores, independentemente de sua nação, “raça” ou idioma.

“Trabalhadores do mundo, uni-vos!” Com esse slogan, o socialismo marxista nasceu e vive: “O trabalhador judeu luta contra o trabalhador árabe, une-se ao patrão sionista ou inglês para expulsá-lo do emprego, não o admite em seu sindicato, o Histradrut!” Esses eram os slogans do “socialismo” sionista. O marxismo e o sionismo são completamente incompatíveis.

Quando o Histadrut “socialista” não conseguia impedir que árabes e judeus trabalhassem juntos em algum lugar, tivessem relações fraternas e lutassem juntos contra os patrões, outras organizações sionistas, como o Irgun e o grupo Stern, intervinham para “convencê-los”.

Um caso famoso foi o da refinaria de petróleo de Haifa, em 31 de dezembro de 1947, onde estavam ocorrendo lutas conjuntas de trabalhadores árabes e judeus contra os patrões imperialistas. Isso, é claro, não agradou nem aos sionistas nem aos árabes reacionários, muito menos à empresa e ao governo britânico. Naquela data, um comando do Irgun jogou bombas e metralhou uma fila de trabalhadores árabes que estavam no portão para trabalhar. Seis foram mortos e dezenas ficaram feridos. Aproveitando-se desse fato, agentes provocadores entre os árabes incitaram os trabalhadores palestinos a atacar seus colegas judeus. Em seguida, eclodiu uma luta fratricida dentro da refinaria, com centenas de mortos e feridos.[57]

Os trabalhadores e estudantes ativistas que nos leem conhecem o valor inestimável da solidariedade de classe, seja por meio de sua luta na fábrica, seja por meio das greves e conflitos que apoiaram de fora. Pedimos que parem aqui por um momento e meditem sobre esse exemplo de “socialismo” sionista.

A outra face do “produto da terra”

O terceiro slogan, (t’ozteret haaretz) “produto da terra”, fechou o circuito. O sionismo impôs um boicote forçado a todos os produtos árabes: ai do fellah que ousasse levar seu carrinho de legumes para um bairro dominado pelos sionistas, ai da dona de casa judia que fosse pega por uma gangue de bandidos do Histadrut comprando meia dúzia de ovos de um árabe! [58]

Embora os sionistas fossem minoria (na época da proclamação do Estado de Israel, eles constituíam apenas um terço), seu poder de compra era maior. Essas medidas – ligadas, como veremos a seguir, à ação do imperialismo britânico – foram um ataque total à sociedade palestina como um todo, já que o objetivo final era expulsá-los de seu país. Uma vez que os sionistas e o imperialismo detinham as principais alavancas da economia, uma vez que o imperialismo, juntamente com o sionismo, superava em muito os árabes em todos os estágios do circuito econômico, da produção ao consumo, e em quase todos os ramos da produção, esse boicote triplo aos árabes (no campo, no trabalho e na produção e no comércio) tendia a transformar os palestinos como um todo em uma massa marginalizada e desenraizada de todas as atividades econômicas. A etapa final seria expulsá-los da Palestina.

Esse ataque em bloco e a desintegração “molecular” da sociedade palestina dificultaram – como já antecipamos – o surgimento de uma liderança árabe que estivesse à altura da situação. Embora os que mais sofreram tenham sido os trabalhadores da cidade e do campo, como essa agressão colonial parecia ser dirigida contra os palestinos como um todo, tornou-se muito difícil para uma diferenciação de classe deslocar as velhas famílias tradicionais da liderança do movimento nacionalista palestino; tornou-se difícil, se não impossível, o surgimento de uma liderança marxista revolucionária, pelo menos uma liderança pequeno-burguesa radicalizada, como é a atual liderança da resistência palestina. E fora da Palestina as coisas não estavam melhores. Como “porta-vozes” do mundo árabe, personagens do tipo do rei Farouk, do Egito, ou do rei Abdullah, da Jordânia, fantoches do imperialismo britânico, pareciam consumar a traição ao povo palestino.

A outra face do sionismo como um “movimento de libertação nacional”

“Não podemos ignorar os grandes interesses que a Grã-Bretanha tem no Mediterrâneo. Felizmente para nós, os interesses da Grã-Bretanha no mundo têm como base essencial a preservação da paz e, portanto, não somos os únicos a ver no fortalecimento do império britânico uma garantia importante para o fortalecimento da paz internacional. A Grã-Bretanha terá bases de defesa terrestres e marítimas no Estado judeu e no corredor britânico. Por muitos anos, o Estado judeu precisará da proteção militar britânica, e ser protegido implica um certo grau de dependência.”[59]

Essas palavras de Ben Gurion, patriarca do estado sionista, em seu relatório ao 19º Congresso Sionista em 1935, refletiam muito bem o “casamento” entre o sionismo e o imperialismo britânico durante os anos de seu “mandato” na Palestina. Entretanto, nessa brilhante declaração de amor estavam as futuras bases para o divórcio e novo casamento do sionismo, dessa vez com o imperialismo norte-americano. Vejamos o que aconteceu.

O sionismo está ligado à colonização britânica da Palestina desde a Declaração de Balfour. Mas, é preciso deixar claro, como um parceiro júnior: “Aqui na Palestina”, ressaltou T. Cliff, “o imperialismo usa a colonização britânica da Palestina como meio de sobrevivência”. Cliff destacou: “Aqui na Palestina, o imperialismo usa uma arma que vem usando há mais de vinte anos para subjugar a população árabe: o sionismo. O sionismo ocupa um lugar especial nas defesas imperialistas. Ele desempenha um duplo papel: em primeiro lugar, diretamente, como um importante pilar do imperialismo, dando-lhe apoio ativo e opondo-se à luta de libertação da nação árabe. Também desempenha o papel de um servo passivo atrás do qual o imperialismo pode se esconder e contra o qual pode direcionar a raiva das massas árabes.”[60]

Vejamos alguns exemplos de como essa dupla função foi combinada: “Uma companhia inglesa de eletricidade estabelece uma empresa na Palestina e nomeia um sionista como gerente geral. O resultado é que agora, quando em todas as colônias a luta anti-imperialista é caracterizada por greves, manifestações e boicotes contra subsidiárias de empresas estrangeiras, na Palestina o boicote contra a empresa de eletricidade assume outro aspecto: aparece como uma manifestação ‘antissemita’… Outro exemplo deixa as coisas ainda mais claras”, acrescenta Cliff. Na Síria e no Líbano, houve grandes manifestações, algumas delas violentas, contra o estabelecimento da empresa de caminhões Steel Bros. Aqui na Palestina, os sionistas “socialistas” e o Histadrut, em troca de uma recompensa insignificante, colocam-se a serviço da Steel Bros. e permitem que ela se estabeleça firmemente no país…. Se o exército britânico, no período de 1936/39, matou milhares de guerrilheiros árabes (da mesma forma que os italianos mataram os abissínios, ou os japoneses, os holandeses e os britânicos matam os indonésios hoje), não foi para manter seu domínio – Deus nos livre! – mas para ‘proteger os judeus’… O sionismo, portanto, livra o imperialismo da responsabilidade pelos atos de pilhagem e opressão”.[61]

O Haganah, o exército “não oficial” que o sionismo formou na Palestina durante o Mandato Britânico e com o qual expulsaria a maioria de seus habitantes árabes em 1948, desempenhou um papel importante nessa política. Na mitologia do sionismo como um “movimento de libertação nacional”, o Haganah é frequentemente comparado aos guerrilheiros de Castro, aos vietcongues etc. O Haganah teria travado uma luta heróica contra o exército de ocupação britânico.

É uma pena que os apologistas de “esquerda” do sionismo sejam contraditos pelos próprios sionistas. Veja, por exemplo, o livro Anthology Israel, publicado em Buenos Aires pela AMIA (que praticamente significa “versão sionista oficial”) e veja o que esse “exército de libertação nacional” foi e fez.

Lá, o Sr. Moshe Pearlman começa sua História do Haganah com as seguintes palavras: “Está claro que as autoridades militares britânicas sempre reconheceram a existência do Haganah. Elas conheciam seu propósito (sic). Tinham ampla experiência de seu uso como força defensiva em assuntos internos da Palestina… Durante esse período, as autoridades militares britânicas trabalharam abertamente com o Haganah, nunca poupando elogios por tarefas bem feitas.”[62] Que estranho “exército de libertação nacional” é esse!

Mas o que eram esses “assuntos internos palestinos” e essas “tarefas bem executadas” que mereciam tantos elogios? O Sr. Pearlman coloca ainda: “Era de se esperar que a administração (britânica) tivesse a coragem de legalizar o status do Haganah depois de seu histórico de serviço durante os motins árabes de 1936/39.”[63] Está claro agora, senhores da “esquerda” pró-sionista, o que era e para que servia o Haganah?

Em 1939, o exército britânico e seu parceiro júnior, o Haganah, obtiveram uma vitória esmagadora sobre os guerrilheiros palestinos. Mas, por volta dessa época, começou o atrito entre o sionismo e os britânicos. Uma minoria sionista, a “revisionista”, liderada por Jabotinsky[64], já havia se dividido anteriormente e, mais tarde, formaria as organizações terroristas Irgun e Stern, que atacaram os árabes e os britânicos. A briga que terminaria em divórcio estava centrada nas restrições impostas pelo governo britânico em seu Livro Branco de 1939 sobre a compra de terras e a emigração sionista para a Palestina.[65]

Para promover a colonização, vimos que o sionismo não teve escrúpulos em admitir sem protestos o fechamento da emigração nos EUA e na Inglaterra. Tampouco teve qualquer problema em emular o acordo Herzl-Plevhe, assinando pactos com Hitler, como o “Haavara”, um acordo assinado entre o Reich hitlerista e a Agência Judaica (Max Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State?, op. cit., p. 103).

Por que o imperialismo britânico faz isso?

“O sionismo quer construir um Estado capitalista judeu forte. O imperialismo [britânico] está interessado na existência de uma sociedade capitalista judaica que o protegerá do ódio das massas coloniais, mas não que o sionismo se torne um fator poderoso demais. Quanto a esse último ponto, ele está disposto a provar sua “justiça” para com os árabes e a conceder parte de suas justas demandas às custas do sionismo. Para garantir os serviços do sionismo, como um apoio direto contra qualquer insurreição anti-imperialista…, o imperialismo não precisa necessariamente deixar o sionismo florescer. Uma população sionista de 600.000 pessoas é suficiente para cumprir esse papel.”[66] Porém, o mais importante é que, em 1939, o Império Britânico estava enfrentando uma nova guerra mundial, uma política global para todo o mundo árabe e colonial que dominava, a fim de mantê-lo em “paz” enquanto disputava com o imperialismo alemão. Para isso, a Grã-Bretanha contava com a cooperação de Abdullah e de outros fantoches árabes e com a vantagem de ter esmagado a ameaça mais séria: a rebelião palestina.

Algumas concessões tiveram de ser feitas para que os carniceiros britânicos da Palestina parecessem “protetores dos povos árabes”. E o parceiro menor – o sionismo – pagou as despesas da operação.

Mas a “luta” que se seguiria entre o sionismo e a administração britânica era tudo menos uma luta anti-imperialista.[67] Era a clássica contradição entre os interesses globais e gerais do império e os interesses particulares de um grupo de colonizadores. É a mesma contradição que existia entre os colonos franceses na Argélia e o governo de Gaulle, ou entre os colonos brancos na Rodésia e na África do Sul, por um lado, e o imperialismo britânico, por outro; uma contradição que levou à “independência” dessas colônias britânicas. Mas será que algum atrevido ousaria afirmar que essas foram “lutas antiimperialistas”?

O “novo Moisés” aparece

“Tenho a sensação de que o presidente [dos EUA] será o novo Moisés que trará à luz o filho de Israel no deserto.”[68] Essas declarações “proféticas” de um congressista americano que saía de uma reunião com o presidente ianque foram relatadas com satisfação no Jerusalem Post de 6 de março de 1944. A “Divina Providência”, dessa vez encarnada nos EUA, estava se preparando para desencadear um novo “milagre” do tipo tão abundante na história do sionismo. E, como sempre, às custas dos árabes.

O que aconteceu? Ouçamos novamente Ben Gurion: “Nossa maior preocupação [na eclosão da Segunda Guerra Mundial] era o destino que seria reservado à Palestina após a guerra… Já estava claro que os britânicos não manteriam seu mandato. Se havia todos os motivos para acreditar que Hitler seria derrotado, estava bastante claro que a Grã-Bretanha, mesmo que vitoriosa, sairia do conflito muito enfraquecida… De minha parte, eu não tinha dúvidas de que o centro de gravidade de nossas forças deveria se deslocar do Reino Unido para a América, que estava a caminho de garantir o primeiro lugar no mundo…”[69]

Já vimos como, em 1917, o sionismo “confiou seu destino” ao Ministério das Relações Exteriores e ao Gabinete de Guerra Imperial Britânico. Em 1939, diante da nova divisão imperialista do mundo, o sionismo trocou o Ministério das Relações Exteriores pelo Departamento de Estado dos EUA. A suposta luta “anti-imperialista” do sionismo foi simplesmente uma mudança de um parceiro para o outro.

Ligado ao seu novo “centro de gravidade”, os EUA, o sionismo estava, portanto, marchando firmemente em direção à condição de Estado. Já durante o Mandato, os britânicos haviam feito uma proposta de divisão da Palestina que Ben Gurion aceitou imediatamente (Proposta da Comissão Peel de 1937). Embora apenas um quarto da Palestina tenha sido dado a eles, Ben Gurion estava preparado para tomá-lo como base para uma futura expansão: “O Estado judeu que nos foi proposto”, disse Ben Gurion na época, “não corresponde aos objetivos sionistas, mas será um estágio decisivo na realização de nossos grandes projetos… Derrubaremos as fronteiras que nos foram impostas”.[70]

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a questão da Palestina começou a ser tratada pelas Nações Unidas. A farsa da Liga das Nações se repetiu. Mais uma vez, sem a menor consulta ao povo palestino, mais uma vez violando da maneira mais grosseira seu direito à autodeterminação e de dispor de seu país e de si mesmo, as grandes potências estavam se preparando para dar “status” legal à situação colonial criada durante o domínio britânico. Assim, em 29 de novembro de 1947, a partição da Palestina em dois estados, um sionista e outro árabe, foi votada.

Resumindo o significado dessa votação e explicando a raiva justa que ela despertou nas massas de todo o mundo árabe, Rodinson diz: “Para as massas árabes, aceitar a decisão das Nações Unidas significava uma capitulação incondicional a um diktat, o mesmo tipo de capitulação dos reis negros ou amarelos do século XIX diante de canhões apontados para seus palácios. A Europa havia enviado coletivamente colonos cujo objetivo era se apoderar de parte do território nacional. Durante o período em que uma reação nativa teria sido suficiente para expulsar facilmente esses colonos, tal reação foi impedida pela polícia britânica e pelas tropas que representavam a coletividade das nações euro-americanas. Essa reação foi moralmente desarmada pela garantia falaciosa de que se tratava apenas da implantação pacífica de alguns grupos infelizes e inofensivos, destinados a permanecer como minoria. E então, quando a verdadeira intenção desses grupos foi revelada, o mundo euro-americano, unido apesar de suas divergências internacionais, desde a URSS socialista até os EUA ultra-capitalistas, quis impor aos árabes a aceitação do fato consumado. No que diz respeito aos árabes, a conclusão da Segunda Guerra Mundial repetiu amargamente as travessuras da primeira.”[71]

Stalin: padrinho do segundo casamento do sionismo

“A delegação da União Soviética não pode deixar de expressar seu horror com a posição adotada pelos países árabes sobre a questão palestina; estamos todos chocados (sic) ao ver esses Estados, ou pelo menos alguns deles, recorrerem às armas e se envolverem em operações militares para suprimir o movimento de libertação nacional que está surgindo na Palestina.”[72] Assim falou Andrei Gromyko, delegado de Stalin, na sessão de 12 de maio de 1948 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A URSS não apenas se uniu aos EUA para legalizar a situação colonial na Palestina, mas também para enviar armas e aviões para os sionistas por meio da Tchecoslováquia. Além disso, a URSS foi a primeira potência a reconhecer Israel, antes mesmo dos EUA.

É claro que esse “certificado de movimento de libertação nacional” que Stalin assinou para o sionismo apenas “certificou” a completa degradação da burocracia soviética.Foi mais uma traição na longa lista stalinista.

Já observamos as opiniões de Lênin e Trotsky no início da aventura sionista na Palestina. Vinte e cinco anos depois, os fatos confirmaram plenamente o caráter colonialista e pró-imperialista do sionismo. Mas isso era de pouca importância para a burocracia soviética. Tudo o que importava para ela era o jogo de xadrez diplomático de três lados entre os EUA, a URSS e a Grã-Bretanha.

A burocracia soviética tem a mesma responsabilidade que os EUA pela criação do estado colonial e racista de Israel, a mesma responsabilidade pela negação dos direitos democráticos e nacionais do povo palestino.

O apoio da URSS ao colonialismo sionista teve consequências muito mais graves do que as armas e os aviões que enviou em 1948 para massacrar os árabes. Isso significou, por um lado, o isolamento dos palestinos das massas trabalhadoras fora do mundo árabe. Foram os stalinistas, juntamente com os social-democratas, que espalharam pelo mundo a mentira de um Israel “progressista” lutando contra as “hordas feudais”. Se essa mentira tivesse sido deixada apenas para o Sr. Ben Gurion e sua nova consorte, poucos teriam sido convencidos pelo governo americano. Mas os partidos comunista e social-democrata assumiram a responsabilidade, jogaram toda a sua autoridade e o peso de seus aparatos para fazer com que milhões de trabalhadores, estudantes e intelectuais de esquerda a engolissem. Assim como os sionistas, eles aproveitaram o horror do mundo com a barbárie nazista e o massacre de 6 milhões de judeus para esconder o fato de que os sionistas na Palestina estavam praticando o mesmo racismo contra os nativos e com métodos semelhantes.

Por outro lado, a traição stalinista estava fazendo com que o socialismo e o marxismo caíssem em descrédito aos olhos das massas árabes. Isso as tornou presas fáceis das manipulações dos elementos mais reacionários – como os da Irmandade Muçulmana, por exemplo – ou as deixou nas mãos dos Farouks e Abdullahs.

A Quarta Internacional era a única tendência de esquerda antissionista

Enquanto o stalinismo e a social-democracia apoiavam fervorosamente o sionismo e a criação de Israel, os trotskistas diziam: “Abaixo a divisão da Palestina! Por uma Palestina árabe unida e independente, com plenos direitos de minoria nacional para a comunidade judaica! Abaixo a intervenção imperialista na Palestina! Fora do país todas as tropas estrangeiras, “mediadores” e “observadores” da ONU! Pelo direito das massas árabes de disporem de si mesmas! Pela eleição de uma assembleia constituinte com sufrágio universal e secreto! Pela revolução agrária!”[73] E o Grupo Trotskista Palestino apontou que o imperialismo dos EUA “… ganhou um agente direto: a burguesia sionista que, por esse fato, tornou-se completamente dependente do capital americano e da política americana. De agora em diante, o imperialismo americano terá uma justificativa para intervir militarmente no Levante sempre que achar necessário… a consequência inevitável dessa guerra será a total dependência do sionismo em relação ao imperialismo americano”.[74]

A guerra de 1948 começou em 1947

A rejeição árabe à divisão levou a uma luta que, em 1948, levaria à intervenção de vários estados árabes, principalmente a Transjordânia (atual Jordânia) e o Egito, e terminaria com sua derrota.

Infelizmente, aqui temos que desmascarar outro mito do sionismo: o “pequeno grupo de sionistas contra o gigante de 100 milhões de árabes”, “Davi contra Golias”, etc. Em todos os confrontos armados desde 1948, com exceção talvez da última guerra, quando as coisas estavam um pouco mais equilibradas, os sionistas sempre tiveram uma clara superioridade militar. Em 1947/48, enquanto os palestinos estavam abalados pela derrota da insurreição de 1936/39, o sionismo tinha não apenas o Haganah, organizado, armado e tolerado pelos britânicos mesmo nos momentos de maior atrito com os sionistas, mas também as unidades “irregulares”, como o Irgun e outras, e vários milhares de combatentes treinados nas brigadas judaicas do exército britânico. O general Dayan saiu dessa escola, por exemplo.

No livro oficial sionista Anthology Israel, citado acima, são apresentados números eloquentes.[75] Vamos somá-los:


Grupos armados
Efetivo
Polícia Rural Judia2.000
Haganah45.000
Palmach (unidades especiais treinadas pelos ingleses como os famosos e eficientes comandos da Segunda Guerra Mundial)3.000
Irgún e outros terroristas3.000
Total53.000

Além disso, vários milhares de “voluntários” da Europa e dos EUA, incluindo pilotos de caça e veteranos da Segunda Guerra Mundial, juntaram-se ao esforço de guerra. Com isso, o número total de combatentes sionistas ficou entre 60.000 e 70.000, a maioria dos quais era altamente qualificada técnica e/ou militarmente.

O que se opunha a eles, as “hordas” de “milhões” de árabes? Até a intervenção dos estados árabes vizinhos, praticamente a maior força organizada de palestinos era o “Exército de Libertação” de Fawzi el-Kawakji, que entrou na Palestina em janeiro de 48. Ele contava com impressionantes 5.000 homens.[76] É claro que havia muitos milhares de outros resistentes em todos os vilarejos e cidades árabes. Mas a resistência estava desconectada e desorganizada militar e politicamente. Para que pudessem impor sua superioridade numérica contra os colonizadores, os palestinos precisavam de uma arma que lhes faltava: uma política e uma organização revolucionárias capazes de mobilizar todas as massas palestinas e os países árabes vizinhos. Não é preciso dizer que esse não era o objetivo de Abdullah, Farouk e outros que se apresentavam como “representantes da nação árabe”. Pelo contrário, eles estavam tramando uma traição monumental.

A estranha guerra de 1948 e a traição do rei Abdullah

Enquanto a resistência palestina era exterminada, enquanto aconteciam os massacres dos quais falaremos mais tarde, os governos árabes reacionários iam de conferência em conferência. Em 14 de maio de 1948, o Estado de Israel foi proclamado. No dia seguinte, após meses de luta, primeiro a Transjordânia, depois o Egito e, em menor escala, outros países árabes intervieram. Todos os exércitos dos estados árabes que intervieram não tinham mais de 25.000 homens[77], sem nenhuma unidade de comando. Mesmo assim, as forças sionistas tinham uma superioridade militar indiscutível.

A única força capaz de enfrentar militarmente o Haganah era a Legião Árabe da Transjordânia, liderada por oficiais britânicos. E dizer isso já é o mesmo que dizer que ela seria derrotada. A Grã-Bretanha, que agora achava conveniente aparecer como a “protetora” dos árabes, estava, na verdade, fazendo um jogo duplo. Embora nas Nações Unidas tenha se oposto à divisão da Palestina, acabou concordando com o bloqueio e o embargo de armas e munições para os beligerantes. Esse “embargo”, como nas guerras da Abissínia e da Espanha, afetou apenas uma das partes beligerantes, nesse caso, os árabes.

Mas o golpe final contra os palestinos foi o pacto secreto entre Abdullah, rei da Transjordânia, e Golda Meir, representante do governo israelense na época. Esse pacto consistia simplesmente em dividir a Palestina.[78] O Estado de Israel estendeu sua área além das fronteiras marcadas no mapa de partição da ONU e o rei da Transjordânia, avô do atual Houssein, assumiu o controle da Cisjordânia. O rei Farouk tinha apenas um osso para escolher: a Faixa de Gaza. Alguns anos depois, Abdullah seria executado por um palestino, mas esse ato de justiça e desespero não mudaria o destino de seu povo. Começava a tragédia do povo árabe da Palestina, despojado de suas terras e de seu direito à autodeterminação.

Como fabricar uma “terra sem povo”

Os colonizadores sionistas tiveram tempo para se convencer de que o slogan “terra sem povo” não correspondia à realidade da Palestina. Mas se a “terra sem povo” não existia, ela poderia ser fabricada. Vimos como, no início de sua colonização, as medidas econômicas e políticas do sionismo tendiam a uma marginalização lenta, mas constante, da população árabe. Agora, esse processo daria um salto: a expulsão da maioria dos palestinos e a expropriação de suas propriedades.

O líder sionista Weitz, diretor de longa data do Departamento de Colonização da Agência Judaica, observou em seu diário em 1940: “A única solução é uma Palestina, ou pelo menos uma Palestina Ocidental [a oeste do rio Jordão] sem árabes… E não há outra maneira a não ser transferir todos os árabes daqui para os países vizinhos, transferi-los todos: nenhuma aldeia, nenhuma tribo deve permanecer.”[79] Para concretizar esses planos dignos de Hitler, havia apenas um método: aquele que Hitler usou. E ele foi usado.

Assim que a partição foi votada nas Nações Unidas, teve início uma campanha de terror que obrigou as populações árabes a fugir. Os principais autores da carnificina foram membros do Irgun, uma organização terrorista que tinha a vantagem de ser “não oficial”. Ou seja, quando realizava um massacre, Ben Gurion podia lavar as mãos. O líder dessa organização terrorista fascista era o famoso Menahem Begin, hoje líder do partido Herut, honrado membro do Knesset (parlamento de Israel) e não menos honrado ministro em vários gabinetes.

Seria impossível contar todos os massacres dos colonizadores sionistas. Já contamos a façanha do Irgun na refinaria de Haifa em 31 de dezembro de 1947. Vamos nos voltar agora para Deir Yassin.

O extermínio da aldeia árabe de Deir Yassin foi corretamente descrito como o My Lai do sionismo, comparando-o ao famoso massacre perpetrado nessa aldeia no Vietnã pelas tropas dos EUA.

Os relatos básicos do massacre de Deir Yassin foram feitos pelo delegado da Cruz Vermelha Internacional na Palestina, Jacques de Reynier, que descobriu os cadáveres e conseguiu salvar três vítimas gravemente feridas. Seu relatório foi publicado em 1950.[80] Em abril do ano passado [1973], o jornal israelense Yedioth Aharonot publicou vários documentos sobre o massacre, inclusive um relatório secreto do soldado Meir Philipsky – que hoje é o General (r) Meir Pa’el – e que, na época do massacre, era um “oficial de ligação” entre o Haganah e os grupos terroristas Irgun Zvi Leumi (ET-ZEL) e o grupo Stern (Lehi).[81] Os fatos podem ser resumidos da seguinte forma:

Em 9 de abril de 1948, unidades especiais do Haganah tomaram a aldeia de Deir Yassin, depois de vencer a fraca resistência árabe. Quando a resistência terminou, eles a deixaram nas mãos dos carniceiros do Irgun e do Stern. Eles foram de casa em casa, exterminando todos os habitantes civis, a maioria dos quais eram mulheres, idosos e crianças, pois a maioria dos homens estava fora da aldeia naquele momento. Jogando granadas de mão nas casas e depois metralhando ou cortando a garganta dos sobreviventes, eles exterminaram cerca de 250 árabes.

Juntamente com um grupo de moradores de Jerusalém”, conta Philipsky, “imploramos aos comandantes que dessem ordens para interromper a matança, mas nossos esforços não tiveram êxito. Nesse meio tempo, cerca de 25 homens foram retirados das casas; eles foram carregados em caminhões e levados em uma marcha triunfal – como um triunfo romano – pelos bairros de Mahaneh Yahuda e Zakhron Yosef (em Jerusalém). Quando a marcha terminou, eles foram levados para uma pedreira entre Giv’at Sha’ul e Deir Yassin e lá foram mortos a sangue frio.”[82] Os cadáveres da aldeia foram jogados nos poços de água; lá foram descobertos pelo delegado da Cruz Vermelha, J. de Reynier.

O historiador israelense Arieh Yitzhaqui, comentando no Jediot Aharonot sobre a documentação publicada, observa que Deir Yassin “seguiu o padrão usual da ocupação de um vilarejo árabe em 1948. Nos primeiros meses da Guerra da Independência, as tropas do Haganah e do Palmach realizaram dezenas de operações desse tipo…”[83]

O objetivo político dos massacres de Deir Yassin, Lydda, Jaffa, etc., não poderia ser mais claro: fabricar a “terra sem povo”, “transferir – como disse Weitz – todos os árabes daqui para os países vizinhos…”. Se houver alguma dúvida, o Sr. Menahem Begin, o principal executor desses crimes, irá esclarecê-la: “Todas as forças judaicas”, diz Begin, “estavam avançando por Haifa como uma faca na manteiga. Os árabes fugiram em pânico, gritando: ‘Deir Yassin! Deir Yassin!… Esse êxodo em massa logo se transformou em uma fuga louca e incontrolável.”[84] Assim, quando o armistício foi assinado no início de 1949, aproximadamente um milhão de palestinos haviam sido expulsos de suas terras.

O Estado colonial, racista e policial da revolução árabe

O Estado de Israel é a institucionalização do fato colonial. Como em seus pares, os estados da África do Sul e da Rodésia, a população nativa foi despojada de suas terras e propriedades e de seus direitos nacionais e democráticos, parte dela foi forçada a emigrar e o restante foi submetido às regras clássicas dos estados em que uma suposta “raça superior” domina uma “raça inferior”. O Estado de Israel é o instrumento (armado até os dentes pelo imperialismo) cujo objetivo é manter essa situação colonial e prestar serviços ao imperialismo, atuando como gendarme contra movimentos revolucionários ou simplesmente nacionalistas no mundo árabe.

Concluiremos este estudo com alguns exemplos do caráter colonial, racista e contrarrevolucionário do atual Estado de Israel.

Talvez o mais escandaloso seja a desapropriação em massa da população palestina. Já vimos por quais métodos cerca de um milhão de palestinos foram forçados a fugir. Após a guerra de 1948, embora não permitisse que eles voltassem para suas casas, o Estado israelense implementou a chamada lei de “propriedade ausente”[85], segundo a qual um árabe “ausente” perdia toda a sua propriedade, pois ela era “abandonada”. Assim, terras, casas, contas bancárias etc. de um milhão de palestinos foram para os bolsos dos colonizadores. Era a “acumulação primitiva” do sionismo. Isso, juntamente com as injeções de bilhões de dólares do imperialismo norte-americano, é o segredo do desenvolvimento econômico israelense.

A “lei da ausência” é uma “lei” de roubo em massa, mesmo do ponto de vista das normas legais burguesas. É como se uma gangue de ladrões invadisse a casa de uma família, matasse metade deles e, como consequência, fizesse com que o restante fugisse. Quando chamados a prestar contas, esses senhores argumentam que, pelo fato de os sobreviventes terem “se ausentado” e “abandonado” sua propriedade, eles perderam todo o direito a ela, que agora passou para as mãos dos bandidos. Ao mesmo tempo, sob a mira de uma arma, eles impedem que os sobreviventes retornem e, toda vez que os sobreviventes tentam entrar em sua casa, os gângsteres gritam para o mundo que eles foram “assaltados”.

A chamada “lei do retorno” é outro exemplo de racismo. O sionismo compartilha com os nazistas e o restante dos antissemitas o mito de que os judeus são uma “raça”. Os membros dessa suposta “raça”, onde quer que estejam no mundo e mesmo que seus ancestrais nunca tenham tido nada a ver com a Palestina, têm o direito de “retornar” (?) a Israel e se tornar seus cidadãos. Por outro lado, um palestino (que foi expulso à força há 25 anos) ou seu filho não tem direito de “retorno” ou cidadania.

Durante a ocupação britânica, foram promulgadas “leis de emergência” em 1945, que foram descritas pelo líder sionista Jacob Shapira da seguinte forma: “Essas leis não têm equivalente em nenhum país civilizado, nem mesmo na própria Alemanha nazista. São leis que se aplicam somente a um país ocupado… não se pode permitir que nenhuma autoridade promulgue leis tão desumanas.”[86] Essas leis continuaram em vigor no Estado de Israel e, para completar a piada, Jacob Shapira logo se tornou Ministro da Justiça, ou seja, a pessoa encarregada de aplicá-las. As emendas feitas anos depois a essas leis foram puramente formais e visavam silenciar os protestos que surgiram dentro e fora de Israel.

De acordo com essas “leis” atualmente em vigor em Israel, especialmente nos territórios usurpados após a guerra de 1967, os árabes estão sob “domínio militar”. As autoridades militares têm o direito de “transferir e expulsar os habitantes das áreas, tomar e manter em sua posse qualquer propriedade, artigo ou objeto, realizar buscas e batidas em todos os momentos, limitar o movimento de pessoas, impor restrições no campo do emprego e dos negócios, decretar deportações, colocar qualquer pessoa sob vigilância policial, impor residência forçada… confiscar qualquer terra no interesse da segurança pública, usar livremente a requisição, impor ocupação militar às custas dos habitantes, estabelecer toque de recolher, suspender serviços postais e qualquer outro serviço público.”[87]

Há poucos estados com legislação que se aplica exclusivamente a uma parte da população, e essa parte é determinada pela “raça”. A Alemanha de Hitler era um exemplo desse tipo de estado, a Rodésia e a África do Sul são os atuais. A semelhança, até a forma, entre a legislação contra os negros na África do Sul e a legislação contra os árabes em Israel é impressionante. Ambas reconhecem, além disso, uma origem comum: a legislação colonial britânica.

O emaranhado de leis e disposições racistas e coloniais se apoiam mutuamente e se combinam para produzir o mesmo resultado: a opressão, o roubo e a exploração da população árabe. Um exemplo frequente é o seguinte: uma autoridade militar declara esta ou aquela região como “zona de segurança”. Portanto, nenhum árabe tem permissão para entrar ou morar lá. Se havia um vilarejo na área, seus habitantes são expulsos; se havia terras pertencentes aos árabes, eles não podem passar por lá para cultivá-las. Então, a “Lei da Ausência” entra em vigor: as terras e os vilarejos são “abandonados”, seus cultivadores e habitantes “se ausentaram” e, portanto, tornam-se propriedade de Israel. A “lei da ausência” também se aplica aos palestinos que se mudaram para outro lugar, mesmo que esses palestinos permaneçam dentro de Israel e mesmo que sua mudança tenha sido forçada por uma autoridade israelense.

O Relatório do Comitê Especial da ONU para Investigar as Práticas Israelenses que Afetam os Direitos Humanos da População dos Territórios Ocupados dá uma pálida ideia do regime fascista ao qual a população palestina está sujeita.[88] É um catálogo de horrores: “tortura e maus-tratos”, “detenção administrativa” (ou seja prisão de milhares de árabes em prisões e campos de concentração por ordem das autoridades militares, sem julgamento e por um período indefinido), “expulsão de pessoas dos territórios ocupados sob as chamadas ordens de deportação”, “transferência de vários milhares de pessoas de suas casas para outras partes do território ocupado”, “expropriação de suas propriedades, incluindo propriedades pertencentes a pessoas transferidas de suas casas”, “demolição de casas” (aproximadamente 10.000 desde 1967), “negação do direito de retorno a seus lares às pessoas que fugiram do território ocupado devido às hostilidades de junho de 1967 e àquelas que foram deportadas ou expulsas de outra forma”. Esses são os itens do relatório do Comitê Especial da ONU. O relatório finalmente conclui que não se trata de uma política “empregada em circunstâncias excepcionais”, mas, ao contrário, “tornou-se arbitrariamente uma regra definitiva de conduta ou política”.[89] E, acrescentamos, essa “regra definitiva de conduta ou política” é a consequência lógica, fatal e inevitável de qualquer situação colonial. Nunca, em qualquer época e em qualquer continente, um grupo de colonizadores conseguiu estabelecer e manter seu domínio sobre a população nativa sem recorrer a esses métodos. A Rodésia, a África do Sul, a Argélia “francesa”, as colônias africanas portuguesas e Israel estão aí para provar isso.

Desde 1948, o desenvolvimento do estado colonial e racista de Israel tem acentuado cada vez mais sua semelhança com as experiências de colonização mencionadas acima. E agora está clara toda a falsidade do argumento sionista de que eles não são colonizadores porque não exploram a mão de obra nativa. Já vimos que, no início da colonização, essa “não exploração da mão de obra nativa” era o manto piedoso com o qual se cobria a expulsão dos trabalhadores e camponeses árabes de seus empregos e terras (mesmo na África do Sul, um negro não é funcionário de banco, trabalhador qualificado ou proprietário de terras). Porém, uma vez que o deslocamento da população nativa e a expropriação em massa de suas propriedades ocorreram, os sionistas não tiveram escrúpulos em explorar os palestinos despossuídos. Mesmo os angelicais kibutzim “socialistas” não ficam aquém disso.

A fome e a sede de superlucros que dominam a burguesia sionista também estendem a exploração, a discriminação racial e a miséria a grandes setores da população judaica, especialmente os de origem oriental (sefarditas, iemenitas etc.). Hoje, o Estado de Israel é uma pirâmide racista, em que o topo é ocupado por dois mil milionários (em dólares) de origem asquenazi (judeus europeus) e intimamente ligados a investimentos imperialistas; mais abaixo, uma burguesia média e uma burocracia privilegiada do Estado e do Histadrut, também de origem asquenazi; essas classes e estratos privilegiados se assentam sobre as massas de judeus orientais e, já na base da pirâmide, sobre os árabes palestinos.[90] Israel é a África do Sul do Oriente Médio.

“Em Israel, é a população árabe que desempenha o papel de reserva de mão de obra ‘estrangeira’ não qualificada (é preciso acrescentar a isso os sete mil judeus georgianos que emigraram recentemente da URSS). O processo de arabização da mão de obra comum e não qualificada foi ainda mais acelerado no período de 1968 a 1973, depois que cerca de setenta mil trabalhadores palestinos dos territórios ocupados passaram a trabalhar gradualmente em Israel. A força de trabalho árabe – mais eficiente e disciplinada, especialmente porque não tem as mesmas facilidades para fazer valer seus direitos – substituiu gradualmente a massa de trabalhadores judeus não qualificados nas fábricas, restaurantes e até mesmo nos campos. Uma pequena parte desses trabalhadores judeus eliminados retornou como supervisores e, às vezes, como capatazes do proletariado árabe. Mas a maioria deles se tornou um lumpen-proletariado, em suas formas potenciais e reais, sem vontade de retomar os empregos que perderam, considerados hoje como “degradados” por serem ocupados por árabes.

“Esse lumpenproletariado é composto por 85% de judeus de países árabes, para os quais a possibilidade de empregos mais qualificados está mais ou menos fechada. Essas ocupações exigem uma educação que eles geralmente não têm. Tendo crescido em famílias numerosas, eles logo tiveram que deixar a escola para trabalhar. Assim, há nada menos que 20.000 jovens entre 14 e 18 anos de idade que não estudam nem trabalham. Outro número revelador: em Israel, em 1972, quando as proezas militares e científicas estão surpreendendo o mundo, 104.000 crianças (mais de 54% das crianças judias) são encontradas em famílias nas quais o pai teve apenas o ensino fundamental. É nos estratos menos privilegiados que encontramos o maior número (um em cada cinco) de crianças subnutridas, desnutridas ou que cresceram nas chamadas condições de “desastre familiar”. É nesses setores que os delinquentes juvenis são recrutados. O ressentimento crescente desses milhares de judeus orientais, que se perguntam o que está sendo feito por eles em um momento em que Israel se orgulha de seus dois mil milionários, encontra sua expressão política no voto nos Panteras Negras, que obtiveram 2% dos votos na eleição do Histadrut”.

O policial contrarrevolucionário

Mas o que foi dito até agora é apenas metade do Estado de Israel. A outra metade é seu papel como agente contrarrevolucionário e cabeça de ponte do imperialismo no mundo árabe. Nesse aspecto, ele está apenas dando continuidade ao “registro de serviço” prestado ao imperialismo britânico antes da criação do Estado.

Se a história sionista do Israel “socialista” contra os árabes “feudais” for verdadeira, é inexplicável por que esse estado dito “socialista” vem praticando atos contínuos de agressão contra todos os movimentos árabes “antifeudais” e anti-imperialistas desde 1948. É como se Cuba – um Estado socialista isolado na América Latina semicolonial – tivesse se dedicado a incursões permanentes em outros países latino-americanos para assassinar líderes e ativistas operários e populares, bombardear seus bairros operários e favelas, etc.; ou se, quando o governo nacionalista burguês peruano nacionalizou o petróleo, Cuba tivesse enviado suas tropas – juntamente com as dos EUA – para ocupar a área onde se localizava a indústria petrolífera. Um comportamento estranho para um país socialista!

Mas esse, e nenhum outro, é o comportamento de Israel desde 1948 em relação a seus vizinhos árabes. Esse papel de gendarme contrarrevolucionário é combinado com a pretensão dos setores sionistas mais patrióticos de construir o “Grande Israel do Nilo ao Eufrates”.[91] Vejamos algumas das façanhas do Israel “socialista”.

Em 1956, o governo egípcio liderado por Gamal Abdel Nasser nacionalizou a Anglo-French Suez Canal Company. Esse foi um evento histórico. Foi uma das medidas anti-imperialistas mais importantes, não apenas para o povo egípcio, mas para todos os povos do mundo colonial e semicolonial. Por outro lado, o governo de Nasser – como qualquer outro governo nacionalista burguês – pode ser criticado mil vezes, exceto para dizer que era um governo “feudal”.

A nacionalização do Canal de Suez foi uma oportunidade magnífica para Israel liquidar seu confronto com o mundo árabe, supondo que Israel fosse – não vamos dizer socialista – mas pelo menos um Estado nacionalista burguês anti-imperialista. Israel teria simplesmente declarado que apoiava incondicionalmente a nacionalização do canal e que estava pronto para enfrentar, junto com o Egito, qualquer agressão dos antigos proprietários da Suez Company. Isso não teria causado uma virada de 180 graus na atitude do mundo árabe em relação a Israel? Mas todos nós sabemos o que Israel fez: junto com os exércitos da França e da Grã-Bretanha, atacou o Egito e participou do massacre de milhares de árabes que “ousaram” desafiar seus antigos senhores imperialistas.

O histórico sombrio de Israel continua com seu apoio descarado à França contra os revolucionários argelinos que lutavam pela independência. Depois, quando os colonos franceses romperam com o governo metropolitano de Gaulle, que queria fazer um acordo com os argelinos, Israel ajudou os fascistas da OAS (Organisation de l’Armée Secrète).

A Guerra dos Seis Dias em 1967 repetiu a aventura de 1956 com algumas variações. Uma variante foi que, tendo travado essa guerra em conluio com o imperialismo norte-americano, Israel tinha à sua disposição um formidável aparato de propaganda para se apresentar ao mundo como uma “vítima”, como um país pequeno e fraco ameaçado de extermínio por vizinhos cem vezes mais poderosos que queriam “lançar todos os judeus ao mar”. Infelizmente, esse mito da propaganda ianque-sionista foi alimentado por setores árabes de direita. Esses setores, como os fatos provam, são os menos propensos a lutar contra o imperialismo e seu parceiro sionista júnior. Suas capitulações são disfarçadas ao levantar a questão de Israel em termos raciais ou religiosos, e não nos termos sociais e políticos de uma luta anti-imperialista. Eles não apenas tentam confundir as massas árabes dessa forma, mas, ao fazê-lo, fazem o jogo do sionismo, alimentando sua propaganda externa e também consolidando sua frente interna.

Para entender a guerra de 1967, é preciso começar analisando a estrutura internacional em que ela ocorreu. A conjuntura específica que levou a essa guerra”, diz Fawwas Trabulsi, “é a convergência de duas tendências: 1) o imperialismo norte-americano desencadeou uma ofensiva contra os regimes nacionalistas do Terceiro Mundo e dos países subdesenvolvidos da Europa; 2) a necessidade do colonialismo territorial sionista de ter regimes árabes fracos e subdesenvolvidos subordinados ao imperialismo foi frustrada pelo regime nasserista no Egito e pelo regime baathista na Síria.

“A ofensiva do imperialismo norte-americano na década de 1960 contra o Vietnã, Cuba, Gana e Indonésia chegou ao Mediterrâneo oriental em 1967. Em 21 de abril daquele ano, o exército tomou o poder na Grécia em um golpe de mestre liderado pela CIA. Ficou muito claro que a Síria e o Egito seriam os próximos alvos. A questão era se o ataque viria de dentro ou de fora. Em 11 de maio, um alto funcionário israelense pareceu dar a resposta quando ameaçou ocupar militarmente Damasco para impedir as incursões do Fatah no território israelense. Ele foi seguido, no dia seguinte, pelo general Rabin, que declarou que, até que o regime Baath fosse deposto na Síria, nenhum governo do Oriente Médio poderia se sentir seguro.[92] Israel tinha seus interesses em mente: a divisão dos estados árabes em um campo “progressista” e um campo pró-imperialista e oligárquico neutralizava seus planos de impor seu fato consumado por meio da mediação das potências imperialistas ou de preservar o status quo no qual ele tinha a vantagem. No entanto, desde 1965, a organização de comando palestina Al-Fatah iniciou suas incursões em Israel. Recusando-se a admitir a existência do povo palestino, Israel considerava esses atos como perpetrados por “terroristas árabes” que operavam a partir da Síria. As incursões israelenses em novembro de 1966 contra a cidade jordaniana de Samu e em abril de 1967 contra a Síria foram consideradas pelos porta-vozes oficiais israelenses como “incursões retaliatórias” contra as atividades dos comandos palestinos.

“O regime nasserista no Egito”, continua Trabulsi, “estava sujeito a uma forte chantagem da reação árabe, especialmente da Arábia Saudita e da Jordânia, pela passividade de sua posição em relação à Palestina desde 1957. As ações de Nasser para exigir a retirada do Egito das tropas da ONU[93], a concentração de tropas na fronteira de Israel e, finalmente, o fechamento do Golfo de Aqaba para a frota israelense (15 a 23 de maio) só podem ser entendidas nesse contexto. De uma só vez, Nasser fez um movimento de solidariedade ativa com a Síria ameaçada e destruiu o último resquício da agressão tripartite de 1956. Dessa forma, ele obteve uma vitória dupla e provou que o Egito, entre os países árabes, ainda tinha o controle sobre a questão palestina.

“Nasser”, diz Trabulsi, “havia perturbado o status quo imposto por Israel em 1956. A tarefa era transformar sua vitória em derrota. Nesses dois aspectos, israelenses e americanos concordaram. Johnson disse ao ministro das relações exteriores de Israel em 26 de maio: “Se conseguirmos derrotar Nasser na questão do Estreito, o bloqueio será suspenso, toda a manobra será arruinada e até mesmo a posição de Nasser à frente do Egito será comprometida”[94]

Havia duas maneiras de infligir essa derrota: forçar o bloqueio por meio de uma armada de potências marítimas, incluindo a Grã-Bretanha e os EUA, ou uma invasão israelense.[95] O governo e os militares dos EUA não tinham dúvidas quanto ao resultado dessa invasão. Durante a crise, Johnson solicitou duas vezes ao Pentágono um relatório sobre o equilíbrio do poder militar entre o Estado árabe e Israel e recebeu duas vezes a mesma resposta enfática: se a guerra começasse, Israel obteria uma vitória decisiva em poucos dias por meio de um navio de guerra e um ataque aéreo contra o Egito; mesmo que Israel não iniciasse o primeiro ataque, ainda assim venceria a guerra.[96] Em 2 de junho, uma importante figura israelense retornou de uma missão secreta a Washington. No dia seguinte, Eshkol recebeu um telegrama de Johnson com uma omissão significativa: a exortação solene a Israel para que renunciasse a qualquer ação militar unilateral foi omitida; o presidente dos EUA mencionou apenas seus esforços diplomáticos. Foi depois de receber uma segunda mensagem de Johnson que o Gabinete de Guerra israelense se reuniu e decidiu entrar em guerra.[97] O imperialismo norte-americano havia decidido entrar em guerra contra os povos árabes por procuração. Israel havia aberto o caminho para a ‘ação independente’.”

E Trabulsi acrescenta: “Uma palavra sobre a famosa ‘ameaça de genocídio’. Já enfatizamos como o duplo discurso hipócrita dos regimes árabes faz o jogo da propaganda sionista. Será que essa ameaça existiu? Na realidade, os militares dos EUA tinham um plano preparado para intervir no Oriente Médio caso os exércitos árabes tentassem penetrar no território israelense. Esse plano consistia em formar uma barreira de tropas dos EUA (em número de 100.000) entre os israelenses (que seriam reagrupados no centro de Israel) e os exércitos árabes que avançavam. Quando Johnson recebeu Aba Eban em 26 de maio e lhe garantiu que os EUA respeitariam seus compromissos com Israel – de acordo com uma declaração oficial feita por Dulles em 1957 para defender o status quo pós-Suez – ele se lembrou desse plano. Ele pode até tê-lo mencionado ao ministro das relações exteriores de Israel ou tê-lo lembrado.[98] Mas o que os próprios líderes israelenses têm a dizer sobre “essa ameaça de genocídio”? Em uma entrevista ao Haeretz (22 de dezembro de 1968), o general Rabin, chefe do Estado-Maior de Israel, admitiu que Nasser não queria guerra, mas “teve de enfrentar uma situação em que preferia a guerra à retirada”. Por outro lado, o primeiro-ministro Eshkol descreveu o destacamento militar egípcio no Sinai e a atividade geral sobre a área como “uma disposição militar defensiva egípcia nas fronteiras do sul de Israel”.[99] Uma liderança política enganosa com um destacamento defensivo de tropas é uma combinação bastante inadequada para a perpetração de um ato de “genocídio”.

“A guerra de junho, uma combinação de política por outros meios, foi a derrota da política árabe predominante de antissionismo e anti-imperialismo. Foi a derrota dos países de uma região subdesenvolvida, com regimes igualmente subdesenvolvidos, infligida por um Estado infinitamente menor e numericamente inferior, representante de uma potência colonizadora tecnicamente avançada, europeizada e militarista que tinha o firme apoio do campo imperialista.

“A estratégia israelense é o sionismo aplicado à dominação militar: uma ‘Blitzkrieg’ desconcertante [Blitzkrieg. Um sistema que consiste em aplicar a máxima mobilidade possível às tropas. NR] que visa à imposição de fatos, mais fatos e sempre novos fatos. Durante toda a guerra, o exército israelense comandou a superioridade numérica sobre os exércitos árabes participantes e a superioridade estratégica em todas as frentes. Portanto, ele nunca perdeu a iniciativa. A estratégia árabe, ou melhor, sua ausência, revela todas as contradições e limitações dos regimes árabes ao máximo….

“Mesmo que alguém se guie por modelos de estratégia militar clássica, pode-se dizer com certeza que Nasser caiu em uma armadilha. A concentração de tropas no Sinai foi um movimento político, não militar. De acordo com o manual militar do general egípcio Parid Salamah, uma posição defensiva significaria concentrar as tropas no Canal de Suez; uma vez que o exército egípcio entrou no Sinai, ele deveria ter seguido com um ataque ofensivo dentro do território israelense.[100] Mas essa armadilha também foi política. Ela revela claramente a irresolução do regime nasserista em suas relações com o imperialismo e, especialmente, com os Estados Unidos. Toda a contradição da posição gira em torno da relação entre o sionismo e o imperialismo. Nos períodos de luta contra a reação local, Nasser invariavelmente “usava” o problema palestino para demonstrar que o sionismo, o imperialismo e a reação árabe são o mesmo campo. Apenas algumas semanas antes da guerra de junho, ele estava repetindo seu famoso slogan “Israel é a América e a América é Israel”. Mas foi exatamente quando os dois inimigos convergiram em um ataque furioso contra os povos árabes que Nasser se esforçou para separá-los. Em sua última coletiva de imprensa antes da guerra, ele usou uma linguagem claramente conciliatória em relação aos EUA e até mesmo apelou para que o imperialismo norte-americano não interviesse no conflito árabe-israelense, caso ele eclodisse. A última medida tomada antes da guerra foi a decisão de enviar Zakaria Muhieddin (conhecido por suas simpatias pró-ocidentais) a Washington para discutir a crise. A guerra começou antes de sua partida. Por outro lado, a atitude dos regimes pequeno-burgueses em relação ao imperialismo é resumida em uma das interpretações de Nasser sobre a derrota árabe. Ele argumentou que os EUA enganaram os governantes egípcios porque, na véspera da guerra, o embaixador americano no Cairo havia assegurado a Nasser que os EUA garantiam que Israel não seria o primeiro a atacar.”[101]

Mas onde – se possível – o caráter de agente contrarrevolucionário do Estado sionista é mais evidente é em sua constante agressão contra os campos de refugiados palestinos e seu movimento de libertação nacional, expresso nas organizações de resistência como a Fatah, a Frente Popular, a Frente Democrática, etc. O Estado sionista se alia aos governos árabes reacionários, especialmente ao governo do Líbano e ao açougueiro Houssein da Jordânia, para reprimir o povo palestino. As lutas do povo palestino deixam os sionistas desesperados. Já vimos como muitos colonizadores – como o já mencionado professor Aktzin – fingem negar a existência de um povo palestino. Mas, apesar de trinta anos de derrotas, traições, exílio e miséria, esse povo palestino está mobilizado, esse povo palestino está lutando. Isso explica a raiva da grande burguesia sionista, que sabe que está usurpando sua propriedade, sua terra e seus direitos nacionais e democráticos.

É por isso que, em setembro de 1970, quando Houssein desencadeou a repressão nos campos palestinos, massacrando 20.000 refugiados, produzindo o Chile do Oriente Médio, Dayan o ajudou bombardeando os campos. Lembremos como a frota dos EUA foi mobilizada, como Israel estacionou seu exército no Jordão e anunciou que estava pronto para invadir se a luta fosse desfavorável ao carniceiro Houssein e ele fosse derrubado pela mobilização popular. Lembremos que havia um Chile no Oriente Médio e que Israel interveio para ajudar seu Pinochet!

Algumas conclusões

Para concluir, insistimos no que já dissemos neste trabalho: somente uma falsificação grosseira dos fatos históricos pode esconder o fato de que Israel é um enclave colonial, com características semelhantes às dos estados “brancos” da África, construído com base na expulsão, discriminação racial, exploração e negação dos direitos democráticos e nacionais da população nativa. Na área em que se estabeleceu, esse enclave colonial atua como um policial do imperialismo para suprimir as lutas nacionais e sociais dos povos árabes.

Poucas pessoas ainda engolem a pílula do Israel “socialista” ou “progressista”. Entretanto, especialmente na Europa, entre a esquerda pequeno-burguesa, ainda há alguns que digerem toda ou parte dessa fábula. Por quê? Isso tem a ver com algumas características históricas originais da colonização sionista.

Contamos como Rhodes e o imperialismo britânico (e também os outros imperialismos) aproveitaram a tragédia das massas sem pão e sem trabalho da Europa para desenvolver suas aventuras coloniais. Mas o sionismo se aproveitou de outra coisa, de uma das maiores tragédias e crimes dos últimos dias do imperialismo: o antissemitismo e os massacres dos nazistas na Europa. Seguindo essa memória, o sionismo tentou – e continua tentando – justificar que na Palestina aplica os mesmos critérios e métodos racistas da Alemanha de Hitler.

Outro fator de confusão tem sido a justificativa ideológica da colonização sionista (já vimos como o stalinismo também contribuiu com seu “grãozinho de ouro” para isso). A ideologia sionista é uma mistura particular de ideias religiosas, chauvinistas e ultra-reacionárias com justificativas e racionalizações supostamente socialistas e até mesmo “marxistas”.

Também não há nada de misterioso ou inexplicável nisso. Se alguém perguntasse ao colonizador da América o que ele estava vindo fazer aqui, dificilmente ele responderia: “Estou vindo para massacrar os índios e reduzir os que restaram vivos à semi-escravidão, para viver às custas deles”. Em 99 de cada 100 casos, a resposta seria: “Venho salvar as almas desses pobres infiéis”. E, individualmente, a maioria dos espanhóis era sincera. Assim, cada colonialismo elaborou em sua ideologia as racionalizações adequadas à sua época e ao seu público. Rhodes e companhia também não afirmaram que estavam colonizando a África para sugar o sangue dos negros. Que esperança! De acordo com eles, estavam trazendo a luz da civilização justamente para o benefício dos pobres indígenas.

O sionismo, uma expressão tardia do colonialismo, surge quando as ideias socialistas se enraízam entre as grandes massas da Europa Oriental. Ele tem de enfrentar um setor dessas massas influenciado por marxistas e bundistas; está condenado, então, a se apresentar sob uma aparência socialista. Era inevitável que o colonialista sincero Theodore Herzl fosse sucedido pelo falso “marxista” Borochov. É claro que estamos falando de falsidade ideológica, não psicológica.

Mas se o marxismo ensina alguma coisa, é que por trás do véu das ideologias está a realidade. E quando a máscara ideológica do sionismo cai, o rosto desagradável do colonialista aparece.[102]

A juventude judaica deve repudiar o sionismo.

Acreditamos que isso seja algo especialmente para os jovens judeus, que estão sujeitos a uma chantagem ideológica colossal por parte de todo o aparato sionista, que explora os últimos vestígios da estrutura dos judeus como um povo de classe.

Acreditamos que isso se aplica principalmente aos jovens judeus, que estão sujeitos a uma chantagem ideológica colossal por parte de todo o aparato sionista, que explora os últimos vestígios da estrutura dos judeus como um povo de classe.

O sionismo fala, por exemplo, em não perder as tradições, mas qual tradição? O jovem judeu tem duas “tradições” para escolher: uma é a de Marx, Trotsky, Zinoviev, Kamenev, Rosa Luxemburgo, Abraham Leon etc. A outra é a de Theodore Herzl, da família Rothschild ou dos rabinos. Rami Livne, Meli Lerman, Levenbraum e outros jovens judeus detidos, torturados e recentemente condenados a longos anos de prisão em Israel por lutarem com seus irmãos, os árabes palestinos, pertencem à primeira tradição. Os camaradas judeus em Israel que militam nas fileiras do Matzpen, a seção solidária da Quarta Internacional, pertencem à mesma tradição. Ou aqui na Argentina, aqueles que militam em nosso partido e em outras organizações antissionistas de esquerda. Na outra tradição, por outro lado, estão Dayan, Begin, Golda Meir e companhia. É preciso fazer uma escolha. Quem está com uma tradição não pode estar com a outra.

Nós, socialistas revolucionários, gostamos de nos manifestar. É por isso que, para o jovem judeu, dividido entre a feroz realidade colonialista de Israel e as pressões sentimentais de sua família, do ambiente e do aparato sionista, dizemos: camarada, não se confunda; não há meio-termo, não há uma “esquerda” sionista que permita que você se dê bem com Deus e com o diabo. A “esquerda” sionista ou pró-sionista é uma completa falsidade, é uma mercadoria falida, e por uma razão muito simples: porque o sionismo é um nacionalismo de opressores, não de oprimidos.

O nacionalismo dos povos oprimidos tem seus grandes traços progressistas, e aí é legítimo falar de “alas esquerdas”. Mas isso não acontece com os nacionalismos dos opressores; por exemplo, com o nacionalismo ianque, com o nacionalismo dos colonos brancos na África ou com o nacionalismo dos colonos sionistas na Palestina.

Não se pode falar seriamente de “esquerda”, nem de “socialismo”, se não se rejeitar todas as formas de opressão nacional ou “racial”. E se você, camarada, for coerente com essa rejeição, deve automaticamente se colocar fora do sionismo. A menos que queira abrir uma exceção, você é contra todas as formas de opressão em qualquer lugar do planeta… exceto em Israel. Nesse caso, gostaríamos de transcrever a seguinte reflexão de Maxime Rodinson: “Ainda acho que o fato de eu ser judeu não me obriga a usar dois pesos e duas medidas diferentes. Ou melhor, sejamos francos e declaremos que, sejam quais forem as circunstâncias, um determinado grupo de homens sempre tem razão; nesse caso, o grupo ao qual pertencemos de acordo com os critérios antissemitas e sionistas, ou seja, o grupo dos judeus. Essa convicção da impecabilidade de nosso próprio grupo “étnico” é um fenômeno frequente na história dos grupos humanos. Esse fenômeno é chamado de racismo.”[103]

Por fim, façamos um alerta a toda a juventude judaica: o sionismo é um grave perigo, não apenas para as massas árabes, mas também para as centenas de milhares de judeus que foram para a Palestina acreditando honestamente nas promessas sionistas de segurança e paz. Nesse estágio da revolução dos povos coloniais, é absolutamente impossível desempenhar o papel de colonizador de forma “pacífica” e “segura”. Hoje, o verdadeiro programa do sionismo é a “guerra por mil anos”, da qual o paranoico fascista Dayan fala diariamente.[104] Ao vincular o destino dos 2,5 milhões de judeus que vivem na Palestina ao imperialismo, o sionismo deu um passo muito perigoso, porque, em longo prazo, historicamente, o imperialismo está fadado ao enfraquecimento e ao declínio. Embora não seja em um prazo imediato, os colonos sionistas não têm nenhuma garantia de que o imperialismo não acabará negociando eles próprios, como fez com os colonos franceses na Argélia.

Diante dessa perspectiva, os camaradas judeus devem saber que a Resistência Palestina lhes oferece outra opção: “nenhuma segurança em um Estado racista, mas segurança total em uma nova Palestina democrática”.

Abaixo o Estado racista e colonial! Por um Estado palestino secular e não racista com direitos democráticos abrangentes para todos os seus habitantes, árabes ou judeus!

Nosso partido apoia esse slogan democrático levantado pelas organizações mais representativas do povo palestino. O apoio a esse slogan democrático, cujo conteúdo é semelhante ao slogan da assembleia constituinte defendida pela Quarta Internacional em 1948, não significa, é claro, que apoiamos a liderança palestina. Em Avanzada Socialista[105] (24/10/73), explicamos esse slogan da seguinte forma:

“Entendemos que a coisa mais correta a fazer é apoiar a criação – no território atualmente ocupado pelo Estado sionista – de um único Estado palestino, secular, não racista e com amplos direitos democráticos para todos os seus habitantes.”

“Um Estado secular significa que ele não se baseará nem apoiará nenhuma religião ‘oficial’, seja ela islâmica, judaica ou cristã. Um Estado palestino secular não se baseará nem no ‘Antigo Testamento e nos profetas de Israel’ (como é o caso do atual Estado sionista), nem no Corão (o livro sagrado da religião islâmica e que rege a constituição e as leis de vários Estados árabes). Ao mesmo tempo, ele garantirá a cada um de seus habitantes total liberdade para praticar a religião de sua escolha ou não ter religião alguma, se preferirem.

“Esse Estado palestino secular abolirá os privilégios raciais, a discriminação e a perseguição que existem hoje no Estado sionista e garantirá a todos os seus cidadãos – sejam eles de origem árabe ou judaica – direitos democráticos iguais: liberdade de falar e ensinar seu idioma nativo e de publicar sua imprensa e livros nesse idioma, não discriminação em empregos públicos ou privados e igualdade de remuneração, igualdade na eleição e eleição para cargos públicos ou sindicais, árabe e hebraico como idiomas oficiais e assim por diante.

“Alguns leitores podem levantar a seguinte objeção: ‘Concordamos que Dayan, Golda Meir e companhia devem ser eliminados, mas por que damos o slogan de um único Estado palestino? Isso obviamente garantiria o direito à autodeterminação dos árabes, uma vez que eles poderiam ser a maioria nesse Estado palestino, mas isso não infringiria o direito à autodeterminação dos judeus, que não deveriam ser incluídos no grupo de Dayan e sua gangue?

“A resposta é muito simples: os marxistas revolucionários defendem o direito à autodeterminação dos oprimidos, não dos opressores.

“O direito à autodeterminação é um problema concreto, não é uma questão aritmética de maiorias ou minorias. Defendemos o direito à autodeterminação da minoria “católica” irlandesa em Ulster contra a maioria “protestante” inglesa, porque a primeira é oprimida pela segunda. Pela mesma razão, apoiamos a maioria negra na Rodésia, na África do Sul e nas colônias portuguesas contra a minoria branca que os escraviza da forma mais selvagem. O que proporíamos, por exemplo, para a África do Sul: autodeterminação para os negros e também para os brancos que lhes negam até mesmo o status de seres humanos?

“O caso de Israel é semelhante ao da Rodésia, da África do Sul ou da Argélia antes da revolução. Assim como nesses casos, o imperialismo ‘importou’ uma minoria colonizadora que despojou milhões de nativos de suas terras e de seus direitos nacionais e humanos. Assim como na África do Sul, onde os negros são confinados como gado em “reservas indígenas”, milhões de palestinos vivem na miséria dos “campos de refugiados” no Líbano, na Síria e na Jordânia. Além disso, eles são vítimas de massacres perpetrados pelos sionistas ou por seus cúmplices árabes, os governos reacionários do Líbano e da Jordânia. Os palestinos deixados para trás em Israel estão sujeitos a um regime de terror nazista.

“Quem, então, são os opressores e quem são os oprimidos? Quem tem o direito à autodeterminação? Aqui é simples e concreto: a primeira e imediata coisa a fazer é devolver ao povo oprimido sua terra e seus direitos nacionais e democráticos. Ao mesmo tempo, garantir a todos os judeus que queiram viver em paz e fraternidade com os árabes e sem explorá-los, a todos os judeus que não queiram ser bucha de canhão para Dayan e o imperialismo norte-americano, a completa igualdade de direitos democráticos como cidadãos de um Estado palestino secular e não racista.”

Abaixo, reproduzimos três trechos de diferentes obras de Nahuel Moreno que têm a ver com o assunto.


Consigna democrática palestina que pode abrir o caminho para a revolução dos trabalhadores

Publicado em Correspondência Internacional em setembro de 1982. Moreno estava polemizando com um grupo de companheiros chilenos que haviam deixado o lambertismo e se juntado à nossa corrente (então chamada LIT-CI). Lá encontramos uma ampla caracterização da OLP.

Prezados companheiros:

Recebemos sua carta de 31 de julho com perguntas “resumidas” e críticas implícitas e explícitas às nossas posições sobre o Oriente Médio. A chave para nossas divergências, inclusive sobre o método de abordar o problema, está na sua afirmação de que a política e o slogan palestinos seculares, democráticos e não racistas são burgueses e só podem ser apoiados “se esse estado surgir, na luta contra o sionismo e o imperialismo”.

Por outro lado, nossas diferenças se tornam mais precisas quando, no final da carta, afirmam que “naturalmente” concordam conosco na “caracterização da guerra no Líbano, com os slogans anti-imperialistas centrais e com o foco na destruição do Estado sionista”. Além disso, quando aprovam nosso slogan do “eixo” de apoio militar à OLP e às tropas sírias.

Portanto, à primeira vista, as diferenças parecem ser meramente táticas. Segundo vocês, estaríamos de pleno acordo sobre “o eixo” e “a base”, que seria a “destruição do Estado sionista”, e vocês marcam sua discordância sobre o que deve ser construído “depois”: para nós, seria a palavra de ordem “burguesa” de um Estado palestino, secular, democrático e não racista; para vocês, por outro lado, a palavra de ordem que consideram “transitória” e “trotskista clássica”: assembleia constituinte palestina com base na destruição do Estado sionista. Veremos que esse não é o caso:

Quem o destrói?

Ao fazer essa primeira pergunta, logicamente derivada de nosso acordo de princípios, começam as profundas diferenças de método, que depois se refletem em políticas e slogans. Se o objetivo decisivo e fundamental é a destruição do Estado sionista, é uma questão de estabelecer quais forças objetivas estão, neste momento, engajadas nessa tarefa progressiva e histórica, e quais são os melhores slogans para apoiá-las e garantir que realizem sua tarefa com o maior entusiasmo e força.

São os sabras e sefarditas de Israel, explorados e discriminados, ou são os trabalhadores asquenazes?

No momento, essas forças são o baluarte do Estado sionista e não a vanguarda de sua destruição. A aristocracia trabalhista asquenazi, por meio do Partido Trabalhista, está totalmente comprometida com o sionismo. Os sabras e sefarditas forneceram a base eleitoral de Begin e apoiam com entusiasmo seus planos de colonização das terras árabes.

Isso faz com que hoje o movimento árabe e maometano seja o único setor social em luta permanente contra Israel, cuja vanguarda indiscutível são os palestinos, expulsos de sua terra natal pelos sionistas. Desde 34 anos atrás, quando o estado racista foi construído, a maneira de lutar por sua destruição é apoiar a guerra justa dos palestinos e muçulmanos. Não vemos outra opção, porque não há outra força na realidade objetiva que se posicione, de armas na mão, contra o sionismo.

Como trotskistas, devemos então tentar encontrar consignas que sejam adequados a essa realidade objetiva, ou seja, que ajudem a mobilização e o combate árabes. Esse é o nosso método, mas não o seu.

Consignas para cumprir a tarefa ou para depois que a tarefa for cumprida?

Quando nossas diferenças metodológicas são incorporadas em diferentes consignas, surge o novo problema do papel e do lugar que eles devem ocupar na luta. Quando e para que uma consigna deve ser usada?

Se seguirmos a sua – constituinte palestina – ela é criada para depois que a tarefa “básica” tiver sido cumprida. Não é para ajudar a cumpri-la melhor, mas para resolver um problema posterior a ela, nesse caso, aquele que surgiria após a destruição do Estado sionista.

Essa é a metodologia que Trotsky definiu como a dissolução do concreto no abstrato e futurológico. Na verdade: você está dissolvendo o concreto, que é a luta maometana e palestina para destruir o Estado fascista, racista e baseado no Antigo Testamento, na abstração futurológica de que, uma vez destruído o Estado, você convocará seus habitantes atuais, que são sionistas e têm maioria absoluta sobre os palestinos, para uma assembleia constituinte para discutir a reorganização do país, dando a cada um deles um voto, assim como aos palestinos.

Nós, por outro lado, acreditamos que a consigna deve estar a serviço da tarefa, nesse caso, a destruição do Estado israelense.

Sua consigna não serve para tornar os únicos agentes atuais da destruição do Estado sionista cada vez mais audaciosos e corajosos, mas é contra esse propósito. A assembleia constituinte palestina, consciente ou inconscientemente, serve hoje ao sionismo, é conivente com ele e é a causa que Lambert defende, não todo o trotskismo, muito menos o trotskismo revolucionário.

A armadilha do apoio envergonhado

Um dos problemas básicos da guerra que, de várias formas, vem ocorrendo há 34 anos, é a disputa sobre quem tem o direito de permanecer em Israel. Ou seja, se os sionistas permanecerão ou não, se o enclave imperialista apoiado pelos judeus permanecerá ou será destruído. Os palestinos dizem e lutam para que os sionistas – e os ocupantes que vieram para fortalecer o enclave – saiam.

Se o enclave permanecer, ou seja, se Israel vencer a guerra, ele poderá assumir diferentes formas. Ele pode chegar ao ponto de assimilar uma minoria palestina colaboracionista e conceder a ela alguns direitos – até mesmo, por que não, direitos eleitorais. Mas se ela for destruída pela guerra palestina, isso significará que os sionistas deixarão Israel e, com eles, aqueles que lhes dão sua base social e política. Essa consigna: “Sionistas fora de Israel” é a decisiva, a que dá conteúdo à nossa formulação da destruição do Estado sionista. Que tipo de destruidores do Estado sionista somos nós, se nossa principal bandeira é permitir que os sionistas ganhem ou participem de uma eleição para a assembleia constituinte, pela qual nos comprometemos a lutar junto com eles e contra os palestinos, porque os palestinos não consideram o voto dos sionistas útil?

A assembleia constituinte palestina após a destruição do Estado sionista é precisamente a maneira vergonhosa de apoiar os sionistas e validar sua presença, dando um verniz “democrático” à sua usurpação fascista.

Se você quiser insinuar que essa assembleia constituinte seria formada por colonos judeus não sionistas, já respondemos implicitamente. Esses habitantes imaginários não existem. Se o proletariado judeu rompesse com seu aparato sionista (como o chamamos), teríamos de estudar a melhor forma de vinculá-lo à luta palestina. Mas isso é música do futuro.

Em sua carta, há um erro teórico que o leva à conquista da constituinte, embora, como vimos, ela não seja útil para mobilizar os palestinos e seja pró-sionista. Você acredita que ela é “transitória” e, portanto, superior à nossa, que é burguesa.

Isso é falso. É um lema estritamente burguês, tão burguês quanto o nosso. Nenhum deles tem um único elemento de classe. A constituinte é uma demanda democrática burguesa, baseada não em classes, mas em cidadãos. Para cada habitante, um voto. É a expressão máxima do direito político burguês.

Como qualquer demanda, independentemente de sua origem histórica, ela pode desempenhar um papel tradicional, progressivo, regressivo, revolucionário ou contrarrevolucionário, dependendo do contexto. Por exemplo, ela é criminosamente contrarrevolucionária em qualquer enclave colonial, e é por isso que é frequentemente usada pelo imperialismo para defendê-los. Não reconhecemos nenhum direito democrático burguês para os habitantes dos enclaves enviados pela metrópole. Quando ocuparmos Guantánamo, não convocaremos uma assembleia constituinte com direitos iguais para os cubanos e os colonizadores da base. Nosso slogan é, de agora em diante, fora de Guantánamo, a mesma consigna que temos em Israel.

Em Israel, atualmente, a constituição é igualmente contrarrevolucionária. Só poderíamos levantá-la de forma ultrapropagandística – e isso não serviria para nada – precedida de uma longa explicação dizendo que ela só será realizada se e quando os palestinos quiserem, quando todos os judeus sionistas, fascistas e racistas que não querem viver junto com os árabes tiverem sido expulsos de Israel.

Se isso não for devidamente esclarecido, ou se for dissolvido em uma fórmula abstrata, como a destruição do Estado israelense, sem deixar explícito que essa destruição implica necessariamente a remoção de seus habitantes atuais, a consigna significa aceitar o fato consumado da ocupação judaica de Israel e dizer que, de agora em diante, todos nós seremos democráticos, inclusive os fascistas.

Por que a liderança da OLP a abandonou?

Por outro lado, a palavra de ordem burguesa e não classista de uma Palestina secular, democrática e não racista, além de ser a palavra de ordem mais progressista levantada pelo movimento palestino, pode abrir caminho para a revolução dos trabalhadores.

Em outra situação, ela poderia se tornar contrarrevolucionário, mas hoje ela cumpre um papel preciso, equivalente a expulsar os ianques de Guantánamo ou os sionistas de Israel, que é o que o “não racista” na fórmula efetivamente significa. E amanhã, também os racistas árabes. Mas amanhã, não hoje. Porque hoje, o racismo árabe em relação a Israel é progressivo: ele destrói o Estado sionista.

O slogan é tão bom que, à medida que a liderança da OLP e o movimento árabe se tornam cada vez mais reacionários, eles a abandonam e, com ela, a linha política de destruição do Estado israelense, para aceitar o surgimento de um Estado palestino em algum lugar do Oriente Médio.

Nós seremos os únicos a levantar a mais sincera e avançada palavra de ordem democrático-burguesa do povo palestino. Não se trata de aceitar uma “desapropriação” burguesa ou pequeno-burguesa. Insistimos que o papel de cada consigna depende do contexto em que ela é usado. Nesse sentido, é bom lembrar a tática aconselhada por Trotsky, depois que Hitler tomou o poder. O “Velho” aconselhou que se estudasse a possibilidade de suspender a convocação do parlamento que elegeu Hitler, com o que teria sido possível tentar fazer com que a pequena burguesia rompesse com o fascismo e se unisse ao proletariado, por meio da legitimidade parlamentar. O mesmo ocorreu na Áustria. Como a classe trabalhadora de lá não acreditava na democracia dos trabalhadores e na ditadura do proletariado, Trotsky aconselhou a linha de defesa da democracia burguesa por meio de métodos de mobilização de classe.

Assim como um parlamento ultrarreacionário, a democracia burguesa ou a assembleia constituinte podem, em determinadas circunstâncias, tornar-se slogans progressistas ou transitórios, acreditamos que, no Oriente Médio, a consigna burguesa que cumpre esse papel é o da Palestina secular, democrática e não racista.

Ela está servindo – na medida em que é abandonada pela liderança da OLP – para atacá-la com o bumerangue e todos os reformistas que fazem pactos com o imperialismo, entregando-lhe a luta contra o Estado sionista. Nós aparecemos como os únicos “democratas consistentes”, que estão prontos para usar todos os meios de luta para destruir o Estado de Israel, impondo o grande objetivo das massas árabes.

O que é a OLP?

Nossas diferenças metodológicas e políticas estão intimamente ligadas àquelas que também temos em relação à caracterização geral da situação e da própria OLP. Quando você escreve que “se tal estado surgir (secular, democrático e não racista), na luta contra o sionismo e o imperialismo, nós o apoiamos. Mas não está claro por que reivindicamos isso como nossa consigna”, você mostra que não acredita que já exista uma organização secular, democrática e não racista em guerra contra Israel e o imperialismo. No entanto, ela existe em germe desde 1948 e tem se consolidado desde 1969, quando a OLP foi fundada.

Para nós, a chave da situação no Oriente Médio é a guerra, às vezes declarada, às vezes não declarada, mas permanente, do movimento árabe e especificamente palestino contra o Estado de Israel. Essa guerra assumiu várias formas, globais ou limitadas, com confrontos entre Estados – como aqueles entre o Egito e outras nações árabes – ou com ações de guerrilha de pequena e grande escala.

Entre as várias nações e nacionalidades em guerra permanente contra Israel, há uma, os palestinos, que, quando organizaram a OLP, formaram essa organização secular, democrática e não racista, a vanguarda da guerra contra o sionismo. Apoiamos essa organização agora ou esperamos até que ela vença a guerra, ocupe Israel, recupere seu território e, com isso, se restabeleça como Estado, para só então apoiá-la?

Se fizéssemos isso, apoiaríamos a OLP quando a guerra terminasse, quando nosso apoio não significaria nada e até mesmo quando o slogan perderia seu caráter transitório.

Quando vocês desconsideram essa função da OLP como uma mera facção política dos palestinos, você dá uma base ” de esquerda” à caracterização que o imperialismo faz dela. Ele também a rejeita como uma organização nacional palestina, definindo-a como uma corrente terrorista. Por outro lado, ele está pronto para negociar com personagens palestinos que ninguém conhece e, eventualmente, com os prefeitos palestinos da Judeia e Samaria, porque eles colaboraram com Israel.

Sua recusa em reconhecer esse caráter de nação sui generis sem território significa endossar a desapropriação sionista e imperialista desse território e dar razão a eles quando afirmam que, quando foram expulsos, os palestinos deixaram de ser uma nacionalidade organizada.

Hoje, a nacionalidade palestina organizada conta com cerca de cinco milhões de habitantes, divididos em dois setores: os que vivem nos campos de refugiados, administrados pela OLP, que são a maioria, e a camada de profissionais, técnicos e, em geral, a classe média abastada, que é a mais avançada do mundo árabe e que trabalha principalmente nos países do Golfo Pérsico. Eles não perderam sua nacionalidade palestina: são militantes ou colaboradores da OLP, que tem sedes e embaixadas em todos os países árabes e em muitas outras nações.

A OLP e seu governo

Sua caracterização sectária da OLP, na qual você confunde sua totalidade progressiva com o fato de ela ter uma liderança traiçoeira, capitulacionista ou conciliatória, tem várias consequências. Em primeiro lugar, com relação à sua guerra histórica, você se assemelha aos sectários que não queriam apoiar a Argentina contra a Inglaterra porque ela era governada por Galtieri.

Mas também é incapaz de atingir a liderança por suas capitulações reais, que, em nossa opinião, se baseiam no abandono do mote de uma Palestina secular, democrática e não racista.

A mesma raiz de sua crítica é que estamos iludidos porque conclamamos a OLP a lutar pelo socialismo.

Sem que esse seja nossa consigna fundamental, já que, como foi dito, é a recuperação da terra, a reconstituição da nação, a expulsão dos sionistas e a constituição completa de uma Palestina secular, democrática e não racista, nosso apelo à OLP para que lute pelo socialismo baseia-se no fato de que a consideramos uma nação sui generis. Dizemos OLP socialista como dizemos Chile socialista. Não pedimos isso à sua liderança burguesa ou pequeno-burguesa, assim como no Chile não pedimos isso a Pinochet. Vocês se esquecem de salientar que nós, cuidadosa mas sistematicamente – como fazemos com todo governo burguês que lidera uma guerra justa – criticamos a liderança da OLP e não lhe damos nenhum apoio político.

A mesma confusão os leva a nos apontar que não agitamos a necessidade de construir partidos trotskistas na Palestina e no Oriente Médio. É claro que eles devem ser construídos agora! Mas a primeira coisa para criá-los é um programa concreto. Apresentamos esse programa: vitória militar da OLP apoiada pela mobilização das massas árabes contra o sionismo, para destruir seu Estado e trazer de volta os palestinos, ou seja, a OLP. Esse é o ponto fundamental. Junto com isso, criar uma OLP que rompa com a burguesia, ou seja, um Estado palestino que rompa com as burguesias árabes e pratique a luta de classes. Isso é o que dizemos sistematicamente.

Podemos discutir qual dos dois polos do programa devemos enfatizar, o da ruptura com a burguesia ou o da destruição do Estado de Israel. Achamos que, se quisermos trabalhar com as massas árabes e palestinas, o que temos feito é o que temos feito: a frente comum de luta contra os sionistas, dentro da qual exigimos uma nova liderança. Com essa orientação, trabalhamos e queremos trabalhar na OLP. Ela nos parece a mais adequada, na verdade a única, para construir, com seus melhores lutadores e seus setores mais explorados, o partido revolucionário.


Israel, um Estado nazista

Publicado no Primeiro Congresso Mundial da LIT-CI [1985], Edições Crux, pp. 123-124. Em uma de suas intervenções no Congresso Mundial, Moreno fez uma breve referência à definição do Estado de Israel.

Gostaria de falar sobre Israel de passagem. Antes de mais nada, quero fazer uma autocrítica: Israel não é um Estado fascista, mas, no sentido em que o definimos, é nazista. O nazismo traz métodos de guerra civil, não apenas contra o proletariado, mas também contra as raças, especialmente a judaica e a eslava. É uma das maiores monstruosidades do imperialismo.

Não quero me dedicar ao problema histórico, de que o nazismo deu tudo em potência do que seria o futuro da humanidade se o capitalismo triunfasse. Do ponto de vista da monstruosidade, a dinâmica nazista é genial, porque é a tentativa de transformar os explorados em espécies diferentes, em raças diferentes. A monstruosidade do capitalismo, nesse sentido, foi perfeitamente bem-sucedida. Na monstruosidade humana não pode haver mais nada: a tentativa de dividir a humanidade em setores que acabarão como espécies diferentes, alguns trabalhando e outros vivendo às custas dos outros. É por isso que havia métodos de guerra civil contra raças, não apenas contra a classe operária […].

Sabemos perfeitamente que a classe trabalhadora em Israel – sobretudo os asquenazes (ou seja, judeus de origem europeia) – não é perseguida; sabemos que eles têm a Histradrut (a central sindical), que eles têm tudo. […] O que denunciamos é que há um genocídio sistemático de natureza racial. Isso é mais típico do nazismo do que do fascismo. É por isso que faço uma autocrítica.

Não compreendemos a profundidade do que aprendemos agora. Além disso, um dos maiores juristas israelenses, um membro – se bem me lembro – da Suprema Corte, disse que Israel era nazista. Nós mudamos e dissemos que era fascista, sem entender o quão profundo isso era. Ele entendia mais do que nós e sabia que, mesmo como membro da Suprema Corte, podia se dar ao luxo de dizer que Israel era nazista, tinha liberdade para dizer isso. Ele estava certo, era nazista nesse sentido: os métodos de guerra civil contra uma raça. Quando uma raça é perseguida por métodos de guerra civil, há métodos nazistas, porque são métodos de guerra civil.

Bem, camaradas, isso é tudo.


Quem oprime, quem é o oprimido?

Publicado em Conversaciones, Ediciones Antídoto, pp. 5-7. Nessa pergunta, Moreno se delimita das acusações de “antissemitismo”, define os sionistas na Palestina como opressores e localiza o terrorismo árabe como uma consequência dessa opressão brutal.

Você traça um paralelo entre o nazismo, o apartheid e o sionismo. Você nunca foi acusado de antissemitismo por isso?

Sim, a esquerda sionista me acusa de ser antissemita, especialmente porque defendo que a destruição do Estado sionista é necessária.

Como marxista, parto do pressuposto de que o proletariado de uma nação que explora e oprime outra nação, como Israel faz com os árabes e palestinos, não pode se libertar. A classe trabalhadora judaica é herdeira de uma tradição gloriosa de luta de classes: o caminho do proletariado ocidental, incluindo o da Argentina, está repleto de uma multidão de heróicos lutadores judeus. Mas esse proletariado não poderá continuar até o fim, nem amadurecer e superar sua gloriosa tradição, enquanto não tomar o partido dos palestinos e árabes, que são reprimidos, perseguidos e escravizados pelo Estado de Israel. O genocídio é uma característica constante do sionismo, desde os primeiros anos até a recente invasão do Líbano e o massacre dos campos de Sabra e Shatila.

Chamar-nos de antissemitas é uma armadilha para os incautos. É como dizer que um alemão que queria a derrota da Alemanha nazista era antialemão, ou que alguém que quer varrer a República dos Bôeres do mapa porque é antinegra é racista porque é contra os camponeses bôeres.

A pergunta a ser respondida com referência às relações entre povos, raças, nações e classes é muito simples, eu diria que é simples demais: quem oprime, quem é o oprimido? Para um marxista revolucionário, a resposta é tão simples quanto a pergunta: somos contra os opressores e a favor dos oprimidos. Defendemos os oprimidos até a morte, enquanto apontamos, quando necessário, os erros de sua liderança.

O terrorismo árabe é uma tática aberrante, totalmente errada, e nós dizemos isso. Mas continuamos ao lado dos palestinos e dos árabes, defendendo esses combatentes mesmo que usem táticas aberrantes e monstruosas, que vão contra os interesses de seus povos.

O ponto principal para nós é que esse terrorismo é produto do desespero de jovens palestinos que vivem em condições semelhantes às dos campos de concentração nazistas. Veja as fotos dos habitantes desses campos: sua pele está grudada nos ossos. Eles apresentam o mesmo estado que os sobreviventes dos campos de Buchenwald e Auschwitz, quando foram libertados no final da guerra. O culpado é o Estado de Israel, apoiado, infelizmente, por seu povo; assim como o Estado nazista, durante seus primeiros anos, teve o apoio da maioria do povo alemão. Não faz diferença se esses campos estão dentro ou fora das fronteiras de Israel: sua existência se deve à expulsão dos palestinos de sua terra natal.

A semelhança entre o Estado Bôer e o nazismo é óbvia. O nazismo não apenas persegue a esquerda, mas emprega os métodos mais selvagens de guerra civil contra outras raças, principalmente contra os judeus. Sempre lutamos na linha de frente contra todas as expressões do nazismo e defenderemos os judeus incondicionalmente.

Quando você pertence a uma raça ou nação exploradora, em luta contra uma nação ou nacionalidade oprimida, se você é um marxista revolucionário consistente, você é a favor do derrotismo revolucionário. O mal menor é a derrota de seu próprio país ou nacionalidade. Lênin foi a favor da derrota russa na guerra russo-japonesa e na Primeira Guerra Mundial, e por isso foi chamado de traidor, anti-russo, racista e agente alemão. E nossos companheiros judeus que lutam contra o sionismo são chamados de traidores, renegados, antissemitas, por se oporem à opressão e ao genocídio de árabes e palestinos pelo Estado de Israel.

A opressão racial em Israel e na África do Sul é uma expressão moderna da barbárie nazista, provando mais uma vez que, onde há capitalismo, o nazismo está logo ali, se não for detido pelo movimento de massas.

E mesmo sem chegar aos extremos monstruosos do nazismo e de seus irmãos mais novos, o sionismo e o apartheid, o próprio desenvolvimento econômico do capitalismo leva aos casos do Nordeste brasileiro e da Índia: nanismo, brutalização progressiva e cumulativa.


OUTROS TRABALHOS

O que são sionismo e Israel?

Por Mercedes Petit e Gabriel Zadunaisky. Fragmento de uma carta aberta da liderança do MAS para o Partido Obrero (PO), 11 de março de 1984. O texto localiza as características da “ala esquerda” do sionismo e seu mote de “paz pela terra”, polemizando contra as posições pró-sionistas do PO.

No final do século passado, como resposta aos pogroms contra os judeus ocorridos principalmente no Império Austro-Húngaro e na Rússia czarista (que foram, entre outras razões, consequência de toda uma política de repressão contra os trabalhadores e as diferentes nacionalidades oprimidas), formou-se um movimento promovido diretamente pela burguesia imperialista (com alguns proeminentes magnatas judeus bilionários à frente, como Rothschild), o sionismo, que alegava que a solução era formar um Estado “judeu”. Esse plano tinha o objetivo pérfido de retirar as massas judaicas (em sua maioria camponeses pobres, artesãos, pequenos comerciantes ou trabalhadores) da luta de classes em seus respectivos países, da luta de todos os explorados e oprimidos para derrubar esses regimes totalitários e da luta mundial contra o sistema imperialista burguês. Ele tinha o objetivo expresso de separá-los dos partidos marxistas e revolucionários, que foram condenados pelos sionistas como partidos “subversivos”.

Esse plano imperialista baseado no racismo, ou seja, no fascismo, foi combatido pelos marxistas desde sua origem. A Terceira Internacional considerou “o pretexto da criação de um Estado judeu na Palestina, país onde os judeus formam uma minoria insignificante”, como “o engano organizado pelas potências imperialistas com a cumplicidade das classes privilegiadas dos países oprimidos” (Segundo Congresso, 1920).

Desde o surgimento desse movimento sinistro, a definição a seguir é válida para o marxismo:

“Estado judeu” = sionismo = racismo = fascismo.

Israel, um “país” sionista, racista, fascista e invasor

A contrarrevolução imperialista sionista-fascista sionista conseguiu impor o “Estado judeu” na Palestina em 1948. O surgimento de Israel naquelas terras foi o ponto culminante de longos anos de luta e resistência anti-imperialista das massas árabes no Oriente Médio. Entre as duas guerras mundiais, houve várias insurreições contra os colonialistas britânicos e franceses.

A Palestina, que estava sob o domínio britânico desde o fim da Primeira Guerra Mundial, estava no centro dessas mobilizações, principalmente entre 1936 e 1939. Para esmagar as massas palestinas, o imperialismo britânico precisou recorrer à metade das tropas de seu exército, um dos mais poderosos do mundo.

Também contou com a colaboração eficiente do sinistro Haganah, o exército “não oficial” formado pelos sionistas para reprimir os palestinos durante a ocupação britânica. Nessa luta, milhares de palestinos foram mortos, presos e condenados à forca ou sentenciados a longas penas de prisão. Em 1939, o heroico povo palestino foi praticamente esmagado por esse banho de sangue. Isso facilitou a formação do “Estado judeu”, Israel, em 1948.

A população palestina nativa foi despojada de suas terras e propriedades, de seus direitos nacionais e territoriais democráticos, pela força militar das tropas britânicas e das gangues paramilitares sionistas – deixando de lado o atrito ocasional entre sionistas e britânicos – com o apoio do imperialismo francês e americano e a aquiescência da sinistra burocracia soviética. A maioria do povo da Palestina foi forçada a emigrar, a vagar como pária pelos vários estados árabes da região, e aqueles que permaneceram dentro das fronteiras do novo “país” sofreram desde então não apenas uma tremenda superexploração, mas todas as consequências da legislação ferozmente racista de Israel, comparável apenas à do apartheid sul-africano.

Israel não é um país qualquer, mas uma semente artificial, produto da contrarrevolução imperialista-fascista, um Estado invasor e racista, cuja existência se baseia no massacre, no genocídio, na expropriação e na expulsão de suas terras da numerosa população da Palestina.

Nós, argentinos, conhecemos muito bem um fenômeno semelhante ao de Israel: as Ilhas Malvinas. Há 134 anos, tropas britânicas invadiram essa parte do território nacional da Argentina, impuseram seu domínio pela força militar e a transformaram em um enclave colonial. O imperialismo e os israelenses sionistas = racistas = fascistas fizeram o mesmo no território palestino, desde 1948. Com uma diferença que agrava o crime: enquanto aquela parte do território argentino era desabitada, as terras em que o estado fascista foi imposto eram habitadas por milhões de camponeses pacíficos, a maioria esmagadora dos quais eram palestinos, que foram invadidos, massacrados e despejados. Assim como as Malvinas – após a derrota na guerra de 1982 – continuam sendo um enclave colonial britânico em território argentino, Israel é um país enclave, que se baseia na perseguição sionista = racista = fascista da população nativa, os palestinos, seja dentro ou fora de Israel.

Lembremos, camaradas: desde 1948, para os revolucionários, aplica-se a seguinte definição:

“Estado judeu” = existência de Israel = enclave = genocídio.

Nós voltaremos, o grito de guerra dos palestinos!

Embora a invasão sionista-fascista imperialista tenha triunfado em 1948 com a imposição do Estado de Israel, desde então começou a guerra contra Israel de todas as massas árabes e dos palestinos em particular para retornar às suas terras e recuperar seus direitos. O fato de ter de enfrentar constantemente a agressão militar dos sionistas = fascistas israelenses provocada pela existência de Israel e por ter sido deixado sem terra, por ter sido transformado em uma nação sem território, que teve de sofrer não apenas os ataques diretos do imperialismo e dos israelenses, mas também de setores da burguesia, O fato de a luta ter se desenvolvido quase que exclusivamente na forma militar, com as Fedayeen, os famosos combatentes contra o exército israelense, e com todos os tipos de sabotagem e ataques, tanto contra o imperialismo quanto contra os invasores sionistas.

Na década de 1960, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) foi formada e tornou-se a organização guarda-chuva de todos os palestinos despossuídos pelo imperialismo e por Israel. Desde então, a OLP tem liderado a guerra dos palestinos para retornar à sua terra. A resistência palestina foi forjada e a OLP tornou-se grande e forte, até ser reconhecida mundialmente como a representação nacional do povo palestino, porque apresentou a única solução democrática para o “problema” palestino: a destruição do Estado de Israel, para permitir que a maioria esmagadora da população, os palestinos, retornasse à sua terra. No caso desse povo castigado, seu direito à autodeterminação nacional começa com a recuperação das terras das quais foram selvagemente expulsos. Se o direito democrático de retorno dos palestinos for alcançado, isso significa o fim do Estado fascista = sionista, porque os palestinos são a maioria incontestável. Democraticamente, os palestinos poderão estabelecer um “Estado secular, democrático e não racista” (como diz a Carta Nacional da OLP), o único capaz de trazer paz à região e permitir que seus habitantes muçulmanos, judeus e cristãos desfrutem de direitos iguais.

A posição dos revolucionários é clara. Assim como combatemos o sionismo desde o seu surgimento por causa de seu caráter racista-fascista, desde 1948 apoiamos incondicionalmente essa guerra, que significa a luta democrática do povo palestino e, posteriormente, da OLP, para destruir Israel e retornar aos seus territórios expropriados. Lembremo-nos, camaradas:

Autodeterminação dos palestinos = destruição de Israel.

A ala “democrática” dos fascistas

Israel, desde que existe, estimulou o desenvolvimento de uma ala do sionismo que criticava as ações mais repugnantes do exército israelense, os genocídios mais escandalosos, os planos mais expansionistas dos vários governos, com o objetivo preciso de buscar apoio entre as organizações de esquerda e a opinião democrática dos vários países para o reconhecimento do “Estado judeu”, fascista, racista, genocida, que daria legitimidade à existência de Israel.

Essa ala “democrática” do sionismo, também conhecida como ” de esquerda” ou “socialista”, apela para o seguinte argumento falso: no Oriente Médio há “dois” povos que historicamente lutaram por sua libertação nacional, os palestinos e os “judeus”. Estes últimos teriam alcançado um imenso avanço a partir da existência de Israel, seu “Estado”, que seria o resultado do “triunfo do sionismo, o movimento de libertação do povo judeu”. A diferença entre palestinos e “judeus” seria que os palestinos ainda não alcançaram o triunfo, não têm Estado, e os “judeus” têm. Os palestinos “também” deveriam ter seu Estado e deveriam continuar sua luta, mas não “contra” Israel, e sim “ao lado” dele. Em ambos os movimentos havia “ultras”. De um lado, os “governos ruins” de Israel, que têm ambições expansionistas injustas. Do outro lado, a OLP, que não está lutando pela autodeterminação palestina, mas é uma organização de “assassinos”, “terroristas fanáticos”, “fascistas”, que lutam militarmente contra aldeões inocentes por trás de seu objetivo “racista” de destruir Israel.

Toda essa argumentação sinistramente falsa, que é alimentada diretamente pelo próprio Israel, por suas embaixadas em diferentes países e pelo imperialismo, tem um objetivo claro: disfarçar a tremenda injustiça, o crime contra a democracia que a existência de Israel significa, e atacar a justa luta dos palestinos, tentando fazê-los desistir de seu direito democrático de recuperar o que é seu por direito, desistir de seu direito de retornar às suas terras e aceitar a existência do “país” dos invasores, Israel, como um fato irreversível. Sua política é sintetizada na fórmula do “reconhecimento recíproco”: que os palestinos aceitem o direito de Israel de existir como nação e renunciem à justa luta por sua destruição.

Em última análise, isso sintetiza a essência do sionismo, que é sinônimo da existência de Israel. A ala “direita” se contenta em garantir sua existência com os milhões de dólares que o imperialismo, em especial os EUA, injeta todos os anos na economia israelense para sua sobrevivência e com a força militar de seu exército. A ala “democrática” tenta disfarçar isso com o consenso dos setores democráticos e de “esquerda” e com um verniz “pró-palestino”. Essa é, em última análise, a nuance da diferença entre as duas alas do fascismo sionista.

É por isso, camaradas, que nós, revolucionários, repudiamos a fórmula sionista = fascista do “reconhecimento recíproco”.

“Reconhecimento recíproco” = existência de Israel = fascismo.


Notas

[1] Abraham Leon foi um dos principais líderes do sionismo de “esquerda” europeu até as vésperas da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, Leon chegou à conclusão de que seu partido sionista, o Hashomer Hatzair, havia se colocado a serviço do imperialismo britânico. Ele rompeu completamente com o sionismo e se filiou à Quarta Internacional. Após a ocupação alemã, ele reorganizou a seção belga, publicou jornais clandestinos e promoveu a organização da resistência em vários setores do movimento dos trabalhadores. A caminho de Charleroi para ajudar a reorganizar o corpo de delegados dos mineiros, que estava sendo liderado pelos trotskistas, foi preso pela Gestapo. Ele morreu no campo de concentração de Auschwitz.

[2] Os sionistas argumentam hoje que essa saída era utópica, que a luta revolucionária não conseguiu salvar os seis milhões de judeus europeus massacrados pelos nazistas e que, além disso, o antissemitismo persiste na URSS e em outros países socialistas. A partir disso, eles deduzem que o antissemitismo é um fenômeno “eterno”, comum a todas as sociedades e povos. A conclusão sionista é totalmente falsa. O antissemitismo permaneceu vivo na Europa após a Revolução Russa exatamente porque o socialismo não conseguiu triunfar em todo o continente. A revolução foi derrotada nos principais países da Europa e especialmente em seu principal país, a Alemanha. A sobrevivência do capitalismo e o curso contrarrevolucionário que se abriu a partir de 1923 acabariam por levar ao triunfo do fascismo na Alemanha e à deformação burocrática da URSS, ao stalinismo. Ao contrário do que afirmam os sionistas, essa dolorosa experiência histórica confirma a tese do marxismo revolucionário: o racismo, assim como a opressão nacional ou da mulher, é uma excrescência de sociedades onde há classes ou estratos privilegiados.

[3] Bund: União Geral dos Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, fundada em 1897. Inicialmente fazia parte do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Quando o POSDR se dividiu, o Bund sempre se alinhou contra os bolcheviques. Em 1917, apoiou Kerensky contra Lênin e Trotsky. O Bund manteve grande força na Polônia até a Segunda Guerra Mundial.

[4] Abraham Leon, The Jewish Question, Pathfinder, Nova York, 1970, p. 244.

[5] Estudo preliminar de Alex Bein para o livro de Theodore Herzl, El Estado judío y otros escritos, Ed. Israel. Buenos Aires, 1960, pág. 56.

[6] Theodore Herzl, El Estado judío y otros escritos, ob. cit., pág. 199.

[7] André Chouraqui, A man alone; the life of Theodor Herzl, Jerusalém, Keter. Books, 1970, p. 106; citado por Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State?, Monad Press, Nova York, 1973, p. 102.

[8] Theodore Herzl, The Jewish State and Other Writings, ob. cit., p. 213.

[9] Dov Barnir, “Os judeus, o sionismo e o progresso”, na compilação de Jean Paul Sartre, Dossiê do conflito israelo-arabe, Inova, Portugal, 1968.

[10] “Não é o mandato britânico, mas a Bíblia que constitui nosso direito a esta terra.”R. J. Swi Werblowsky, Israel and Eretz Israel, Dossier…, ob. cit. p. 402.

[11] Dov Barnir, ‘Os Judeus, o sionismo e o progresso’, Dossier…, ob. cit., p. 486.

[12] Ephraim Tari, “O significado de Israel”, Dossier…, ibid., p. 560. O famoso slogan “uma terra sem um povo para um povo sem uma terra” foi criado por um dos primeiros líderes do movimento sionista, o inglês Zangwill. Observe que, para o Sr. Tari, os muçulmanos e outros que ele cita não são “um povo” (para ele, a Palestina era “sem povo”), mas apenas “núcleos heterogêneos” quase no nível dos mosquitos que infestavam os pântanos dessa “terra sem povo”.

[13] Robert Misrahi, “Coexistence or War” (Coexistência ou Guerra), Dossiê …., op. cit., p. 584.

[14] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State?, ob. cit., pág. 46.

[15] Robert Misrahi, ‘Coexistence or War’, Dossier…, p. 584.

[16] Iosef Shatil, ‘Las ideologías en el conflicto árabe-israelí’, em Antología Israel, la liberación de un pueblo, AMIA, Buenos Aires, 1968, p. 316.

[17] Simha Flapan, “O Diálogo entre socialistas árabes e israelitas é uma necessidade histórica”, Dossier…, ob. cit. p. 608.

[18] Robert Misrahi, “Coexistence or War”, Dossier…, op. cit., p. 585.

[19] Joseph Shatil, “Las ideologías en el conflicto árabe-israelí”, em Anthology Israel…, op. cit., p. 608.

[20] Robert Misrahi, “Coexistence or War”, Dossier…, ob. cit., p. 583.

[21] Ibid.

[22] Shimon Peres, ‘Días próximos e días longiquos’, Dossier…, op. cit., p. 558. Na época em que este artigo foi escrito, o Sr. Peres era secretário-geral do Partido Rafi, fundado com Ben Gurion e o General Dayan, como uma cisão do MAPAI.

[23] Robert Misrahi, “Coexistencia o guerra”, Dossier…, ob. cit., pag. 590.

[24] Ibíd., pág. 585.

[25] Iosef Shatil, ‘Ideologies in the Arab-Israeli Conflict’, em Anthology Israel…, op. cit. p. 316.

[26] Simha Flapan, ‘O Diálogo entre socialistas árabes e israelitas é uma necessidade histórica’, Dossier…, ob. cit., p. 641.

[27] Prof. Benjamin Aktzin, ‘The time has come to address concrete issues’, em Anthology Israel…, op. cit., p. 641.

[28] “Vamos enfatizar, antes de tudo”, diz Dov Barnir, “que não houve um sionismo, mas muitos. Três foram ‘alcançados’: a saída do Egito, a saída da Babilônia e o êxodo da Diáspora” (Dov Barnir, “Os judeus, o sionismo e o progresso”, Dossier…, ob. cit., p. 447). O Sr. Barnir se autodenomina marxista (?) e foi um dos fundadores do Hashomer Hatzair e do MAPAM.

[29] Lênin, “El imperialismo, fase superior del capitalismo”, Obras escogidas, Tomo I, Cartago, Buenos Aires, 1960, p. 449.

[30] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 38.

[31] Lênin apontou que “no final do século XIX, os heróis do dia eram, na Inglaterra [e também em toda a Europa, N.R.] Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain, que pregavam abertamente o imperialismo e seguiam uma política imperialista com o maior cinismo” (Imperialismo…, ob. cit., p. 450). Imagine como seria essa mentalidade nos fundadores do movimento sionista quando (não no século XIX, mas hoje) todo um senhor “esquerdista” escrevendo na esquerdista Les temps modernes, uma revista editada pelo não menos esquerdista Jean Paul Sartre, diz que os palestinos não eram um povo, mas “núcleos heterogêneos” (ver nota 12) e que a Palestina estava “sem um povo”.Ou quando uma “eminência” da Universidade Hebraica de Jerusalém, o professor Aktzin, “não tem certeza de que exista um povo palestino” (ver nota 27). A Al-Fatah parece não ter convencido esse “professor” ainda! Esperamos que o faça o mais rápido possível!

[32] Lênin, Imperialismo…, p. 451.

[33] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 43.

[34] Ibid., p. 44.

[35] Alex Bein, Preliminary Study to Theodore Herzl’s book, The Jewish State and Other Writings, op. cit.

[36] Nahum Sokolow, History of Zionism, Longmans, Green & Co, Londres, Vol. II, pág. XLVII, citado por Yuri Ivanov, La burguesía sionista, Nuevas Masas, Buenos Aires,1973, pág. 49.

[37] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 105.

[38] Alex Bein, Preliminary study to Theodore Herzl’s book, The Jewish State and Other Writings, op. cit.

[39] Nahum Sokolow, History of Zionism, ob. cit., Vol. I, p. 138.

[40] Ibid., Vol. II, p. 230. Lord Shaftesbury é o verdadeiro pai do slogan de Zangwill. Em 1854, Shaftesbury lançou o slogan “território sem nação, nação sem território” (Cf. Fawwas Trabulsi, “El problema palestino” na coleção “La revolución palestina y el conflicto árabe-israelí”, Cuadernos de Pasado y Presente N° 14, Córdoba, 1970, p. 60).

[41] Reprodução fac-símile da Declaração Balfour em Ghazi Danial, ¿Por qué soy fedayín, Buenos Aires, sem data, p. 5.

[42] Foreign Office: Ministério das Relações Exteriores do imperialismo britânico.

[43] Citado por Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, op. cit., p. 47. O líder sionista Herbert Samuel comentaria em suas Memórias: “Será dessa forma que construiremos nas proximidades do Egito e do Canal de Suez um Estado judeu de obediência britânica” (Dossier…, op. cit., p. 247). Preciso dizer mais?

[44] Rodinson faz a seguinte análise, depois de lembrar que a Grã-Bretanha, na época, estava envolvida em uma guerra até a morte com os impérios centrais (Alemanha, Áustria e Turquia). “Os principais motivos para a declaração foram o desejo de causar um impacto de propaganda sobre os judeus da Europa Central e a esperança de colher os benefícios da futura liquidação do Império Otomano. Os judeus da Alemanha (onde a sede da Organização Sionista esteve até 1914) e da Áustria-Hungria foram conquistados para o esforço de guerra em grande parte porque estavam lutando contra a Rússia czarista, a perseguidora dos judeus. No território russo conquistado, os alemães se apresentaram como protetores dos judeus oprimidos pelo “jugo moscovita” (aqui Rodinson cita proclamações do Estado-Maior alemão). A Revolução Russa reforçou as tendências derrotistas na Rússia. Foi atribuído aos judeus russos um papel importante no movimento revolucionário. Era essencial dar a eles um motivo para apoiar a causa dos Aliados. Não é coincidência o fato de a Declaração Balfour ter sido emitida cinco dias antes da fatídica data de 7 de novembro (25 de outubro no calendário russo), quando os bolcheviques tomaram o poder. Um dos objetivos da declaração era apoiar Kerensky. A força dos judeus americanos, um país que acabara de se juntar aos Aliados, também estava sendo considerada. Era necessário fazer um esforço máximo, já que o pacifismo predominava entre eles. Era necessário antecipar-se aos sionistas alemães e austríacos que estavam negociando uma espécie de “Declaração de Balfour”. Com relação à Palestina, Rodinson aponta a ligação entre essa declaração e os acordos com Houssein de Meca e com a França (tratado Sykes-Picot): “Não era uma má ideia ter uma população no Oriente Próximo ligada à Inglaterra por reconhecimento e necessidade (…) Fazer da Palestina um problema especial, dando assim à Inglaterra uma responsabilidade particular, era obter uma base sólida para fazer exigências durante a divisão que se seguiria à guerra” (Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State…, pp. 47-48), ob. cit. pp. 47-48). Rodinson faz essa análise principalmente com base em documentos do Gabinete de Guerra Britânico publicados posteriormente. Não é necessário esclarecer que não há nenhum vestígio nos registros dos supostos “agradecimentos” pelas invenções do Dr. Weizmann. Esse é outro mito histórico do sionismo.

[45] Jon Rothschild, “How the Arabs were driven out of Palestine” (Como os árabes foram expulsos da Palestina), Intercontinental Press, Vol. 11, No. 38, Nova York, 1973, p. 1208.

[46] Nathan Weinstock: The truth about Israel and Zionism, Pathfinder, 1970, p. 5.

[47] O professor Y. Baner, de Jerusalém, em “The Arab Revolt of 1936”, New Outlook, Jul-Aug-Sep 1966, conclui: “…as condições para a vitória de 1948 foram criadas durante a revolta árabe” (citado por Nathan Weinstock, ibid., p. 5).

[48] Fawwas Trabulsi, “El problema palestino”, na coletânea La revolución palestina y el conflicto árabe-israelí, Pasado y Presente, Córdoba, 1970, p. 77.

[49] Colocamos “feudal” entre aspas porque, no mundo muçulmano, a existência do feudalismo no sentido clássico europeu é discutível. Por “feudais” árabes entendemos a antiga classe dominante, com raízes anteriores à penetração do capitalismo moderno, proprietária de vastas extensões de terra, mas também com interesses no comércio e na usura (que existia apesar da proibição do Alcorão). As formas de propriedade da terra e a extração de produtos excedentes dos camponeses no Islã eram muito variadas e complexas, dependendo do local e do momento histórico. Atualmente, há toda uma discussão entre os marxistas sobre como caracterizar o modo (ou modos) de produção e a formação socioeconômica do Islã antes da penetração do capitalismo moderno com seu centro na Europa. Se a caracterização de feudal (no sentido clássico) parece ser inadequada, há também objeções contra o rótulo “modo de produção asiático”, pelo menos de acordo com as características com as quais Marx o estudou no caso da Índia. Sobre essa discussão, os autores deste artigo não têm elementos para se pronunciar. Para obter mais dados, consulte Máxime Rodinson, Islam y capitalismo. Siglo XXI, Buenos Aires, 1973, especialmente p. 47 e seguintes. Mas, independentemente disso, há um problema político aqui: a obsessão em apressar o carimbo do mundo árabe como “feudal” tem a ver com duas ideologias: a do colonialismo e a do stalinismo. Para a mentalidade colonialista, falar em “feudal” é o mesmo que dizer “a noite sombria da história à qual devemos trazer a luz da civilização” (e das empresas petrolíferas). O sionismo coloca uma camiseta “marxista” nesse velho “slogan” colonialista, quando diz que representa o capitalismo (ou socialismo) “progressivo” em luta contra o feudalismo “reacionário”. Essa é uma tentativa de justificar a opressão de um povo atrasado por um povo mais avançado. Quanto ao stalinismo, as coisas são diferentes: em sua luta contra o trotskismo e a fim de justificar suas negociações com todas as burguesias (“democráticas” e outras), o stalinismo negou a possibilidade de combinações e saltos de estágios históricos. Assim, necessariamente, todos os povos tiveram de passar – ou passaram – pelos estágios do comunismo primitivo, escravidão, feudalismo, capitalismo e socialismo. A história não deu atenção aos decretos de Stalin, mas os pobres historiadores soviéticos sim, obrigados a encontrar o “feudalismo” e a “escravidão” no passado ou no presente de todos os povos; não fazer isso significava ser considerado “trotskista” e tratado como tal. Em seu delírio burocrático, Stalin chegou ao ponto de proibir os escritos de Marx sobre o “modo de produção asiático”, já que eles destruíam seus esquemas. Fazemos essa digressão, pois em 1947-1948 ambas as ideologias (colonial-sionista e stalinista) se fundirão para fabricar argumentos “científicos” para justificar a criação de Israel.

[50] “Como um exemplo notável dos enganos perpetrados contra a classe trabalhadora dos países subjugados pelos esforços combinados do imperialismo aliado e da burguesia desta ou daquela nação, podemos citar o caso dos sionistas na Palestina, onde, sob o pretexto de criar um Estado judeu, naquele país onde os judeus formam uma minoria insignificante, o sionismo entregou a população marginalizada dos trabalhadores árabes à exploração da Inglaterra” (Segundo Congresso da Internacional Comunista (1920), “Teses e Adições sobre a Questão Nacional e Colonial”, Editorial Pluma, Buenos Aires, 1973, volume I, p. 192). 192).

[51] Proporção estimada com base em estatísticas da Anthology Israel, the Liberation of a People, p. 344.

[52] The complete diaries of Theodor Herzl, Vol. I, p. 88, citado por Fawwas Trabulsi, ob. cit., p. 131.

[53] Jon Rothschild, “How the Arabs were driven out of Palestine” (Como os árabes foram expulsos da Palestina), ob. cit., p. 1207.

[54] Esse mesmo autor ressalta que metade das terras da Palestina estava nas mãos de 250 famílias que, ao mesmo tempo, eram grandes usurários.

[55] Tony Cliff, “Le Proche et le Moyen Orient a la croissé des chemins”, Quatriéme Internationale, Paris, agosto/setembro de 1946. Cliff viveu na Palestina.

[56] Ibíd.

[57] Cf. Jon Rothschild, op. cit., p. 1209.

[58] Para demonstrar que esses três slogans refletiam a prática diária do movimento sionista na Palestina, basta citar David Hacohen, líder do partido de Golda Meir, que foi membro do Parlamento israelense por muitos anos e atuou como presidente do Comitê de Defesa e Relações Exteriores. Em uma carta publicada no jornal Haaretz em 15/11/69, ele se dirigiu ao secretariado do partido MAPAI nos seguintes termos: “Lembro-me do fato de que fui um dos primeiros de nossos camaradas a ir para Londres após a Primeira Guerra Mundial. Lá me tornei socialista… Quando me juntei aos estudantes socialistas – ingleses, irlandeses, judeus, chineses, indianos, africanos – descobrimos que estávamos todos sob domínio britânico ou diretamente sob o domínio britânico. E mesmo aqui, nesse ambiente íntimo, tive de lutar contra meus amigos na questão do socialismo judaico, para defender o fato de que não aceitaria árabes em meu sindicato, o Histadrut; para defender a pregação às donas de casa para que não fizessem compras em lojas árabes; para defender o fato de que estávamos vigiando os pomares para impedir que os trabalhadores árabes conseguissem emprego lá; jogar querosene nos tomates árabes; atacar donas de casa judias no mercado e quebrar os ovos árabes que elas haviam comprado; louvar o céu porque o Keren Kayemet (fundo judaico) enviou Hankin a Beirute para comprar terras de proprietários ausentes e expulsar os fellahim (camponeses) de suas terras; que é permitido comprar dezenas de dunam (unidade de medida de terra) dos árabes, mas vender um dunam judeu, Deus nos livre, é proibido; tomar Rothschild, a personificação do capitalismo, como um socialista e chamá-lo de “benfeitor”, fazer tudo isso não foi fácil. E apesar do fato de termos feito isso – talvez não tivéssemos escolha – eu não estava feliz com isso. (Extraído do Haaretz, jornal israelense, 15/11/69, e citado por Arie Bober, The Other Israel. The Radical Case Against Zionism, Anchor Books, Doubleday & Company, Nova York, 1972).

[59] Citado por Peter Buch, La crisis de Medio Oriente, Elevé, Buenos Aires, 1971, p. 12.

[60] Tony Cliff, “Le proche-orient au carrefour”, Quatriéme Internationale, Paris, out/nov. 1946.

[61] Ibid.

[62] Moshe Pearlman, “History of the Haganah”, em Anthology Israel, p. 63.

[63] Ibid., p. 84.

[64] Para caracterizar a tendência “revisionista” de Jabotinsky, Rodinson lembra o testemunho de L. Dennens em seu livro Where the Ghetto Ends (Nova York, King, 1934, p. 233):”… a juventude aristocrática judaica gritava, desfilando com camisas marrons, ao mesmo tempo em que apedrejava as janelas dos jornais judeus de esquerda: “Alemanha para Hitler! Itália para Mussolini! Palestina para nós! Viva Jabotinsky!” (Maxime Rodinson, Israel, 1939). (Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State?, op. cit., p. 108). Desses elementos surgiriam as organizações Irgun e Stern.

[65] Naquela época, um grande número de judeus europeus, vítimas da perseguição nazista, naturalmente queria deixar a Europa. Mas o sionismo não permitiria de forma alguma que eles fossem para outro país que não fosse a Palestina. Assim, quando a “democrática” Grã-Bretanha e os não menos “democráticos” EUA fecharam as portas de seus territórios metropolitanos para os refugiados, o sionismo se recusou a fazer o menor protesto. O Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) dos EUA, por exemplo, organizou grandes campanhas para exigir que Roosevelt acolhesse os refugiados. O sionismo se recusou a fazer qualquer coisa. Por quê? Como explicou o Rabino Wise – o líder do sionismo nos EUA na época – eles estavam negociando com Roosevelt sobre o problema do Estado e, portanto, tentaram incomodá-lo o mínimo possível (cf. Peter Seidman, Socialists and the fight against anti-Semitism – an answer to the B’nai B’rith Anti-Defamation League, Pathfinder, Nova York, 1973, p. 19 e seguintes). Mas o motivo subjacente foi explicado por Ben Gurion na época: tratava-se da construção de um Estado e não de salvar os judeus da Europa: “A Grã-Bretanha está tentando separar o problema dos refugiados da Palestina… Se os judeus tivessem que escolher entre refugiados e salvar judeus de campos de concentração, os líderes teriam misericórdia [dos refugiados, NR] e a energia do povo seria canalizada para salvar os judeus de vários países. O sionismo seria, então, não apenas removido da agenda da opinião pública mundial, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas também da opinião pública judaica. Se permitirmos a separação entre o problema dos refugiados e o problema palestino, estaremos colocando em risco a existência do sionismo”. (Ben Gurion, carta de 17/12/38 ao Executivo Sionista, citada por Peter Seidman, op. cit. p. 20). Para Ben Gurion, era preferível arriscar a existência de milhões de judeus que buscavam refúgio do que a existência do sionismo na Palestina. O sionismo “não tinha piedade”. O que importava para ele era conseguir colonizadores e não “canalizar a energia do povo para salvar os judeus de vários países”.

[66] Tony Cliff, “Le proche-orient au carrefour”, op. cit.

[67] “Mesmo nessas ocasiões”, ressalta Cliff, “eles se esforçam para provar que não são inimigos do imperialismo, mas seus aliados. Assim, por exemplo, no julgamento por porte de armas, em 28 de novembro de 1944, de Epstein, membro do Hashomer Hatzair (o partido sionista “socialista revolucionário”), ele disse aos juízes: ‘Vocês, que vêm da Inglaterra, certamente compreenderão os perigos e as dificuldades envolvidos no desenvolvimento e na colonização de países atrasados. Na história da humanidade, nenhum empreendimento de colonização jamais foi realizado sem enfrentar o ódio dos nativos. Levará anos, e talvez gerações, para que esses homens [os “nativos”, NR] se tornem capazes de apreciar e entender o quanto esse empreendimento é benéfico para seu futuro. Mas os ingleses não se furtaram à tarefa de desenvolver os países atrasados, sabendo que, ao fazê-lo, estão cumprindo uma missão histórica e humanitária. Vocês sacrificaram seus melhores filhos no altar do progresso'”. (Tony Cliff, “Le proche-orient au Carrefour”, ob. cit.)

[68] Cit. Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 109.

[69] Michael Bar-Zohar, The Armed Prophet: A Biography of Ben Gurion, Londres, 1967, p. 67.

[70] Ibid., p. 61.

[71] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 69.

[72] Citado por Moshe Sneh, “Sair do círculo vicioso do ódio”, em Dossier…, ob. cit., p. 672.

[73] Quatriéme Internationale, junho 1948, pág. 30.

[74] Ibíd., págs. 31 y 32.

[75] Shaul Ramati, “The Haganah: Israel’s Popular Militias”, em Anthology Israel, ob. cit. pp. 77-78.

[76] Jon Rothschild, op. cit., p. 1211.

[77] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 74.

[78] Ibid., p. 86 e Jon Rothschild, p. 1211.

[79] Publicado no Daavar de 29/9/67 e citado por Jon Rotschild, ob. cit., p. 1206 e Nathan Weinstock, ob. cit., p. 3.

[80] Jacques de Reynier, A Jerusalem un drapeau flottait, Neuchatel, 1950.

[81] Parte desses relatórios foi traduzida para o inglês e publicada na revista Middle East International, Londres, abril de 1973. A partir daí, vamos retomá-los.

[82] Ibid.

[83] Ibid.

[84] Menahem Begin, The Revolt; Story of the Irgun, p. 165, citado por Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, op. cit. p. 115 e Peter Buch, op. cit. p. 18.

[85] Al-Ard Co. Ltd., “Os árabes em Israel”, Dossier…, ob. cit., p. 843.

[86] Ibid., p. 860.

[87] Colóquio de Juristas Árabes sobre a Palestina, Argel, 1967, p. 75.

[88] Nações Unidas, 27ª Sessão, 9 de outubro de 1972, publicação A/8828, inglês.

[89] Ibid.

[90] Um estudo publicado há poucos dias no Le Monde Diplomatique, o suplemento de outubro de 1973 do jornal francês Le Monde, apresenta o seguinte quadro da estrutura ocupacional do Estado de Israel: “O padrão geral de vida da população melhorou desde a guerra de junho de 1967, mas a diferença entre os setores favorecidos e desfavorecidos só tem aumentado ano a ano. “Esse fenômeno se reflete, entre outras coisas, nos seguintes números: de 1970 a 1972, a participação dos trabalhadores na renda nacional caiu de 80,5% para 74%. Durante o mesmo período, a participação dos capitalistas aumentou de 19,5% para 26%. Mas a diferença de renda se torna brutalmente óbvia quando se compara o estilo de vida dos 15% dos israelenses que vão para o exterior todos os anos e têm carros modernos e casas de luxo, com a situação dos 20% que lutam em vão contra os aumentos de preços, vendo seu precário padrão de vida piorar a cada mês. Uma parte crescente desse setor é transformada em um lumpen proletariado miserável e sem esperança.” “Esse lumpen-proletariado israelense, ou melhor, judeu-israelense, tende a crescer nos últimos anos e, com ele, a criminalidade em todas as suas formas. Esse fenômeno se deve, acima de tudo, à transformação da composição da força de trabalho. Israel, como qualquer país em rápida industrialização (as exportações aumentaram 25% em 1972 e os investimentos 20%) e em situação de pleno emprego, usa o método de importação de mão de obra estrangeira não qualificada para preencher os empregos de menor remuneração, enquanto o trabalhador israelense tem profissões mais qualificadas e melhor remuneradas.”

[91] “Vocês devem lutar com entusiasmo… Por invasão ou por diplomacia, o império israelense será construído. Ele incluirá todos os territórios entre o Nilo e o Eufrates” (Ben Gurion, discurso na Universidade Hebraica de Jerusalém, 1950; citado em Dossier…, p. 248).

[92] Nota de Trabulsi: “Rodinson, op. cit, pp. 185-6.”

[93] Nota de Trabulsi: “Deve-se lembrar que o Egito inicialmente exigiu que as tropas da ONU evacuassem seus postos de observação na fronteira (nenhuma menção foi feita a Gaza ou Sharm el-Sheikh) e foi somente depois que U Thant declarou que era tudo ou nada que o Egito exigiu formalmente dele, em 18 de maio, a retirada das tropas da ONU do território egípcio. Israel nunca aceitou a presença de tropas da ONU em suas fronteiras; manteve sua posição quando perguntado novamente, após a retirada da ONU do Egito.”

[94] Nota de Trabulsi: “Michel Bar-Zohar, Histoire secrete de la guerre d’Israel, Fayard, Paris, 1968, pp. 149-50. O autor – um biógrafo israelense de Ben Gurion – relata que, durante a guerra de junho, os altos funcionários do Departamento de Estado costumavam atormentar os diplomatas israelenses com a pergunta: “Quando vocês atacarão a Síria? A vitória israelense também seria uma derrota para a URSS. Bar-Zohar: “Johnson entendeu que, se conseguisse neutralizar os soviéticos e dissuadi-los de intervir no conflito, a derrota dos árabes por Israel seria interpretada pelo mundo como uma terrível derrota para a URSS… o mundo árabe, derrotado na guerra, sentiria um profundo ressentimento contra Moscou” (p. 255). De fato, elementos reacionários no mundo árabe capitalizaram a questão. Parte das enormes manifestações de massa no Cairo, quando Nasser renunciou em 9 de junho, foi dirigida contra a embaixada soviética. Tentativas do mesmo tipo fracassaram em Beirute.”

[95] Nota de Trabulsi: “O relatório conjunto de 26 de maio de Rusk e MacNamara para Johnson conclui com duas alternativas: uma força naval multinacional ou “deixar Israel agir de forma independente”. Significativamente, o Secretário de Defesa MacNamara estava muito cético quanto à possibilidade de a força naval conseguir atravessar o [Estreito de] Tiran.”

[96] Nota de Trabulsi: “Ibid, pp. 128. 139.14 1.”

[97] Nota de Trabulsi: “Uri Dan, citado por M. Machover & M. Haneghbi em ‘Léttre a tóus les’ex braves Israeliens’. Rouge, 22 de janeiro de 1969”.

[98] Nota de Trabulsi: “Bar-Zohar, op. cit, p.128”.

[99] Nota de Trabulsi: “Machover e Haneghbi. op. cit.”

[100] Nota de Trabulsi: “Eric Rouleau, ‘Le Régime Nassérien en Question’, Le Monde, 27/12/1967.

[101] Fawwas Trabulsi, ob. cit., p. 102.

[102] Quando o ambiente ou as circunstâncias tornam desnecessário o uso dessa máscara ideológica, o sionismo aparece com mais clareza. Por exemplo, os telegramas da IPS e da Reuter (publicados em Majority 18/11/73) relatam o seguinte: “Juntamente com os EUA, a África do Sul foi o único país do mundo que, durante a última guerra no Oriente Médio, ajudou Israel sem qualquer disfarce. De acordo com a Newsweek, Pretória enviou a Israel mais de um milhão de dólares e, de acordo com o Daily Telegraph, enviou pilotos. Acima de tudo, a existência de uma grande comunidade judaica na África do Sul desempenhou um papel importante. Essa comunidade, que conta com mais de 115.000 pessoas, enviou a segunda maior contribuição financeira a Israel, depois dos EUA. Os líderes sul-africanos também têm seus motivos para essa cooperação. Para o primeiro-ministro Verwoerd, é necessário que “todos os alvos se unam contra as hordas”. Um líder da comunidade judaica da União da África do Sul foi claro, Yakob Oppenheimer escreveu no Herald Tribune: “Nossos dois países têm a missão de manter ilhas de civilização ocidental em meio ao oceano de barbárie neolítica”. Consequentemente, os países árabes implementaram um boicote total à África do Sul.

[103] Maxime Rodinson, Israel, a Colonial-Settler State, p. 78.

[104] Documento do Fatah, The Palestinian Revolution and the Jews, Algiers, 1970, p. 16.

[105] Avanzada Socialista: Jornal semanal do PST argentino


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