Frantz Fanon: martinicano, francês, argelino, revolucionário africano
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Frantz Fanon: martinicano, francês, argelino, revolucionário africano

O psicanalista inglês Ian Parker analisa obra recente sobre o revolucionário antirracista

Ian Parker 24 jul 2024, 08:00

Imagem: Andreia Freire/Reprodução

Via Anticapitalist Resistance

Frantz Fanon já foi conhecido como o “Lênin da África”, uma inspiração para os movimentos de libertação no continente e, depois, em todo o mundo, à medida que a luta anticolonial assumia o centro das atenções. Mais do que isso, ele tentou vincular a libertação pessoal e política em seu trabalho clínico, para entender as profundezas psicológicas do racismo e as formas de resistência, e depois mudou seu foco para trabalhar diretamente pela independência da Argélia, expandindo sua análise do norte da África para todo o continente. Um dos principais focos de seu trabalho teórico e prático foi o papel da violência no colonialismo e no processo de libertação. Este novo livro, The Rebel’s Clinic: The Revolutionary Lives of Frantz Fanon, de Adam Shatz, publicado no começo do ano (Bloomsbury, janeiro de 2024), oferece um relato detalhado e crítico desse notável revolucionário.

Vida e impacto

Frantz Fanon nasceu em 1925 em Fort-de-France, capital da ilha de Martinica, um “departamento” francês no Caribe, uma colônia que ainda hoje é parte integrante da França. Durante a Segunda Guerra Mundial, a ilha estava sob o regime de “Vichy”, como parte da colaboração com os nazistas, e Fanon deixou a ilha para lutar contra o fascismo. Ele foi condecorado por bravura e recompensado com uma bolsa de estudos após a guerra para estudar medicina e treinar como psiquiatra na França.

Adam Shatz traça a jornada da Martinica, de um contexto colonial no qual gradações de “negritude” eram usadas como ferramenta de opressão, até a França, onde Fanon encontrou o racismo direto em primeira mão, algo sobre o qual escreveu. Agora, como um radical “francês”, ele trabalhou com a psiquiatria médica e a questionou, trabalhando com alguns outros psiquiatras radicais, incluindo aqueles que buscaram refúgio do fascismo na França e na Espanha. Uma lição que ele levou a sério foi sobre a inter-relação entre as formas de opressão e a maneira como o poder colonial mantinha seu controle por meio da divisão e do domínio, uma lição expressa no conselho de um colega: “Quando você ouvir alguém insultando os judeus, preste atenção, porque eles estão falando de você”.

Fanon foi então nomeado para o hospital psiquiátrico em Blida, ao sul de Argel, e foi lá que ele começou a se identificar com a luta de libertação argelina, ajudando diretamente os combatentes da FLN, a Frente de Libertação Nacional, ao mesmo tempo em que tentava introduzir formas alternativas de tratamento clínico. Aqui ele tentou levar adiante a “terapia institucional” que havia aprendido durante seu treinamento na França continental, um tipo de terapia que tratava os seres humanos como seres sociais, sempre em contexto, em relação aos outros. É aqui que Fanon se torna um revolucionário argelino autoidentificado, e seu estudo clássico, em parte autoetnográfico, Pele Negra, Máscaras Brancas, publicado em 1952, aborda a maneira como o racismo se infiltra na vida interna dos colonizados e dos colonizadores. Havia placas nas praias de Argel e Oran com os dizeres “no dogs, no Arabs” (sem cães, sem árabes). Os argelinos eram vistos como menos que humanos e eram incentivados a internalizar essa imagem, vendo-se como brutos em vez de seres humanos.

Violência

Fanon já vivenciou a violência fascista e a violência colonial, e está percebendo como a luta pela libertação também é, necessariamente, violenta, uma contra-violência que não apenas se opõe às forças de opressão, mas também dá origem à cura da capacidade de ação pessoal e coletiva. O ser humano colonizado emerge no curso da luta política violenta, deixando de ser um mero objeto para se tornar um sujeito revolucionário. A violência é, dessa forma, parte de um processo político progressivo, mas, como Shatz ressalta, é também um sintoma de um problema, parte da reprodução da violência colonial que é, de certa forma, autossabotadora. Shatz ressalta que há uma tensão para Fanon “que ele nunca resolveu completamente, entre seu trabalho como médico e suas obrigações como militante, entre seu compromisso com a cura e sua crença na violência”.

O argumento sobre a violência é apresentado de forma mais contundente por Fanon em um livro que foi imediatamente proibido na França ao ser publicado em 1961, Os Condenados da Terra (Les damnés de la terre, em francês), que evoca, entre outras coisas, versos de A Internacional. Houve massacres na Argélia de centenas de colonos (eventos que o Partido Comunista Francês rapidamente denunciou como “hitlerianos”) e, em seguida, represálias em que milhares de argelinos morreram. Na verdade, foi o prefácio de Jean-Paul Sartre que deu destaque à exploração matizada e contraditória de Fanon sobre a violência e fez parecer que Fanon estava defendendo a violência total como uma verdadeira cura para tudo.

Shatz comenta a redação que Fanon usou em Os Condenados da Terra: “A tradução em inglês de la violence désintoxique como ‘a violência é uma força de limpeza’ é um tanto enganosa, sugerindo uma eliminação quase redentora de impurezas, enquanto a escolha de palavras mais clínica de Fanon indica a superação de um estado de embriaguez, o estupor induzido pela subjugação colonial”. Para Fanon, é na violência que os colonizados, e essa é uma citação direta do próprio Fanon, encontram a “chave… para decifrar a realidade social”. Seja como for, com todas as ambiguidades, você pode ver como a violência é fundamental para a opressão e a resistência.

A essa altura, Fanon já se demitiu da situação intolerável no hospital e se mudou para Túnis, onde está trabalhando para a FLN e desenvolve uma reputação como seu principal teórico. Como embaixador da luta de libertação da Argélia, ele está em contato com revolucionários africanos e agora reivindica essa identidade, como africano. Ele escreve outros estudos importantes, inclusive sobre a revolução argelina e a revolução africana, mas sua vida é interrompida pela leucemia e ele morre em 1961, aos 36 anos.

Alegações contestadas

Há alguns erros no livro, como, por exemplo, a falsa alegação de que Fanon se distanciou do psiquiatra e psicanalista francês Jacques Lacan porque Lacan celebrava a loucura como um tipo de liberdade. Essa caracterização da psicanálise lacaniana é, na verdade, bastante equivocada, e a posição lacaniana sobre a terrível “falta de liberdade” da psicose é, na verdade, muito próxima da posição do próprio Fanon.

Shatz é muito claro sobre o comportamento criminoso do Partido Comunista Francês em relação à revolução argelina, e você pode ver bem por que Fanon nunca se tornou um stalinista; a linha do PCF era que a Argélia era parte da França e que a FLN deveria fazer um acordo. Fanon nunca fez parte da IV Internacional, FI, mas o movimento de libertação argelino foi uma parte crucial da vida da IV no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, com seu então secretário, Michel Pablo, preso por tráfico de armas em apoio à FLN. Shatz observa que a IV de Pablo operava uma fábrica de armas no Marrocos (algo que não agradava muito a outros líderes da IV, mas que agora devemos reconhecer como uma conquista prática corajosa).

Pablo escreveu sobre Fanon como uma figura-chave na luta anticolonial; há muitas reflexões ponderadas de Fanon sobre a maneira como um movimento de libertação que não é explícita e diretamente responsável, que não realiza as tarefas socialistas da revolução, corre o risco de ser incorporado ao imperialismo, com a liderança se tornando parte da classe dominante de um estado neocolonial (como acabou acontecendo na Argélia). A luta de Fanon também foi a nossa, e nosso camarada Daniel Bensaïd também refletiu sobre sua importância para a estratégia revolucionária.

Fanon hoje

Há muita coisa nesse livro que ressoa com a luta anticolonial contemporânea, inclusive a resistência ao genocídio em Gaza e as muitas maneiras pelas quais as instituições coloniais tentam insistir apenas na condenação da violência daqueles que revidam. Também somos lembrados da maneira como as comparações entre os nazistas e outros regimes opressores, comparações que hoje são tratadas como crime em alguns setores, eram moeda corrente; Shatz observa que “Simone de Beauvoir comentou em suas memórias que os uniformes dos soldados franceses tinham o mesmo efeito sobre ela que as suásticas tinham”. Shatz observa que o psiquiatra palestino Samah Jabr disse sobre Fanon que “suas percepções proféticas continuam sendo uma fonte de inspiração para os palestinos”, e o recente livro Psychoanalysis Under Occupation: Practising Resistance in Palestine (Psicanálise sob ocupação: praticando a resistência na Palestina) é totalmente fanoniano.

Essa nova biografia de Adam Shatz é uma introdução e uma visão geral realmente interessante e muito bem escrita da contribuição de Fanon para a política revolucionária, e há muita discussão sobre a ligação entre teoria e prática. Ele não é acrítico, apontando, por exemplo, que Fanon não tinha nada a dizer sobre o papel do Islã na luta política da FLN e, no que diz respeito ao aspecto da “clínica”, parece que a sombra da psiquiatria médica ainda era uma influência poderosa, que não deveria ser copiada; Fanon ficou impressionado com o eletrochoque como um tratamento “violento”, como se isso também fosse, de alguma forma bizarra, libertador.

Entre outras coisas ostensivamente “apolíticas”, mas que, na verdade, também estão impregnadas de significado político, ficamos sabendo que Fanon gostava do jazz bebop de Charlie Parker, e nos é dado um rico contexto político e cultural para as “vidas de Frantz Fanon”; Também aprendemos que ele nem sempre foi um desmancha-prazeres de cara dura, que gostava de dançar quando tinha chance, gostava de camisas bonitas com abotoaduras e, às vezes, trocava de gravata duas vezes por dia (embora fosse um pouco repreensivo quando Sartre e Simone de Beauvoir queriam levá-lo a um restaurante chique e falar sobre a comida). Há muito o que aprender com este livro e uma oportunidade de retornar para reavaliar por que os revolucionários marxistas da época se envolveram com seu trabalho e precisam se envolver com ele agora.


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Pedro Micussi