Rica, racista e impune?
Relator pede arquivamento de ação por racismo contra a vereadora Cris Monteiro. Votação está prevista para esta quinta-feira (4)
Foto: Divulgação
O racismo, mais uma vez, parece ser tratado como algo menor na política brasileira. O vereador Marcelo Messias (MDB), relator da representação movida por Luana Alves (PSOL) contra a vereadora Cris Monteiro (Novo), apresentou parecer recomendando o arquivamento do processo que poderia levar à cassação da parlamentar, após uma fala abertamente racista no plenário da Câmara Municipal de São Paulo.
Cris Monteiro, mulher branca, rica e ligada ao partido Novo – símbolo da elite econômica -, fez uma declaração que expôs de forma escancarada como o racismo atravessa as estruturas do poder. Durante a votação do reajuste de 2,60% dos servidores municipais, ao ser vaiada pelos trabalhadores presentes, disparou:
“Escutei todos vocês calados. E, quando vem uma mulher branca, bonita e rica, incomoda muito vocês e vocês vaiam. Mas tô aqui representando uma parte importante da sociedade”.
A frase não deixou dúvidas sobre como a vereadora enxerga os corpos brancos como superiores, e os trabalhadores – especialmente os negros – como sujeitos inferiores, que deveriam aceitar calados a condução elitista da política.
Apesar disso, o relator considerou que não houve “dolo específico” na fala da vereadora. No relatório, ele argumenta que, embora “inadequada”, a declaração teria ocorrido em um “debate acalorado”, seguida de uma suposta retratação, e que uma punição seria “desproporcional”. O mesmo argumento historicamente usado para justificar a violência simbólica contra corpos negros dentro das instituições.
Para a vereadora Luana Alves, única mulher negra do PSOL na Câmara de São Paulo, a decisão é revoltante.
“Fiquei chocada com esse relatório. [Marcelo Messias] tinha dito que faria um processo de diálogo com os vereadores que se sentiram ofendidos com a fala racista de Cris Monteiro. Eu irei até a Corregedoria. A gente não vai aceitar que simplesmente seja arquivado e não tenha nenhum tipo de punição para quem desrespeitou a população negra na Casa do Povo”, declarou.
Luana lembra que o racismo não é uma opinião nem um deslize – é uma violência política que busca silenciar, excluir e inferiorizar pessoas negras e os movimentos populares que ocupam os espaços institucionais.
Não é a primeira vez
Cris Monteiro já tem um histórico que desmente a narrativa de uma parlamentar “do diálogo”. Em 2021, protagonizou uma briga física dentro do banheiro da própria Câmara com uma colega do mesmo partido. O caso foi parar na Corregedoria, e as duas foram punidas com perda de prerrogativas parlamentares.
Agora, novamente, a parlamentar se vê no centro de um episódio que revela não só sua postura elitista, como também seu desprezo pelas pautas antirracistas e populares.
Após a repercussão, Cris Monteiro, em tom conhecido de quem se recusa a assumir o próprio racismo, soltou uma nota afirmando que lamenta a repercussão de sua fala e reforça que “em nenhum momento teve a intenção de ofender qualquer pessoa”.
No texto, Cris ainda tenta se blindar citando projetos como Naming Rights (que permite venda de nomes de espaços públicos para empresas) e Não se Cale, tentando construir a imagem de uma parlamentar “dedicada à cidade”. Mas ignora que, no mesmo plenário, naturalizou o racismo como ferramenta de opressão política.
Racismo como violência política
A tentativa de arquivar o processo não é apenas uma proteção a Cris Monteiro. É mais um capítulo da manutenção do racismo estrutural nas instituições brasileiras, onde atos de violência simbólica contra pessoas negras são tratados como “mal-entendidos” ou “exageros”.
Se a fala tivesse sido direcionada a outro grupo, teria o mesmo tratamento? Se um parlamentar negro tivesse chamado a si mesmo de “negro, pobre e feio”, culpando os presentes por vaiá-lo, o caso teria sido considerado “acidental”?
A votação sobre o arquivamento acontece nesta quinta-feira (4). E a pressão popular será decisiva para mostrar que a sociedade não aceita mais que o racismo siga sendo tratado como algo menor dentro da chamada Casa do Povo.