Todo o trabalho é pouco
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Todo o trabalho é pouco

Realizar um trabalho de base permanente é a primeira obrigação do PSOL e dos socialistas. Sem isso, valerá o velho ditado: será pão para hoje e fome para amanhã

Roberto Robaina 31 dez 2022, 17:23

Bolsonaro foi derrotado. Sair deste horror basta para comemorar. E muito. Por muito pouco, uma diferença muito pequena de votos, e a história seria outra. A tese anarquista ou semi anarquista de que eleições não são fundamentais caiu por terra uma vez mais. Mais do que isso: o apoio de setores burgueses ao nome de Lula foi também decisivo. É um dos limites evidentes da situação política nacional. Quem acredita de verdade que sem a Rede Globo e sem a ação decisiva do ministro Alexandre de Moraes – para citar os dois mais pesados – a vitória de Lula teria sido garantida? Até Simone Tebet, que fracassou como terceira via, pesou muito para conquistar a vitória de caráter democrático. Pode-se não gostar dos fatos, mas eles existem. Por suposto que, sem as mobilizações do Fora Bolsonaro, a luta antirracista, o movimento de juventude, de mulheres, as lutas pelos direitos civis da comunidade LGBGQI+, Bolsonaro teria vencido. Mas esses são os do nosso lado. 

O novo nesta eleição foi a profunda divisão na classe dominante e a formação de uma unidade democrática com ampla participação de uma parcela fundamental da burguesia. Sem tal unidade, Bolsonaro teria seguido. O apoio de Bolsonaro foi de massas. Ganhou uma parcela do povo pobre, e setores importantes da classe trabalhadora votaram nele. Foram liderados por classes médias reacionárias e por uma parcela da classe dominante; donos de terra que ganham seus lucros exportando soja e minérios não querem saber do mercado interno e preferem que a classe trabalhadora seja tratada como escrava. É a estratégia do direito zero. De preferência com direito zero também de manifestação e crítica. 

Esses setores ainda são fortes. E sua relação com a cúpula das Forças Armadas é estreita, embora a burguesia mais poderosa tenha preferido manter a ordem democrática burguesa a entregar o poder para os despreparados bolsonaristas. A pandemia mostrou a incapacidade deles em gerenciar os interesses do Estado burguês. Por isso, importantes setores os de mais peso no PIB nacional, optaram por Lula. Sem esses setores, Lula não teria vencido. Não teria sequer saído da prisão. Lula sabe disso. A operação de salvamento da Nova República foi feita. E teve sucesso eleitoral.

E agora? Quem tem formação no marxismo sabe que um governo em colaboração com a burguesia não pode solucionar os problemas da classe trabalhadora. Creio que mais uma vez tal tese será confirmada. Os bancos, os donos de terra, os grandes industriais vão seguir ditando as regras fundamentais da economia. Isso não quer dizer que a situação não possa melhorar. Pode, deve, e vamos torcer e trabalhar para que melhore. Muito. E podemos inclusive ser otimistas se tomamos como base a comparação com os quatro anos da gestão Bolsonaro. E é aceitável ter este parâmetro porque era o real da situação nacional. De onde viemos e de onde escapamos. Não é certo, porém, limitar-se a esse horizonte. 

E quando olhamos além, a colaboração com a burguesia e a natureza de classe do governo não permitem visualizar que a dívida pública seja auditada, nem as privatizações revistas, nem as grandes fortunas taxadas – ou terão alíquotas irrisórias. Tampouco teremos a reforma urbana e a reforma agrária. Pelo menos, não serão pautas do governo, como tampouco a perspectiva é de terminar a famigerada guerra às drogas e o aborto deixar de ser tratado como crime. Assim, exceto que muitas lutas pautem essas questões, o combate à concentração de renda não será efetivo nem teremos uma revolução democrática. Por isso, o PSOL deveria ser mais atento.  

O partido deveria cumprir este papel de luta, de organizar a demanda por medidas de fundo. Só assim se acumula forças para se ir além. O partido ainda não consegue fazer isso. Está vivendo um período de bebedeira, em festejo permanente e comemorando seu próprio sucesso nas eleições legislativas. É evidente que vale comemorar muito. Um sujeito que não comemore agora não sabe a catástrofe que nos ameaçava. E ainda ameaça, porque o bolsonarismo está vivo. Por isso mesmo, o partido precisa trabalhar. Precisa se preparar. Não se trata de propor algo imediatamente. Nem mesmo de fazer como setores petistas que criticam as escolhas de Lula, como as concessões de ministérios para os partidos burgueses tradicionais. Lula sabe que precisa deles. 

Também não é o caso de usar as redes sociais para louvar as escolhas de ministros com currículo progressistas, como se estes ministros fossem encabeçar, a partir de agora, as grandes mudanças que o país necessita. Acreditar nisso é ingenuidade. Propagar tal expectativa é alimentar ou produzir ilusões. Então o que uma esquerda socialista deve fazer? O PSOL não é um partido com uma marca definida. Apesar de já ter quase 20 anos, é ainda um partido em construção e com os rumos em disputa. Uma parcela de suas forças aposta numa perspectiva anticapitalista e outra se propõe a ser uma ala do reformismo no interior da ordem burguesa. No seu último diretório nacional, decidiu não entrar no governo com cargos, mas aceitou a indicação de Sônia Guajajara para o ministério. Diz que votará no Congresso Nacional de forma independente, mas se definiu também como base do governo. Sua posição oscila como reflexo de uma situação complexa e de sua relação de forças interna. 

Poderia se dizer, a favor do PSOL, que o partido se sente parte da vitória mas também sabe que falta muito para se conquistar. Mas a verdade é que uma parte do partido tem uma ideia de que o PSOL deve ter como estratégia ser parte do Estado atual e aceitar seu regime de propriedade como inevitável. Ocorre que, neste terreno, o PT é o partido especializado. Esse papel está ocupado. Nele não se pode ir além da ordem. E é exatamente isso o que o PSOL deve evitar, isto é, limitar-se a ser um partido da ordem. Isso não quer dizer dar as costas para as disputas institucionais. Ao contrário. O partido deve disputar e lutar para ter parlamentares e conquistar governos. Mas deve dizer em alto e bom som que a disputa nas ruas é o determinante. É na luta de massas direta que a relação de forças entre as classes sociais é alterada de modo substancial. Disputar as ruas quer dizer ligar seu destino e realizar seus esforços na construção do movimento sindical, estudantil, popular e camponês. Ser linha de frente no movimento negro e no movimento de mulheres. Significa aproveitar a politização experimentada pela sociedade para formar mais e melhores quadros. Significa formar militantes numa perspectiva crítica e internacionalista. 

Realizar um trabalho de base permanente é a primeira obrigação do PSOL e dos socialistas. Sem isso, valerá o velho ditado: será pão para hoje e fome para amanhã.


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Pedro Micussi