Para evitar violência, escola precisa debater conflitos
cultura da paz

Para evitar violência, escola precisa debater conflitos

Para professor e sindicalista André Sapanos, avanço do autoritarismo reprimiu profissionais diante de discussões necessárias

Tatiana Py Dutra 5 abr 2023, 17:51

Foto: Reprodução

Cada tragédia que tem como palco uma escola pública brasileira faz palpitar questionamentos sobre formas como pais, professores e escola poderiam ter agido para evitar a violência. Não raro, as dúvidas caem com mais peso sobre os docentes e instituições de ensino, enquanto o poder público demonstra ineficiência e falta de compreensão da vivência escolar.

Vide o caso do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que diante da morte de uma professora no ataque da Escola Estadual Thomazia Montoro está de luto – que deixou ainda cinco feridos – sugeriu destacar policiais da reserva para fazer a segurança das unidades. Sabidamente, a medida é pouco eficaz, como provam os frequentes massacres em escolas norte-americanas.

Na avaliação do professor André Sapanos, especialista em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Grande ABC (UFABC), esse tipo de proposta visa agradar a camada mais radicalizada da população e não resolver o problema.

“Bancos também têm segurança, mas não deixam de ser assaltados. Isso demonstra uma medida imediatista que o governo tem tentado colocar só para agradar aos pais que gostam dessa pauta mais direitosa, mais autoritária, que acham que uma escola mais ‘dura’ vai resolver o problema, quando a gente sabe que não vai”, diz o docente da rede pública paulista e integrante do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e do Trabalhadores e Trabalhadoras na Luta Socialista (TLS).

No entendimento do especialista, o país carece de políticas públicas amplas e integradas para que não se trate o problema só como caso de polícia. No caso específico do estado de São Paulo, ele observa uma conjugação de ferramentas estatais de prevenção a violência que ou foram mal aplicadas ou que acabaram sendo negligenciadas a despeito do plano inicial de fomentar a cultura da paz.

Ele cita que, até cerca de dois anos atrás, a rede pública do estado contava com o Sistema de Proteção Escolar e Comunitária, que orientava os docentes a lidar com situações de vulnerabilidade no ambiente escolar. Na época, as escolas  contavam com professores mediadores para promover processos da cultura de paz, mediar e prevenir conflitos. Depois da pandemia, o sistema mudou sensivelmente. O mediador passou a ser chamado de Professor Orientador de Convivência (POC) e a plataforma também foi alterada, rebatizada de Conviva. A ferramenta serviria para que episódios variados de bullying, indisciplina, violência fossem informadas ao Estado. A ideia, porém, não vingou. 

“Geralmente, eram os vice-diretores os responsáveis por fazer a inserção das ocorrências nas escolas. Porém, dentro das escolas era observável que muitas direções tinham medo de usar o sistema com medo de ficar com imagem ruim junto ao governo”, conta Sapanos.

Para inglês ver (de longe)

O professor observa que no retorno às aulas presenciais esse pensamento começou a ser desconstruído, porque ficou evidente que os dados eram importantes para o estabelecimento de políticas públicas e ações para reduzir essas violências.

Outra iniciativa que recebeu críticas foi o programa Psicologia Viva, implantado ainda na pandemia. 

“Esse programa tinha atendimentos virtuais coletivos, para uma classe inteira. Nele, os psicólogos aplicavam metodologias, com a supervisão do professor, com temas de interesse, como indisciplina, por exemplo. Mas além de ser um atendimento a distância, em alguns casos, como o da minha escola, o psicólogo nem morava em São Paulo. Era de Minas Gerais.MG. Ou seja, nem conhecia a realidade das nossas escolas. E ainda, como o atendimento  não era individualizado, acreditamos que é menos eficiente porque há coisas que os adolescentes querem falar sem se expor”, diz Sapanos.

Qual, afinal, é o papel da escola?

Não existe uma resposta correta para a pergunta acima, mas André Sapanos acredita que tornar a escola mais democrática seria um primeiro passo nesse sentido.

“Nós, enquanto profissionais da educação, dos professores aos funcionários, precisamos entender que uma escola democrática vai abrir caminhos para que a gente possa fazer discussões que evitem determinados conflitos. Tenho observado nos últimos anos, nos últimos ataques, há sempre um plano de fundo que é uma discussão já ocorrida na escola. São questões de racismo, homofobia, desrespeitos aos Direitos Humanos, em geral, que suscitam alguma forma de vingança. É o caso da Escola Thomazia Montoro. O menino, no depoimento, colocou coisas que ocorreram na semana anterior. Ele tinha cometido racismo com outro colega e a professora que ele esfaqueou foi quem defendeu esse outro menino”, comenta.

Para Sapanos, a barreira para que a escola se torne esse espaço de discussões democráticas foi se erguendo nos últimos anos, com a ampliação de uma direita cada vez mais conservadora, capaz de perseguir quem defenda pautas relacionadas a Direitos Humanos – e mesmo de movimentos mais radicais e extremistas, como o nazismo e o fasciscmo e a misoginia redpill.

“Os educadores têm muito receio de debater as chamadas pautas ‘polêmicas’, como  LGBTQIAfobia, racismo, misoginia. Por um lado, porque não querem ‘agredir’ uma certa parcela da sociedade. Por outro, por se sentirem inseguros para levar essas pautas a sala de aula, um aluno filmar e mostrar para os pais, que vão reclamar na escola. Há professores de História ainda com medo de falar sobre a ditadura por isso. Esse medo e essa atitude demonstram que os professores sofrem pressão e não têm a liberdade de cátedra para promover assuntos que podem fazer a sociedade evoluir para um estado mais democrático”, afirma Sapanos.

Em contrapartida, observa o professor, o autoritarismo e o reacionarismo avançam suas pautas preconceituosas, disseminando discurso de ódio e fazendo propagandas correlatas, como o armamentismo e a militarização das escolas sem se sentirem intimidados. A escola está vulnerável e quem trabalha nela, também. Mas há saída para isso?

“Acho que as soluções têm de ser construídas coletivamente. As realidades das escolas são diversas, há escolas centralizadas, outras que não, e a comunidade tem de ser chamada para participar, seja para discutir a política pedagógica ou a democracia interna. Quando a comunidade participa, diminuem os casos de violência na escola”, acredita Sapanos.

O especialista sugere que a construção de alternativas passa pela gestão pública, mas que é necessário que os governos tenham olhares mais atentos para a realidade regional na qual a escola está inserida. 

“A Seduc manda orientações iguais para todas as escolas, como se todas estivessem na mesma realidade. Por exemplo, criaram um calendário único para eleições dos grêmio estudantil. Havia um período para que todas as escolas do estado fizessem os debates. Teve escola que conseguiu fazer no prazo, pois teve uma ou duas chapas. E as escolas que tiveram seis ou sete [candidaturas]? Entender as realidades diversas é necessário para que as secretarias de educação criem programas de combate a violência e promoção de cultura de paz um pouco mais assertivos”, opina.

Sapanos crê que as direções regionais de educação, caso tenham autonomia, seriam ideais para o desenvolvimento desses programas, não apenas por estarem inseridos em cenários semelhantes, mas pela facilidade de manter um diálogo aberto e próximo com a comunidade escolar.

“Existe uma pressão muito grande sobre os professores. É preciso abrir espaço para discutir as preocupações com os pais, com a comunidade, para que trabalhem por uma escola mais democrática e segura para todos”, finaliza.


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