Os direitos socioambientais não são negociáveis e nem estão sujeitos ao balcão de negócios do Governo com o Congresso
50446231782_e39927b779_b

Os direitos socioambientais não são negociáveis e nem estão sujeitos ao balcão de negócios do Governo com o Congresso

Os diversos ataques contra o meio ambiente aprovados recentemente no Congresso exigem uma reação imediata

Max Costa 25 maio 2023, 09:52

Foto: Marizilda Cruppe / Amazônia Real

Nesta quarta-feira, 24, o Congresso Nacional resolveu passar a boiada e o governo Lula, infelizmente, decidiu abrir a porteira. Com o voto da bancada liberado pelo governo federal, os deputados aprovaram na Câmara o regime de urgência do Projeto de Lei 490, que estabelece o Marco Temporal de terras indígenas. Horas antes, com apoio efusivo da bancada do PT no Senado e do ministro Alexandre Padilha, uma Comissão Mista do Congresso já havia aprovado o relatório da MP 1154/23, que esvazia os Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e dos Povos Indígenas (MPI). O ataque à agenda socioambiental ainda contou com a aprovação pela Câmara da MP 1150/22, que flexibiliza e facilita o desmatamento na Mata Atlântica.

Com as definições do Congresso, o PL 490 deve ser votado na próxima semana pelos deputados. O projeto estabelece a Constituição Federal como o Marco Temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil. Ou seja, só considera como pertencente aos indígenas as áreas tradicionalmente ocupadas e com atividades produtivas ou necessárias à preservação em 5 de outubro de 1988, ignorando toda a história, a memória, os saberes, a cultura e a ancestralidade. Um retrocesso que nega o direito à terra aos seus legítimos proprietários e contribui para o apagamento e extermínio dos povos indígenas e da própria história do país.

A ofensiva dos ruralistas contra os indígenas e os direitos socioambientais contou ainda nesta quarta, 24, com a aprovação, por 15 votos a 3, do relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), alterando a MP 1154, que trata da estrutura administrativa de Ministérios. O texto aprovado pela Comissão Mista do Congresso retira a principal atribuição do Ministério dos Povos Indígenas, que é a demarcação de terras, e repassa ao Ministério da Justiça. Com isso, restabelece uma espécie de tutela sobre os povos indígenas, retirando-lhes a autonomia necessária para as definições acerca do território. O relatório também esfacela o Ministério do Meio Ambiente, com a transferência do Cadastro Ambiental Rural e da Agência Nacional de Águas para os Ministérios da Gestão e Inovação e do Desenvolvimento Regional, respectivamente.

Importante destacar que o MPI é uma reivindicação histórica dos povos indígenas, fruto do avanço de sua auto-organização e seu esvaziamento representa uma política conservadora de contenção desse movimento. Em um momento em que a Amazônia e a pauta socioambiental ganham centralidade e que o mundo debate justiça climática, o Congresso Nacional, com o apoio do governo, escolhe ampliar a voracidade e lucratividade do capital sobre a natureza e territórios.

Trata-se, portanto, do esvaziamento e desmonte de dois órgãos fundamentais na área socioambiental, e que são essenciais para evitar que o mercado capitalista avance sobre novas fronteiras, destruindo ecossistemas e vidas, em um período histórico e decisivo para o futuro da humanidade, marcado por pandemia, mudanças climáticas, desmatamento, violação de direitos e extermínios dos povos dos rios e das florestas.

Mais ainda: é um ataque misógino e racista a duas mulheres, Marina Silva e Sônia Guajajara, uma negra e outra indígena, cujas trajetórias e histórias de vida se entrelaçam com a luta em defesa da Amazônia, do bem-viver, dos rios, das florestas e do direito à terra e território. E que, mundialmente, representam o efetivo compromisso do Brasil com o combate às mudanças climáticas e com a preservação da sociobiodiversidade, essencial para que a humanidade não caminhe para um futuro de autodestruição.

Apesar do grande impacto e da repercussão internacional que as mudanças nos dois Ministérios podem ter, não houve resistência e nem empenho necessário por parte do governo para impedir tal esvaziamento. Pelo contrário. A bancada do PT no Senado e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, comemoraram a aprovação da MP.

As decisões do Congresso Nacional não chegam a surpreender, considerando que grande parte dos parlamentares tem relação com o agronegócio, com o bolsonarismo e com elites urbanas e rurais, que perseguem lideranças e criminalizam movimentos sociais legítimos, como estamos vendo agora na CPI do MST. Mas o que surpreende é a falta de empenho, a conivência e, quiçá, a concordância do governo Lula com as medidas aprovadas, como na votação do PL do Marco Temporal, em que a liberação da bancada foi fundamental para que a medida seguisse adiante.

A aprovação dessas medidas ocorre um dia depois da votação pela Câmara do Arcabouço Fiscal, em que o governo aprovou um novo teto de gastos, que limita investimentos, precariza as condições de trabalho de servidores públicos e contribui para o desmonte de serviços essenciais para a sociobiodiversidade, considerando que políticas públicas de saúde, educação e assistência social são basilares para a garantia de justiça ambiental. Além do que, tal medida de ajuste reforça as políticas liberais do governo, que na Amazônia se materializam também por meio da financeirização da natureza e privatização de recursos naturais. Não é a toa a pressão da Casa Civil sobre o Ibama, por conta da decisão técnica de não permitir a prospecção de petróleo na foz do Rio Amazonas.

Assim, as decisões tomadas pelo Congresso nesta quarta-feira, 25, com a anuência do governo, expressam que o compromisso de Lula com o combate às mudanças climáticas, com a redução do índice de desmatamento e com a proteção de povos indígenas e comunidades tradicionais não tem concretude. Já ficou provado que no processo de negociação com o Centrão ou com a base fisiológica da direita, o governo prefere rifar a pauta socioambiental, se enfrentando com a bancada do Cocar e dos direitos socioambientais, para não se contrapor aos ruralistas e seus aliados.

A pauta socioambiental não está em negociação, tampouco está sujeita ao balcão de negociatas do Congresso Nacional. É necessário firmeza para afirmá-la e defendê-la, bem como respeito aos indígenas e demais povos da Amazônia, cujo compromisso foi firmado por Lula ainda na campanha eleitoral, de que iria protegê-los e que combateria as práticas predatórias que destroem nossa sociobiodiversidade.

Nesse sentido, é urgente fortalecer as lutas contra estes ataques. É preciso somar força às lutas históricas dos povos indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e o conjunto dos amazônidas para intensificar a pressão sobre o governo Lula e o Congresso Nacional pela rejeição do PL do Marco Temporal, bem como contra o desmonte das políticas socioambientais e pelo restabelecimento das atribuições dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.


TV Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti

O PL da Uber é um ataque contra os trabalhadores!

O projeto de lei (PL) da Uber proposto pelo governo foi feito pelas empresas e não atende aos interesses dos trabalhadores de aplicativos. Contra os interesses das grandes plataformas, defendemos mais direitos e melhores salários!

Greve nas Universidades Federais

Confira o informe de Sandro Pimentel, coordenador nacional de educação da FASUBRA, sobre a deflagração da greve dos servidores das universidades e institutos federais.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 21 abr 2024

As lutas da educação e do MST indicam o caminho

As lutas em curso no país demonstram que fortalecer a classe trabalhadora é o único caminho para derrotar a extrema direita
As lutas da educação e do MST indicam o caminho
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 48
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão