Hipocrisia: o conflito entre falcões e abutres sionistas
GettyImages-1936472181-scaled-e1706190908589

Hipocrisia: o conflito entre falcões e abutres sionistas

Os dois lados da disputa interna do sionismo frente ao genocídio em Gaza

GIlbert Achcar 5 set 2024, 08:00

Foto: Corredor Filadélfia (Anadolu/Reprodução)

Via Blog Gilbert Achcar

Qual é o motivo do conflito dentro da elite do poder sionista? Não acredite que seja um conflito entre falcões e pombas, como a mídia ocidental o retrata. Não, nem mesmo pense que a maioria das massas israelenses que estão se manifestando para exigir um acordo que leve a uma nova troca de prisioneiros entre seu governo e o Hamas está buscando acabar com a tragédia de Gaza e retirar o exército de ocupação de lá. Não, como já enfatizamos várias vezes, o exército sionista não se retirará da Faixa pela segunda vez, pois até mesmo os “moderados” em suas fileiras acreditam que uma nova retirada significaria a repetição do mesmo erro.

O conflito político israelense não é entre aqueles que pedem a retirada completa da Faixa e aqueles que insistem em permanecer lá, mas sim entre a extrema direita, que pede a anexação da Faixa ao Estado sionista, expulsando a maioria de seus residentes da maior parte de seu território e substituindo-os por colonos judeus, e o “centro” sionista, que percebe que o preço da anexação e da expulsão é mais alto do que seu Estado pode suportar e, por isso, prefere aderir à estrutura do “Plano Allon” de 1967, que rege a situação na Cisjordânia, onde Israel controla locais estratégicos e estradas que circundam áreas de concentração da população palestina.

Em outras palavras, o conflito político dentro da elite do poder sionista, como já dissemos, não é entre falcões e pombas, mas entre falcões e abutres. Esse é o caso do conflito entre Benjamin Netanyahu e o “centro” sionista, que inclui os partidos de oposição ao atual governo, bem como uma minoria do próprio partido Likud, representado no governo pelo Ministro da Guerra Yoav Galant. A imprensa israelense noticiou o recente confronto que ocorreu em uma reunião do gabinete entre Galant e Netanyahu, enfatizando que o ministro estava expressando a opinião das instituições militares e de segurança. Sobre o que foi o confronto? O assunto da discussão foi o acordo de cessar-fogo que Washington, com a ajuda do Cairo e de Doha, está tentando concluir entre o governo e o Hamas.

Advertimos desde o início contra qualquer ilusão de que esse acordo poderia pôr fim à ocupação israelense de Gaza, enfatizando que o que mais está em jogo, do ponto de vista israelense, é a aceitação de uma trégua temporária com uma retirada limitada das forças de ocupação de algumas áreas da Faixa, a fim de permitir a libertação da maioria dos detidos pelo Hamas, antes de continuar a agressão e tentar atingir plenamente seus objetivos. Nesse contexto, descrevemos o dilema de Netanyahu da seguinte forma:

“Ele está preso entre dois fogos na política interna israelense: o fogo daqueles que pedem prioridade para a libertação dos israelenses detidos em Gaza, naturalmente liderados pelas famílias dos detidos, e o fogo daqueles que rejeitam qualquer trégua e insistem em continuar a guerra sem interrupção, liderados pelos ministros mais extremistas da extrema direita sionista. A maior pressão a que Netanyahu está exposto vem de Washington. Ela coincide com os desejos das famílias dos prisioneiros israelenses na busca de uma trégua ‘humanitária’ que duraria algumas semanas e permitiria que o governo Biden afirmasse que está ansioso pela paz e preocupado com os civis, depois de ter sido e continuar sendo totalmente corresponsável pela guerra genocida que Israel está travando, a qual não teria sido capaz de travar sem o apoio militar dos EUA em primeiro lugar.”

O texto acima foi publicado há exatamente quatro meses (“The Game of Poker between Hamas and Netanyahu”, 7 de maio de 2024) e nada mudou na equação política desde então. O governo Biden ainda precisa conseguir algo que prove sua boa fé perante a opinião pública norte-americana e internacional, e isso agora se tornou uma necessidade da campanha eleitoral de Kamala Harris depois que Biden se retirou da disputa em favor dela. O “centro” sionista ainda está interessado em criar uma oportunidade para libertar o maior número possível de reféns, especialmente porque a pressão popular para isso envolve principalmente seus apoiadores. No entanto, todos eles concordam em manter o controle israelense sobre Gaza a longo prazo. Eles diferem quanto à forma e ao escopo do controle, não quanto ao seu princípio.

Não há evidência mais clara da veracidade do desacordo entre Galant e Netanyahu do que o que o ministro da Guerra teria dito na reunião do gabinete sionista durante a qual os dois homens entraram em conflito. A discussão se concentrou na demanda do Hamas, apoiada pelo Cairo, pela retirada do exército de ocupação do “corredor Philadelphi”, na fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito. Embora os aparatos militares e de segurança sionistas sejam favoráveis a essa retirada, a extrema direita sionista representada no gabinete a rejeita categoricamente e ameaça dissolver sua coalizão com Netanyahu se ele aceitar o acordo, o que forçaria novas eleições que poderiam pôr um fim definitivo à carreira política do homem. Portanto, vimos Netanyahu se agarrar à sua posição de rejeitar a retirada do corredor fronteiriço com argumentos de segurança que nenhum membro da elite do poder sionista pode refutar, pois todos sabem que armas e equipamentos de construção de túneis entraram na Faixa de Gaza pelo Sinai egípcio e não confiam no lado egípcio em relação à supervisão do corredor, ou em qualquer outra pessoa.

A resposta de Galant e da oposição sionista não foi que não havia necessidade de controle israelense do corredor. Em vez disso, alguns deles se basearam em propostas do establishment de segurança para realizar a supervisão eletrônica da fronteira sem o envio permanente de tropas israelenses, enquanto Galant resumiu a discordância entre ele e Netanyahu, de acordo com o que foi relatado pela mídia israelense, como uma escolha “entre a vida dos reféns ou a permanência no corredor da Filadélfia por seis semanas”. Em outras palavras, na visão de Galant, a questão não é mais do que uma retirada do corredor por seis semanas, para permitir a libertação da maioria dos reféns do Hamas, sabendo que o exército de ocupação voltaria ao controle direto das fronteiras após a conclusão da primeira etapa do acordo que Washington está buscando. Todos sabem que o segundo estágio hipotético desse acordo, que exige que o exército de ocupação se retire completamente da Faixa de Gaza, nunca acontecerá. Todos eles são hipócritas.


TV Movimento

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.

Desenvolvimento Econômico e Preservação Ambiental: uma luta antineoliberal e anticapitalista

Assista à Aula 02 do curso do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento. Acompanhe nosso site para conferir a programação completa do curso: https://flcmf.org.br.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 09 set 2024

07/09 de Bolsonaro: a extrema direita levanta a cabeça, hora da esquerda afirmar seu programa

O ato esvaziado em São Paulo aconteceu em meio à divisão eleitoral do bolsonarismo na cidade
07/09 de Bolsonaro: a extrema direita levanta a cabeça, hora da esquerda afirmar seu programa
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 53
Nova edição da Revista Movimento debate Teoria Marxista: O diverso em unidade
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate Teoria Marxista: O diverso em unidade