Líderes da Esquerda Europeia sobre a Ucrânia: Nem um vestígio de solidariedade
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Líderes da Esquerda Europeia sobre a Ucrânia: Nem um vestígio de solidariedade

Diversos grupos de esquerda do continente vacilam sobre a agressão russa contra a Ucrânia

Murray Smith 24 nov 2023, 16:00

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O site do think tank Transform! publicou um artigo intitulado “The Left and the inter-imperial war” (A Esquerda e a guerra inter-imperial), escrito por Michael Brie e Heinz Bierbaum em 13 de agosto. Os autores são figuras proeminentes e amplamente respeitadas no Die Linke (The Left, Alemanha). Heinz Bierbaum foi Presidente do Partido da Esquerda Europeia de 2019 a 2022 e agora é Presidente da Fundação Rosa Luxemburgo.

O Die Linke atravessa atualmente uma crise que é amplamente descrita como existencial. Muitos camaradas estão tentando ajudar o partido a sair do buraco que parece que ele se enfiou e desenvolver uma atuação baseada na classe e orientada para a classe. Brie e Bierbaum estão entre eles. Algum tempo atrás, eles escreveram um artigo no Neues Deutschland nesse sentido. Havia apenas referências pontuais à guerra na Ucrânia, mas eram inquietantes. À luz de sua contribuição atual, as referências inquietantes eram claramente um prelúdio de algo muito mais sério. (Uma contribuição recente de Walter Baer, Presidente do Partido da Esquerda Europeia, intitulada “Making the difference” (Fazendo a diferença), que trata de questões mais amplas, está, no que diz respeito à questão da Ucrânia, próxima à posição de Brie e Bierbaum, embora com um tom mais moderado).

Os autores citam Ferdinand Lassalle: “Toda grande ação política começa com a enunciação do que ela é. Toda mesquinhez política consiste em esconder e encobrir o que ela é”. Só podemos concordar com isso. Portanto, vamos nos perguntar o que é hoje a ação na Ucrânia? E o primeiro ponto a ser destacado é que a coisa mais importante que está acontecendo não é mencionada em seu documento.

Poderíamos dizer que a coisa mais importante é que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022. Isso claramente é verdade e é o que deu início à guerra atual. No entanto, na verdade, o ponto central é que a invasão foi confrontada com uma resistência massiva do povo ucraniano. Não apenas do governo e das forças armadas, mas do povo em geral. Militantes de partidos nas áreas ocupadas, organizações e movimentos da sociedade civil e iniciativas populares em todos os lugares, apoiando a defesa de seu país. A comunidade Roma, frequentemente alvo de discriminação na Ucrânia e em outros lugares, também se mobilizou. As formas de resistência podem ser diversas, tanto armadas como não armadas. Existem duas grandes confederações sindicais na Ucrânia, ambas apoiam a defesa de seu país. Elas arrecadam dinheiro para ajudar seus membros que estão nas forças armadas e para comprar equipamentos militares. A esquerda política apoia a guerra, assim como uma rede de mulheres muito ativa. Até os anarquistas suspenderam sua oposição a todos os estados para se juntar ao exército e lutar.

Ao mesmo tempo, os sindicatos e a esquerda lutam contra as políticas neoliberais do governo ucraniano, especialmente as leis anti-sindicais e em defesa dos serviços públicos. Os apoiadores internacionais da Ucrânia apoiam os sindicatos ucranianos em ambos os níveis, contra a agressão russa e em defesa de seus direitos sociais. No geral, os sindicatos europeus têm um histórico melhor do que a esquerda política. Eles fornecem ajuda real aos sindicatos ucranianos de várias maneiras, e alguns deles expressam de forma muito clara seu apoio político à Ucrânia. Isso se deve, pelo menos em parte, ao fato de muitos deles conhecerem e terem ajudado os sindicatos ucranianos por 20 ou 30 anos. Por essa mesma razão, eles fazem o que podem para apoiar os sindicatos bielorrussos, que foram severamente reprimidos por Lukashenko.

Deve-se também levar em consideração que os sindicatos, embora enfraquecidos, ainda são organizações de massa e, portanto, mais receptivos à opinião pública pró-ucraniana, que é majoritária em todos os países da Europa Ocidental, mesmo naqueles onde a esquerda que enxerga a política mundial através da lente de campos conflitantes (esquerda “campista”) e que apoiam a apaziguamento de Putin fazem mais barulho. A vitória mais recente da solidariedade com a Ucrânia foi a votação esmagadora no congresso dos sindicatos britânicos (ver Apêndice 1).

A. Natureza da Guerra

No que diz respeito à esquerda política internacional, não existe uma “posição geral”. Existem partidos que apoiam a Ucrânia e partidos que não apoiam, seja por razões pacifistas, campistas ou geopolíticas. E em muitos países, existem divisões na esquerda.
Os autores citam Rosa Luxemburgo para afirmar que não existe tal coisa como uma guerra defensiva. No entanto, mais tarde, eles explicam que “no caso da Rússia, trata-se de defender sua posição geopolítica ameaçada”. Não o seu território, não o seu povo, mas a sua “posição geopolítica ameaçada”. Voltaremos a isso. De qualquer forma, a guerra atual é uma guerra defensiva que começou com a Ucrânia se defendendo da agressão russa. Mais adiante, analisaremos de onde veio essa agressão. Para dar outro exemplo, em 1979, o Vietnã travou uma guerra defensiva bem-sucedida contra uma invasão chinesa. Portanto, guerras defensivas existem, mas se uma guerra é defensiva ou ofensiva não é a questão central. O que importa é a natureza da guerra e dos países envolvidos, não quem a inicia. Por exemplo, não há dúvida de que tanto as guerras de independência da Argélia quanto da Irlanda foram lançadas por organizações dos povos colonizados que dispararam os primeiros tiros. Também não há dúvida de que as guerras subsequentes foram guerras de libertação nacional, em resposta a séculos de opressão colonial pelo imperialismo francês e britânico.
Voltando à guerra atual. É uma guerra de agressão lançada pelo imperialismo russo contra a Ucrânia, que foi oprimida pela Rússia por séculos. A relação entre a Ucrânia e a Rússia foi comparada por Vladimir Lenin àquela entre a Grã-Bretanha e a Irlanda, em termos muito contundentes: “explorada ao máximo, sem receber nada em troca” (Discurso em Zurique, 27 de outubro de 1914, não incluído nas Obras Completas. Esta foi também a única ocasião registrada em que Lenin pediu explicitamente a independência da Ucrânia). Portanto, a Ucrânia tem todo o direito de se defender, e é dever da esquerda internacionalista apoiá-la. Isso ainda seria verdade mesmo se a Ucrânia tivesse lançado uma ofensiva no Donbass ou na Crimeia entre 2014 e 2022.

  1. O que os Ucranianos querem?

O que os nossos autores têm a dizer sobre a resistência do povo ucraniano? Praticamente nada. Dizer que eles ignoram isso seria um eufemismo. Eles falam de “um matadouro para os soldados de ambos os lados” – de ambos os lados, como se estivessem no mesmo nível. Eles não estão. Na Batalha de Stalingrado em 1942-43, centenas de milhares de soldados morreram. De ambos os lados. Mas esses lados não eram iguais e naquela época ninguém pensava que eram. Os soldados do Exército Vermelho morreram defendendo seu país e, mais tarde, partindo para a ofensiva. Os de Wehrmacht morreram invadindo a União Soviética e defendendo a Alemanha nazista. Não havia igualdade. No Vietnã, 60.000 soldados americanos morreram. Muitos deles já haviam entendido que estavam lutando em uma guerra injusta e só queriam voltar para casa. Mas a guerra é implacável. Quando seu país é ocupado por um exército imperialista, você não pode expulsá-los sem matar muitos de seus soldados. E o exército dos EUA matou muito, mas muito mais vietnamitas.
Os autores caracterizam a guerra como uma guerra inter-imperial. Nada de novo aí, exceto por usar “imperial” em vez de “imperialista”. Eles repetem o argumento usual de como a OTAN quebrou suas promessas de não se expandir para o leste e como a Rússia se sentiu ameaçada e teve que se defender. Não vou lidar com isso em detalhes, pois já o fiz em outro lugar (“Russia’s war on Ukraine and the European lefts“, em português “A guerra da Rússia contra a Ucrânia e as esquerdas europeias”). Mas vamos enfatizar o que é essencial no documento. “Uma vez que entendemos que esta guerra é, antes de mais nada, uma guerra inter-imperial, os passos em direção à paz também se tornam cristalinos do ponto de vista da esquerda”. O que é realmente cristalino é que a definição de guerra inter-imperial ou guerra por procuração permite tratar o povo da Ucrânia como uma quantidade negligenciável de pessoas e abandoná-los à própria sorte.
O primeiro aspecto marcante do artigo é a completa negação dos ucranianos como agentes de seu próprio futuro. Porque eles não são apenas vítimas, nem são simplesmente manipulados pelos malvados imperialistas ocidentais. O povo ucraniano sabe o que quer e está disposto a lutar por isso. Mas o que lemos? Em primeiro lugar, “As tentativas dos EUA e da UE de fazer a Ucrânia escolher uma orientação unilateral em direção à UE e à OTAN, e assim (abandonar) a política de uma posição intermediária entre o Ocidente e o Oriente”. Primeiro, os ucranianos nunca escolheram essa posição intermediária, ela lhes foi imposta. Segundo, eles escolheram se afastar da Rússia e se aproximar da Europa. Eles fizeram essa escolha no Maidan, e confirmaram essa escolha nas eleições de 2014 e 2019. Antes de 2014, havia uma atitude amplamente positiva em relação à UE, mas não uma maioria clara. Nunca houve uma maioria a favor da OTAN antes de 2014. Depois disso, houve uma maioria a favor tanto da UE quanto da OTAN. E a maioria cresceu e se tornou massiva após 24 de fevereiro de 2022. A razão pode ser resumida em duas palavras: Putin, Rússia.
Em 29 de agosto, foi publicada uma pesquisa realizada pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev em nome do Instituto de Sociologia da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia. A pesquisa mostrou (página 39) que 83,5% dos ucranianos acreditam que a vitória só é possível se todas as terras ocupadas forem devolvidas. Apenas 4% acharam que voltar ao status quo antes de 24 de fevereiro de 2022 era aceitável, ou seja, permitir que a Rússia mantivesse a Crimeia e as “repúblicas”. Não há nada de surpreendente nessas estatísticas, elas apenas servem para confirmar as de pesquisas anteriores. Algumas demonstrações recentes ilustram a atitude em relação à guerra. Em Odesa, Lviv e outros lugares, houve manifestações exigindo que o dinheiro destinado pelos conselhos municipais para diversos fins seja usado para apoiar o esforço de guerra. Em Kiev, manifestações contra a corrupção na administração municipal tiveram o mesmo objetivo. Essas não são manifestações contra a guerra ou em protesto contra o uso da Ucrânia como intermediadora do imperialismo ocidental. São demandas para que a guerra seja conduzida com o máximo de recursos disponíveis.

  1. O futuro proposto para a Ucrânia: “conflito congelado”

O que o documento tem a dizer sobre o futuro da Ucrânia não tem nada a ver com o que o povo ucraniano deseja.
“Um cessar-fogo imediato sem quaisquer pré-condições… controlado pela ONU e estados neutros. Na segunda etapa, negociações devem ser conduzidas para buscar um equilíbrio de interesses entre todos os estados beligerantes e aqueles envolvidos na guerra”. Não há menção aos direitos do povo ucraniano.
Apenas para deixar as coisas absolutamente claras, podemos ler: “A ideia de que isso pode levar a uma situação anterior à guerra é irrealista” (Ênfase no original). No contexto do documento, esta declaração é realmente precisa. O “isso” ao qual se refere diz respeito ao plano delineado acima. É um argumento clássico a favor de negociações por cima das cabeças das partes mais envolvidas, neste caso o povo ucraniano. Desde o Congresso de Viena em 1815, tais “tratados de paz” apenas prepararam o terreno para novas guerras – e às vezes revoluções. Na verdade, esse processo na Ucrânia não pode levar a uma “situação anterior à guerra”, o que necessariamente envolveria a retirada das tropas russas. A luta contínua do povo ucraniano sim pode levar a tal situação. No entanto, nem essa luta nem a demanda pela retirada das tropas russas são mencionadas pelos autores.
Eles escrevem: “é necessário um grande esforço para criar um sistema abrangente de segurança comum que inclua a Rússia. Isso levará uma quantidade considerável de tempo.” Isso vai além de uma subavaliação e é um objetivo completamente irrealista.
O pior ainda está por vir. Aprendemos que “se aguenta um conflito congelado por um período muito longo”, mas que é “melhor do que a guerra”. A gente se pergunta se aqueles que escrevem isso realmente sabem o que estão dizendo. Eles estão condenando os ucranianos que vivem sob ocupação russa a continuar assim por um “período muito longo”. A ocupação de algumas áreas já dura mais de dezoito meses, o que já é um tempo muito longo para aqueles que são obrigados a aguentá-la. É uma ocupação bárbara, que começa com estupro e saques e continua com prisões arbitrárias, tortura, execução sumária de homens, mulheres e crianças, filtragem, deportação de civis e sequestro de crianças ucranianas, e planos para inundar as zonas ocupadas com imigrantes russos, como já foi feito na Crimeia. Por que alguém tem o direito de condenar populações inteiras a aguentar isso e ainda insultá-las afirmando que é “melhor do que a guerra”? Nada é menos evidente.
Quanto à ideia da libertação da Ucrânia ser considerada irrealista, vamos olhar para as evidências. Havia muitas pessoas que consideravam irreal pensar que o Vietnã poderia derrotar o imperialismo francês e depois o dos EUA. Ou que a Argélia poderia conquistar a independência. Ou que um bando desajeitado em um barco furado poderia desencadear uma revolução em Cuba. Mas os realistas não eram tão realistas. Nas circunstâncias certas, aqueles que lutam podem criar sua própria realidade. Aqueles que não lutam nunca alcançarão nada. Na verdade, aqueles que pediram cessar-fogos, negociações e “paz” na Argélia e no Vietnã não conseguiram nada.

B. Rivalidade inter-imperialista e Ucrânia

Os autores do artigo atribuem importância central à sua análise da guerra como inter-imperialista, na qual a Ucrânia é apenas um fantoche do imperialismo dos EUA. Isso parece ser justificado, em primeiro lugar, porque se encaixa na confrontação entre os EUA e a OTAN, de um lado, e a Rússia e a China, de outro. E, especificamente, na expansão para o leste da OTAN. Em segundo lugar, pelo fato de a Ucrânia estar recebendo, principalmente de países da OTAN, parte das armas de que precisa para se defender.

A confrontação entre a potência mundial hegemônica estabelecida, os Estados Unidos, e seu suposto sucessor, a China, é um fato central da política e da economia internacional. A Rússia não está no mesmo patamar, mas é grande o suficiente para complicar as coisas. Então, onde se encaixa a Ucrânia? Como mencionamos acima, a Ucrânia escolheu se alinhar com o Ocidente. Devemos enfatizar “escolhido”. Primeiro, porque é um fato. Segundo, porque a insistência em que a Ucrânia e os ucranianos estão de alguma forma sendo manipulados pelos EUA e pela OTAN diz duas coisas sobre aqueles que dizem isso. Uma delas é a incapacidade de sair da mentalidade de que tudo de ruim que acontece no mundo é responsabilidade dos EUA e da OTAN. Este é um quadro completamente inadequado para entender o mundo de hoje, onde existem três principais imperialismos (EUA, China e Rússia) e uma série de imperialismos secundários (Reino Unido, França, Alemanha, Japão…) que podem ser aliados dos EUA, mas também têm seus próprios interesses específicos a defender. Além disso, existem uma série de atores autônomos: Índia, Irã, Israel, Arábia Saudita, Brasil, entre outros. A segunda coisa que isso nos diz é que, para eles, não apenas os direitos de nações pequenas ou não tão pequenas são considerados dispensáveis, mas também implica que eles as veem como não tendo vontade própria, sem capacidade de agir em seus próprios interesses. Apenas peões no tabuleiro de xadrez.
Isso fica claro na maneira como os autores lidam com a situação internacional. Em um ponto, eles escrevem que “uma crescente agressividade surgiu na luta pela hegemonia, que está relacionada com as contradições internas e externas acentuadas do desenvolvimento capitalista desigual”. Este seria um bom ponto de partida, mas eles sistematicamente caem na caricatura agressiva dos EUA e seus aliados, o que leva, implicitamente ou explicitamente, à ideia de que a Rússia e a China estão na defensiva. Isso é misturado com a palavra da moda, multipolaridade. Agora, há uma maneira potencialmente positiva de definir essa palavra. Poderia significar o direito de cada nação decidir seu próprio futuro e governar a si mesma. Mas não é isso que ela significa nas intenções e ações das grandes e menos grandes potências que a defendem. O que isso significa para eles é o direito de cada país fazer o que quiser, com seu próprio povo e, na medida do possível, com países mais fracos ao seu redor. Na maioria das vezes, as nações poderosas raramente, se é que alguma vez, admitem que dominam outras nações simplesmente porque podem e porque isso serve aos seus próprios interesses. Elas empregam justificativas ideológicas. Com os Estados Unidos, tudo se resume a defender a “democracia” e uma “ordem internacional baseada em regras”. Qualquer pessoa de esquerda dirá isso. Muitos deles são muito mais reticentes em dissecar os conceitos profundamente reacionários do “mundo russo”, da Rússia como uma civilização única. Ou a pretensão da China de liderar o Sul Global.
Os Estados Unidos, como a potência mundial hegemônica, estão obrigados a intervir em muitos lugares para defender ou avançar sua própria posição. Portanto, é difícil definir uma esfera de influência. Em certo sentido, o mundo é sua esfera de influência. Isso é ao mesmo tempo uma expressão de seu poder e uma maldição. Isso também era verdade para a Grã-Bretanha durante os dois séculos de sua hegemonia. No entanto, é claro que, por mais de dez anos, os Estados Unidos vêm buscando direcionar sua atenção exclusiva para a China e a região do Indo-Pacífico. Envolvimento em uma guerra na Europa de forma alguma estava planejado e não correspondia às prioridades dos EUA.

  1. Rússia e OTAN

Vamos analisar a Rússia, cujo objetivo na guerra é definido como “defender sua ameaçada posição geopolítica”. Isso é verdade e é a razão fundamental pela qual está invadindo a Ucrânia. Por trás do termo “posição geopolítica” está a concepção de uma esfera de influência que abrange o território da antiga União Soviética / Império Tsarista e, na medida do possível, seus antigos satélites na Europa Oriental e Central. Essa posição geopolítica está ameaçada. Por quem? A resposta dos autores é: pelos EUA, OTAN e UE. Isso é verdade no sentido restrito de que nem os EUA nem a UE podem aceitar o direito da Rússia de dominar o Leste Europeu. Por outro lado, nem os EUA, a OTAN nem a UE têm a menor intenção de invadir a Rússia. Mas a verdadeira ameaça para a Rússia é a resistência das pessoas que vivem nos países que ela considera parte de sua esfera de influência.
À medida que a União Soviética colapsou, as repúblicas não russas declararam sua independência, e os países do antigo bloco soviético transformaram sua independência de jure em independência de facto. Eles se juntaram à OTAN e, na maioria dos casos, à União Europeia. Os estados bálticos seguiram o mesmo caminho.
Quando certa esquerda fala sobre o aumento da OTAN, sua análise sobre  o porquê desses países se juntarem à OTAN geralmente se limita às decisões de Washington. Esse foi um aspecto, e um importante. Se Washington tivesse se oposto, esses países nunca teriam se juntado à OTAN. Mas foi favorável a eles se juntarem porque reforçou e estendeu a influência dos EUA na Europa. No entanto, a adesão à OTAN não foi imposta a esses países. Pelo contrário, eles fizeram campanha e fizeram lobby para serem aceitos. Não apenas os novos grupos no poder, mas a população estava a favor. Porque tinham um medo justificado da Rússia. A Ucrânia forneceu um exemplo gráfico do que pode acontecer a um país que não é membro da OTAN. Além disso, porque o Ocidente representava não apenas a democracia, mas as sociedades de consumo prósperas às quais aspiravam. Claro, como se viu, nem tudo que reluz é ouro.
Hoje, a OTAN está mais forte e mais focada do que desde o fim da Guerra Fria. Ela também nunca foi tão popular. Se você quiser convencer as pessoas de que o futuro não está em uma aliança militar sob liderança dos EUA, é preciso apresentar a elas uma alternativa com credibilidade.
As outras ex-repúblicas soviéticas não seguiram o mesmo caminho, a maioria fazendo parte de uma Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e algumas da CSTO (Organização do Tratado de Segurança Coletiva), uma espécie de versão mais modesta da OTAN. A maioria das repúblicas reconheceu a predominância russa, mas o grau real de influência russa variou. Atualmente, está claro que um dos efeitos da guerra na Ucrânia foi enfraquecer essa influência. Isso beneficia não apenas os Estados Unidos, mas também a China e a Turquia. Uma virada em direção a esses três países (mantendo relações amigáveis com a Rússia) agora faz parte da política do Cazaquistão, conforme definido em 2022, assim como substanciais aumentos em seus orçamentos de defesa e segurança. Vale a pena mencionar que, apesar de sua proximidade com a Rússia, o Cazaquistão se recusa a apoiar sua guerra de agressão na Ucrânia. Ele também sempre se recusou a reconhecer a anexação da Crimeia pela Rússia. Nesse sentido, tem uma atitude mais fundamentada do que parte da esquerda ocidental. Embora haja também uma consideração prática: o Cazaquistão tem uma minoria de língua russa, concentrada no norte do país. Tem interesse em não aceitar o direito da Rússia de intervir onde quer que haja falantes de russo. Neste verão, o secretário de Estado dos EUA, Blinken, fez uma turnê pelas cinco repúblicas da Ásia Central. A Armênia, tradicionalmente próxima de Moscou, agora está enviando ajuda humanitária para a Ucrânia e realizando manobras militares conjuntas com os EUA. Isso, é claro, não está desconectado da relutância/incapacidade da Rússia de cumprir suas obrigações do tratado da CSTO de defender a Armênia e o enclave de Nagorno-Karabakh contra a agressão do Azerbaijão. (Veja a declaração do Movimento Socialista Russo: “Concerning Azerbaijan’s aggression against Nagorno-Karabakh/Artsakh”, em português “Sobre a agressão do Azerbaijão contra Nagorno-Karabakh/Artsakh”).

  1. Maidan and Anti-Maidan

Por seu tamanho, situação geográfica e história, a Ucrânia é central para qualquer projeto de reconstrução de um império russo. A Rússia nunca aceitou a independência da Ucrânia. O longo texto histórico de Putin em 2021, explicando que ucranianos e russos eram o mesmo povo, pode ser visto como parte da preparação ideológica para a guerra iminente. Mas também, muito provavelmente é o que ele pensa e uma visão amplamente compartilhada na Rússia. Até 2014, Putin achava que poderia fazer a Ucrânia se submeter aplicando pressão política e econômica sobre seus governos. Isso foi respaldado por uma rede de agentes no aparato do Estado, especialmente na polícia e nas forças armadas. A extensão disso, incluindo generais e políticos que estavam a serviço de Putin, foi amplamente revelada em 2014. Mas ainda estava parcialmente funcional em 2022.
O Maidan foi o estopim que convenceu Putin de que era hora de recorrer à força. Mesmo antes da vitória do Maidan e da fuga de Viktor Yanukovych, estavam em andamento os preparativos para a anexação da Crimeia e para um processo de anexação gradual de oito províncias no sul e leste da Ucrânia, coletivamente chamados de Novorossiya. O plano era passar por uma fase de proclamação de “repúblicas populares”, que mais tarde pediriam para se juntar à Rússia. Isso só teve sucesso em parte no Donbass.
Existem muitos mitos e meias-verdades sobre o que aconteceu no Donbass e, mais amplamente, no sul e leste da Ucrânia em 2014. A maioria dos números apresentados aqui é retirada de uma pesquisa realizada pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) em abril de 2014. Foi frequentemente citada, não apenas porque vem de uma fonte respeitável, mas também pelo momento em que foi realizada. Ela oferece uma fotografia das opiniões no sul e leste no momento em que milícias pró-russas estavam tomando prédios do governo em toda a região do Donbass e tentando fazer o mesmo em outros lugares. O que aparece é que, em uma questão importante, a preferência pelo acordo de livre-comércio com a União Europeia ou com a União Aduaneira da Eurásia, a última opção estava claramente em maioria, no geral e em cinco das oito províncias, com três preferindo a União Europeia. Em uma questão que não foi feita pela pesquisa do KIIS, mas para a qual há muitas evidências, mais pessoas no sul e leste eram contra o Maidan do que a favor do Maidan. Mas a maioria não significa todos. Em Kharkiv, a maior manifestação pró-Maidan tinha 30.000 pessoas, em Dnipropetrovsk, 15.000. Mesmo em Donetsk, a maior manifestação pró-Maidan tinha 10.000 pessoas, em comparação com 30.000 na maior manifestação anti-Maidan.
Em outras questões, não há muita alegria para o lobby pró-Rússia e anti-ucraniano. Na pergunta “Você apoia aqueles que, com armas, capturam prédios administrativos em sua região?” (o que estava acontecendo quando a pesquisa foi realizada), houve pouco apoio: menos de 12% no total, 18% em Donetsk, 24% em Lugansk, em nenhuma outra província as respostas chegaram a dois dígitos.
Houve protestos anti-Maidan, com real apoio popular no Donbass. Eles não estavam exigindo se juntar à Rússia; estavam protestando contra um movimento baseado no centro e no oeste, que eles viam como tendo tomado o poder em Kiev. Eles também tinham reclamações justificáveis contra o governo central, que não datavam do Maidan. E, assim como o movimento Maidan, eles protestavam contra a corrupção e políticos corruptos.
O que nos leva a Yanukovych. À pergunta se Yanukovych era o presidente legítimo, não houve maioria em nenhum lugar. Entre 27 e 31 por cento no Donbass, muito menos em outros lugares. É possível considerar os protestos anti-Maidan como sublevações populares embrionárias. Teria sido interessante ver como o movimento evoluiu, mas ele foi interrompido pela militarização da situação através de uma série de mini-golpes de estado em cidades, uma após a outra. Isso foi a base das “repúblicas populares”. Toda a operação foi conduzida sob a liderança de agentes russos, com “voluntários” russos, dinheiro russo e armas russas. Aqueles no Donbass que seguiram não estavam em maioria. De fato, nunca houve apoio majoritário para se juntar à Rússia no Donbass, nem em uma eleição, referendo ou pesquisa. Na pesquisa do KIIS, enquanto cerca de 30 por cento eram a favor de se juntar à Rússia, mais de 50 por cento eram contra.
Dadas as circunstâncias da tomada do controle no Donbass e a subsequente intervenção do exército ucraniano, é uma distorção completa falar de uma guerra civil (veja “Questions about Ukraine” de Daria Saburova, em português “Questões sobre a Ucrânia”). Mesmo sem a intervenção direta do exército russo em 2013-14 e seu envolvimento contínuo na guerra de baixa intensidade de 2014-22, ficou claro desde o início que se tratava de uma intervenção da Rússia na Ucrânia.

C. Rússia e o contexto internacional

Vamos agora examinar a dimensão internacional. Sem entrar em detalhes, parece uma boa hipótese de trabalho afirmar que o período de globalização que começou nos anos 1980 chegou ao fim. Historicamente, o fim dos períodos de globalização leva a um aumento na competição inter-imperialista. Ninguém na esquerda contestaria que os Estados Unidos são imperialistas. Isso também pode ser dito sobre o Reino Unido, Alemanha, França e alguns países europeus menores, assim como o Japão. Por razões que raramente são enunciadas, há uma ideia geral na esquerda de que a emancipação da Europa, especificamente da UE, da hegemonia dos EUA seria de alguma forma progressiva por si só. Isso está longe de ser evidente e mereceria, no mínimo, uma análise séria.
Caracterizar a Rússia e, especialmente, a China como imperialistas é mais controverso. Mas lembremos a descrição de Lenin da Rússia em 1916. “A Rússia já havia batido o recorde mundial em tempos de paz na opressão de nações com base em um imperialismo muito mais grosseiro, medieval, economicamente atrasado, militar e burocrático.” (Veja “Balanço da discussão sobre autodeterminação”, Obras Completas, Vol. 22). Em outros lugares, ele simplesmente falava de imperialismo militar-feudal russo. Não há muita menção de capital financeiro, monopólios ou exportação de capital. O ponto é que Lenin não achou necessário que um país cumprisse todos os requisitos para ser imperialista. No caso da Rússia, os critérios coloniais e militares parecem ser suficientes. Além disso, a economia russa era em grande parte dominada pelo capital francês, alemão e britânico (nessa ordem).
O aumento da competição entre as grandes potências e as não tão grandes ocorre nos níveis econômico, político e militar. Isso é uma característica do capitalismo e do imperialismo. Está em sua natureza. É altamente provável que isso leve à guerra em algum momento. Como Rosa Luxemburgo disse, a guerra é tanto uma consequência lógica do capitalismo quanto a paz armada (“Utopias Pacifistas”, 1911).
A confrontação entre os EUA e a China, que realmente começou a se tornar aguda após 2008, tem sido relativamente pacífica e econômica, mas não completamente. A China adotou uma política agressiva no chamado Mar da China Meridional, construindo ilhas em grande parte artificiais e altamente militarizadas em águas internacionais e invadindo as águas territoriais do Vietnã e das Filipinas. Claro, os EUA não deixaram de se aproveitar da situação. Eles obtiveram várias bases nas Filipinas e fortaleceram os laços diplomáticos com o Vietnã, como exemplificado pela recente visita bem divulgada do presidente dos EUA, Joe Biden, a Hanói. Claro, é possível ver tudo isso como provocações instigadas pelos EUA contra a China. Isso seria francamente inverter a situação. É a China que lançou provocações contra o Vietnã e as Filipinas, e são os Estados Unidos que estão se aproveitando disso. Mas, além de tais detalhes, fundamentalmente, os Estados Unidos estão determinados a manter sua hegemonia na região do Indo-Pacífico, enquanto a China está determinada a estabelecer sua hegemonia. Essa é a realidade. Isso levará a tensões e conflitos no Mar da China Meridional e Oriental, em relação a Taiwan e na competição para influenciar as nações do Pacífico.
Uma abordagem séria à situação internacional exigiria abandonar o velho refrão cansado de denunciar constantemente o imperialismo dos EUA e seus aliados, especialmente a OTAN, enquanto se encontram desculpas para a Rússia e a China. Isso parece estar além de parte da esquerda europeia e norte-americana. Não está além do Partido Comunista Japonês (PCJ) (veja Kimitoshi Morihara (Partido Comunista Japonês): Indo-Pacific must be a region of dialogue and cooperation, not rivalry, em portugês “O Indo-Pacífico deve ser uma região de diálogo e cooperação, não rivalidade”). O PCJ se opõe fortemente à militarização no Japão e sua integração no sistema de alianças anti-chinês que Washington está implementando. Mas ele também critica claramente o que chama de hegemonismo chinês e chauvinismo de Grande Potência. Isso inclui, entre outras coisas, a crítica aos abusos dos direitos humanos em Xinjiang e Hong Kong e a defesa do direito à autodeterminação de Taiwan (e evidentemente, a oposição ao uso da força pela China). Em relação à guerra da Rússia na Ucrânia, o PCJ denuncia a agressão russa e exige a retirada imediata e incondicional das forças militares russas.
Quando pessoas na esquerda campista falam sobre a Rússia, a maneira como falam diz muito sobre elas. A Rússia foi ameaçada pelo aumento da OTAN. Sua reação em invadir a Ucrânia não pode ser aprovada, mas a culpa realmente recai sobre os Estados Unidos e a OTAN. Devemos entender a Rússia e fazer uma paz que leve em consideração suas preocupações legítimas. E assim por diante.

  1. Natureza da Rússia

Mas o que é a Rússia? Essa é a pergunta que eles não fazem. Em princípio, uma república federal, mas, na realidade, os (substanciais) restos de um império. Dos seis impérios que entraram em guerra em 1914 (Alemanha, França, Grã-Bretanha, Rússia, Áustria-Hungria, Turquia), é o único que permanece. A Rússia não é um estado-nação, mas um império. Os autores do documento falam sobre a OTAN “excluindo a Rússia da Europa”. Mas não há necessidade disso. A Rússia se excluiu da Europa quando cruzou os Urais e, ao longo de três séculos, conquistou seu caminho para leste até o Pacífico e para o sul na Ásia Central. Ou, para ser preciso, ela se excluiu de ser um estado puramente europeu e se tornou um império eurasiático. Na verdade, mesmo antes de se aventurar na Ásia, já era um império, com muitas consequências que não podemos discutir aqui. Mas repetir “a Rússia faz parte da Europa” não nos levará a lugar nenhum.
Politicamente, o que é a Rússia? Oficialmente, uma democracia, mas isso é uma piada, como ilustraram as recentes eleições regionais. É, no mínimo, o estado mais internamente repressivo e externamente agressivo que intervém na Europa. Nas discussões entre os opositores russos e aqueles que acompanham de perto os acontecimentos na Rússia, a questão do fascismo é central. Vamos analisar as principais características da Rússia. Temos o grande líder: o culto a Putin é modesto em comparação com a dinastia Kim na Coreia do Norte, ou mesmo com Xi Jinping na China, mas é maior do que qualquer líder russo desde Stalin. Apesar das vestimentas da democracia parlamentar, o regime não está sujeito a nenhum controle democrático. Os direitos democráticos mais básicos (de expressão, reunião, manifestação) são reprimidos. Não há imprensa livre, nem sindicatos livres. O clima social e ideológico é patriarcal, misógino, homofóbico. E, acima de tudo, impregnado de chauvinismo grão-russo, que agora é ensinado nas escolas e aplicado na Ucrânia. Há um debate em curso sobre como definir a Rússia: fascista (o historiador Timothy Snyder, o socialista russo e escritor Ilya Budraitskis), neo-fascista (o filósofo esloveno Slavoj Žižek), para-fascista, pós-fascista, fascista. É claro que o fascismo russo não se encaixa no fascismo “clássico” dos anos 1920 e 30, mas isso não esgota a questão.
A Rússia é imperialista? Lenin pensava que sim, e ele estava bem ciente do quanto o capital estrangeiro controlava sua economia. Isso mudou agora: hoje existe um capital nacional russo autônomo. Uma mistura de capital estatal e privado, com grande peso no setor primário – petróleo, gás, minerais… (Veja Michael Pröbsting, “Russian imperialism and its monopolies”, em português “Imperialismo russo e seus monopólios”). Mas o fato de a Rússia ter interesses econômicos a defender não significa que essa tenha sido a motivação para a guerra. Existe uma autonomia da dimensão política (ou geopolítica). A Ucrânia é fundamental para qualquer projeto imperial russo, mesmo a um custo considerável para a economia a curto prazo.
Vamos repetir: para entender o mundo hoje, é necessário se afastar da ideia de que são os Estados Unidos e seus aliados que iniciam tudo. Existem contradições inter-imperialistas e anti-capitalistas se agravando. Isso cria lutas pelo poder e a criação ou reforço de blocos. Os principais atores são os Estados Unidos, China e Rússia. Mas existem outros atores autônomos, como citado acima.
No que diz respeito a blocos, os Estados Unidos estão muito à frente: OTAN, o Quad, AUKUS, etc. Os países que apoiam a Rússia (em vez de se absterem) são uma coleção lamentável – Belarus, Coreia do Norte, Eritreia, Irã, Síria, Nicarágua… Grande parte do apoio organizado para a Rússia na Europa vem de partidos de extrema-direita, embora alguns tenham se tornado mais discretos desde o início da guerra. A China tem muito poucos aliados em sua vizinhança imediata – Camboja e a junta de Mianmar. O fato é que muitos dos vizinhos da China estão mais alinhados com os Estados Unidos, precisamente por serem vizinhos da China.

  1. Campos na política mundial

Se quisermos olhar para as coisas em termos de campos, é claro que há um campo ocidental, no sentido mais amplo. Durante a Guerra Fria, havia definitivamente um campo soviético. É muito menos claro se hoje existe um campo russo ou chinês. É neste ponto que começamos a ouvir a música dos BRICS e do Sul Global, que às vezes é discutida como se fosse um campo anti-ocidental real ou potencial. Quem compõe este campo? Às vezes, todos, exceto a Europa, América do Norte e Nordeste da Ásia. Quais são os critérios? Na década de 1950, havia o Movimento dos Países Não Alinhados, que era precisamente isso, sem ligação a nenhum bloco e em apoio aos movimentos de libertação nacional.
O que une os BRICS ou o Sul Global? No sentido mais amplo, a busca por maneiras de encontrar uma alternativa ao mundo “baseado em regras” do Ocidente. Mas isso é muito vago. O documento fala da “tentativa de muitos estados do mundo de avançar em direção a uma ordem multipolar não-imperial de segurança comum”. Primeiro, parece que a autonomia econômica é tão importante ou até mais do que a segurança comum. Em segundo lugar, é mais do que óbvio que Rússia e China buscam usar os BRICS e a noção de Sul Global como alavanca contra os Estados Unidos. A ideia da China como líder do Sul Global pode parecer fantasiosa. A China é, na verdade, um dos principais exploradores do Sul Global, por meio de comércio desigual e dívidas, especialmente. Mas ela tem um objetivo muito claro nesse sentido (veja “China, leader of the Global South?”, em portuguÊs “China, líder do Sul Global?”). A Rússia também explora o Sul Global, mas com menos poder econômico. Não é por acaso que sua penetração na África foi realizada pelo grupo Wagner, com seus métodos brutais característicos. A partir da definição de imperialismo russo de Lenin em 1916, podemos reter pelo menos, bruto, militar e burocrático.
Além disso, o Sul Global é extremamente heterogêneo. Sempre foi, na época em que era conhecido como Terceiro Mundo, mas isso é muito mais acentuado hoje. Ao lado de países classicamente dependentes na África, América Latina e Ásia, há a Índia, que aspira a se juntar ao clube dos grandes e está em uma categoria própria. Existem as petromonarquias do Golfo, em particular a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Catar. Países como Brasil, África do Sul, México, Turquia e Irã podem ser chamados de potências intermediárias. É mais interessante analisar a realidade do Sul Global do que fazer generalidades amplas. Assim como é mais proveitoso analisar Rússia e China do que defini-los essencialmente por sua oposição aos Estados Unidos. Além disso, o esquema bastante batido de declínio da hegemonia dos EUA e ascensão da China precisa ser analisado de forma crítica. Pode muito bem ser que os Estados Unidos não estejam declinando tão rapidamente como frequentemente se afirma e que a China não vá ultrapassá-los em breve, ou talvez nunca. Se olharmos para os membros dos BRICS e do Sul Global em geral, veremos que o grau de imbricação na ordem econômica liderada pelo Ocidente é frequentemente considerável. Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro do que na Índia.
Vamos analisar a penúltima seção do documento. “Paz… requer, acima de tudo, uma política de segurança comum como sua base. Isso é o oposto da política imperialista, que mais cedo ou mais tarde leva a guerras imperialistas.” Esta é uma declaração notável. Uma política pode ser adotada e depois descartada em favor de algo diferente. Mas o imperialismo não é uma política: há cem anos, Lenin polemizou com Karl Kautsky, que pensava que era. O imperialismo é uma etapa do capitalismo e leva a guerras imperialistas. Que não são apenas guerras entre estados imperialistas, algo que não vemos desde 1945, mas guerras travadas por estados imperialistas (e até outros estados) para defender ou estender seu próprio poder econômico, político e militar. Houve muitas dessas guerras; a Ucrânia é a mais recente.
“Deve ser claro para todos que os EUA têm sido a força motriz por trás de quase todas as guerras na porta da UE desde 1991”, diz o documento. Bem, em primeiro lugar, depende de como você define “porta”. Iraque e Afeganistão não estão exatamente à porta da UE. A Líbia pode ser definida dessa forma, mas a guerra de bombardeio em 2011 foi conduzida pelo Reino Unido e França, com o apoio dos EUA. A Chechênia está muito mais próxima da porta da UE. Mas a força motriz lá não foram os Estados Unidos, mas a Rússia. Assim como na Geórgia em 2008 e na Ucrânia desde 2014. Francamente, esse duplo padrão permanente já expirou. Na verdade, desde a queda da União Soviética, todas as guerras da Rússia, exceto a Síria, ocorreram na Europa. As guerras nos Bálcãs na década de 1990 não foram culpa da Rússia, e sua influência foi marginal. Os Estados Unidos e a OTAN desempenharam um papel maior, mas a força motriz dessas guerras decorreu de contradições inerentes à Iugoslávia, em particular das ambições pós-Iugoslavas da Sérvia.

D. OTAN e Europa

Constantemente ouvimos, e novamente neste documento, como se fosse axiomático, que as coisas seriam melhores se a Europa/UE se emancipasse da tutela dos Estados Unidos. Isso está longe de ser óbvio. Não há nada de bom no imperialismo europeu. Todas as guerras desde 1991… Por que começar aí? Por que não em 1945? Encontraríamos guerras coloniais, crimes de guerra, massacres, envolvendo França, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda e Portugal. Não no século XIX, mas na memória recente. A França, em particular, continuou a intervir na África até os dias de hoje, embora pareça que seu tempo possa finalmente estar se esgotando.
aOs países europeus não possuem mais colônias de grande importância, embora a França (novamente) ainda não tenha se desfeito da Nova Caledônia/Kanaky. No entanto, a exploração intensiva dos países do Sul Global é agora realizada de forma pacífica pela UE, e especialmente por seu núcleo imperialista, em particular, mas não apenas, na África.
Então, a Europa ficaria melhor sem os EUA (e sem a OTAN, porque a OTAN é uma aliança militar liderada, financiada e em grande parte armada pelos EUA)? Vamos examinar a OTAN por um momento. Como é bem conhecido, a OTAN nunca disparou um tiro com raiva durante a Guerra Fria. Mas ela tinha forças grandes e bem armadas e orçamentos militares para pagá-las. Interviu nos Balcãs na década de 1990 e no Afeganistão a partir de 2001, mas em nenhum desses foi uma operação importante em comparação com a guerra na Ucrânia. Apesar de um discurso contrário na esquerda, a OTAN não permaneceu como uma aliança altamente militarizada após 1991. Na verdade, os orçamentos de defesa foram reduzidos e os exércitos se tornaram menores e subequipados. Mesmo após os eventos de 2013-14 na Ucrânia, houve muito pouca mudança. Falou-se de um exército europeu, especialmente pela França. A ex-chanceler alemã Angela Merkel e seus vários homólogos franceses passaram anos tentando acalmar Putin e falharam. Nesse contexto, a oferta feita em 2008 à Ucrânia e à Geórgia para se juntarem à OTAN parece algo como uma aberração. A França e a Alemanha sempre foram firmemente contrárias. O ex-presidente dos EUA, Barack Obama, também era contra. A Ucrânia e a Geórgia se juntando à OTAN não assustaram Putin, porque ele sabia que o risco era inexistente. A Ucrânia não estava mais próxima de se juntar à OTAN em 24 de fevereiro de 2022 do que estava em 2008.
A invasão da Rússia à Ucrânia mudou tudo. Pela primeira vez na Europa desde 1945, um país lançou uma guerra em grande escala contra outro. Sim, houve a questão em Chipre em 1974 e, em seguida, as Guerras nos Bálcãs na década de 1990. Mas a guerra atual é sem precedentes em termos de escala e no fato de ter sido iniciada pela Rússia, uma grande potência nuclear. Mas e “guerra por manipulação” da OTAN? Se a OTAN tivesse um plano para iniciar uma guerra por manipulação, teria começado a armar a Ucrânia em 2014, mas não o fez. A OTAN e os EUA foram surpreendidos e reagiram aos eventos. Eles só começaram a armar seriamente a Ucrânia depois que esta provou sua capacidade de deter a Rússia antes de chegar a Kiev e a fez recuar do norte (veja Military Assistance to Ukraine: Rediscovering the Virtue of Courage, em português “Assistência Militar à Ucrânia: Redescobrindo a Virtude da Coragem”).
Foi assim que aconteceu. A Rússia foi surpreendida pela resistência da Ucrânia e talvez ainda mais surpreendida pela reação da OTAN. As guerras mudam muitas coisas, que nem sempre correspondem às intenções daqueles que as iniciam. Esta guerra deveria demonstrar o poder militar da Rússia. Em vez disso, revelou as suas fraquezas. O objetivo era uma Ucrânia fraca, dividida e subjugada à Rússia. No entanto, a Ucrânia nunca esteve tão unida na defesa da sua independência. A OTAN deveria estar fraca e dividida para reagir. No entanto, desde o fim da Guerra Fria, nunca foi tão eficaz e unida, ganhando amplo apoio como uma força necessária para a estabilidade e segurança ou ao menos como um mal necessário.
O documento diz: “A esquerda sempre criticou a política expansiva e agressiva da OTAN”. De fato, o fez. Nem sempre prestando muita atenção aos fatos. Como vimos, as ações militares da OTAN foram limitadas. Talvez, quando os autores mencionam “expansiva e agressiva”, estejam se referindo ao fato de que a expansão da OTAN desde 1999 é, por si só, agressiva? Muito provavelmente. Esse discurso pode ter sido apropriado para um período em que a maioria das pessoas não estava particularmente pensando na OTAN. No entanto, a guerra mudou isso. Em primeiro lugar, mostrou em uma escala até então sem precedentes a natureza agressiva do imperialismo russo. Especialmente nos países que fazem fronteira com a Rússia ou estão próximos a ela, a lição foi que se você estiver na OTAN, não será invadido (pelo menos até agora), e se você não estiver na OTAN, veja o que acontece com você. Se os autores deste documento acham que ainda podem se safar com o antigo discurso anti-OTAN (pedindo a saída da OTAN, dissolvendo a OTAN…), estão profundamente enganados.
Os autores escrevem sobre “partes da esquerda escandinava, que cada vez mais veem a OTAN como uma aliança defensiva”. Eles também poderiam ter acrescentado que uma grande maioria das pessoas nos países que são membros da OTAN (e outros…) pensa exatamente isso. Mas eles não o fazem porque não se encaixa em seu esquema. Mais uma vez, tem-se a forte impressão de que o que as pessoas pensam é de pouca importância em comparação com “soluções” geopolíticas, que na verdade não resolvem nada. Os partidos de esquerda na Escandinávia provavelmente estão perfeitamente cientes de que “a OTAN não é uma aliança para a defesa da democracia na Europa, mas serve aos interesses hegemônicos dos EUA”. Mas isso por si só não resolve nada. É necessário encontrar uma alternativa que realmente defenda os países da Europa, seus povos e, sim, sua democracia. Uma alternativa concreta e viável.

  1. Democracia versus ditadura?

Vamos nos deter um momento. É evidente que o conflito fundamental entre China, Estados Unidos, Rússia e outros países baseia-se em questões de rivalidade inter-imperialista relacionadas com o poder económico, político e militar e, por vezes, reivindicações territoriais. Não se trata de democracia versus ditadura. Se olharmos para os Estados Unidos, não hesitou em aliar-se com ditaduras, especialmente na América Latina e no Médio Oriente. Concluiu até acordos para reforçar as relações com o Vietname, que não é uma democracia. No entanto, quando olhamos para os aliados dos EUA na NATO, na UE e no Sudeste Asiático, quase todos são democracias. Em contraste, a região que se estende de Minsk a Pyongyang é desprovida de democracias. Seria ingénuo pensar que os Estados Unidos e seus aliados não tirariam partido disso – e tiram. Nos países afetados, como os estados bálticos na Europa e Taiwan na Ásia, a população sabe que a ocupação pela Rússia ou pela China significaria não apenas o fim da sua independência, mas também dos seus direitos democráticos. Isso também se aplica à Ucrânia. Em contrapartida, embora os motivos da Rússia para esmagar a Ucrânia não se baseiem intrinsecamente na democracia, o facto de ter uma democracia tão próxima é mais do que uma irritação. Assim, embora a questão da democracia não seja a causa raiz dos conflitos, é muito mais tangível para as pessoas do que as teorias do imperialismo. Torna-se um elemento na situação.
O documento defende o desacoplamento entre a Europa e os EUA. “Portanto, a esquerda deve rejeitar claramente a subordinação da política de segurança da UE às reivindicações imperiais de supremacia dos EUA”. Mais adiante, “A incapacidade da UE de se afirmar de forma independente em termos de política de segurança é a causa da sua subordinação à OTAN”. Isto não explica nada. Francamente, poderíamos igualmente dizer que “a subordinação da UE à OTAN é a causa da sua incapacidade de se afirmar de forma independente”. Este discurso é muito comum na esquerda. Também não está muito distante das repetidas chamadas do Presidente Francês Emmanuel Macron para a “autonomia estratégica” da Europa. De fato, o documento escreve que “a exigência de uma autonomia estratégica para a Europa deve ser abordada seriamente pela esquerda”.
A OTAN é uma aliança militar liderada pelos Estados Unidos. Então, por que os países europeus aceitam essa liderança dos EUA? Durante a Guerra Fria, isso era aceito porque havia um inimigo comum e os Estados Unidos eram de longe a força militar mais poderosa. O que aconteceu após o fim da Guerra Fria? A intervenção relativamente limitada, mas ainda assim decisiva, da OTAN nas guerras dos Bálcãs destacou uma coisa. A Europa era incapaz de encerrar essas guerras por si só. Ela precisava da OTAN, daí os EUA. Não foi exatamente um acidente que os acordos que encerraram a guerra na Bósnia tenham sido assinados em Dayton, Ohio. Em seguida, houve o envolvimento da OTAN no Afeganistão como parte da “Guerra ao Terror” liderada pelos EUA, uma operação criminosa que se revelou inútil; e a intervenção de 2011 na Líbia, que resultou efetivamente na desintegração desse país. Após esses eventos, começaram a surgir mais perguntas sobre o futuro da OTAN.
Aquela fase acabou agora. A invasão da Ucrânia pela Rússia forneceu um caso convincente da necessidade de uma aliança militar. Isso não é o que grande parte da esquerda quer ouvir, mas é a verdade. Então, para onde vamos a partir daqui? A diplomacia de vaivém realizada por Merkel e seus vários parceiros franceses era baseada na ideia de que a Rússia poderia ser integrada na família europeia de nações. Havia um preço a pagar. O preço era a aceitação de uma “zona cinzenta” entre a UE/OTAN e a Rússia: Ucrânia e as repúblicas do Sul do Cáucaso. Portanto, sem adesão à OTAN ou à UE para a Ucrânia e a Geórgia, mas também sem tropas russas. No entanto, a Rússia não queria uma zona cinzenta, ela queria que a Ucrânia fizesse parte de sua zona. Ela queria, no mínimo, a desmilitarização dos estados membros da OTAN na Europa Central e Oriental. O resultado da guerra até agora é que esses estados se tornaram mais, não menos, militarizados, e a Ucrânia agora tem pelo menos a possibilidade de se juntar à OTAN e à UE. Se isso acontecer ou não, depende do resultado da guerra.

E. Qual alternativa para uma paz justa?

A última parte do documento lida com a necessidade de “um conceito alternativo de segurança coletiva para a Europa”. Vamos primeiro examinar o raciocínio: “Os estados da UE – incluindo o governo alemão, que inicialmente estava um pouco hesitante – agora estão totalmente comprometidos com a missão de defender a supremacia dos EUA e, assim, como seus aliados, também sua própria posição privilegiada. Isso não se trata apenas da Rússia, mas, acima de tudo, também contra a China.” Esta é uma descrição bastante precisa. Deve-se destacar “também sua própria posição privilegiada”. Isso é o mais importante. Mas quando dizemos estados da UE, devemos ser mais precisos. Todos os estados da UE são iguais, mas alguns são decididamente mais iguais do que outros. Os mais privilegiados são, acima de tudo, França e Alemanha, juntamente com estados imperialistas menores e seguidores. Deve-se acrescentar o Reino Unido, mesmo que não faça parte da UE. Essas potências imperialistas secundárias não possuem o poder militar para defender seus privilégios. Eles precisam de um protetor, e o óbvio é os Estados Unidos. França e Alemanha podem ter pensado que poderiam escapar disso neutralizando a Rússia. Se assim foi, estavam enganados.
Quando os autores do documento falam sobre a autonomia estratégica europeia, não é inteiramente explicado, mas o raciocínio parece ser que uma UE liberta da hegemonia dos EUA seria capaz de desenvolver uma política externa independente e lidar com o restante do mundo (e com a Rússia, em particular) com base nisso. No entanto, o principal conflito no mundo não é “entre os esforços dos EUA e seus aliados para manter sua própria supremacia imperial” – o que é verdade – “e a tentativa de muitos estados do mundo de avançar para uma ordem multipolar de segurança comum” – o que não é explicação para nada. O principal conflito é entre os EUA e seus aliados de um lado e a China e a Rússia de outro. Nenhum dos quais é não-imperial, pelo contrário.

  1. “Segurança Coletiva”

Vamos analisar a aspiração à paz e à segurança coletiva. Primeiramente, não se pode enfatizar o suficiente que as potências principais e algumas outras são motivadas por seus interesses materiais e geopolíticos. A invasão da Rússia na Ucrânia é uma expressão disso. O resultado é uma guerra entre Rússia e Ucrânia. O que há de errado com a noção de “guerra inter-imperial”? O mais óbvio é que apenas um imperialismo está realmente em guerra. Mas a Ucrânia é apenas um fantoche para os outros imperialistas, pelo que ouvimos dizer. Há algum precedente para isso? Sim, há: a Guerra do Vietnã. Apenas os Estados Unidos e alguns aliados estavam em guerra contra o Vietnã. Nem a União Soviética nem a China estavam em guerra. Mas eles forneceram uma enorme quantidade de ajuda ao Vietnã, não apenas comparável à dada à Ucrânia hoje, mas ainda mais considerável. Embora não tenha sido divulgado na época, havia forças tanto da União Soviética quanto da China no Vietnã. Alguém falou de uma guerra por manipulação naquela época? Certamente, ninguém na esquerda. Mas havia muitos na direita que explicaram que isso não era apenas uma guerra com o Vietnã, porque por trás do Vietnã estava o “comunismo internacional” que planejava tomar o “mundo livre”. Mas, apesar de toda a ajuda recebida, a guerra foi do Vietnã e, embora tenha mantido relações próximas com a União Soviética em particular, o Vietnã nunca foi um satélite de ninguém após a guerra.
Olhando para a lógica do documento, vemos que ele começa sacrificando a Ucrânia no altar em busca de “um sistema abrangente de segurança comum que inclua a Rússia”. Já tratamos do preço que a Rússia exigiria para fazer parte de qualquer sistema de segurança comum. O chanceler alemão Olaf Scholz passou muitos anos negociando ao lado de Merkel com Putin. Agora ele diz que não consegue imaginar uma parceria com a Rússia de Putin. Provavelmente, seria um erro interpretar isso apenas como uma rejeição a Putin como pessoa, embora a duplicidade deste último, sem dúvida, tenha desempenhado algum papel.
Mais importante, foi uma rejeição das ilusões de grandeza imperial da Rússia. Os autores parecem lamentar o abandono da autonomia estratégica europeia, apesar das hesitações da Alemanha. Mas talvez estejamos diante de uma certa forma de autonomia estratégica. A forma da defesa do documento desvincularia a Europa dos Estados Unidos e buscaria uma forma de segurança europeia que incluísse a Rússia. Essa perspectiva já não era convincente antes da guerra atual e agora é totalmente redundante. O primeiro resultado da guerra foi unir a OTAN em apoio à Ucrânia. Também reforçou a credibilidade de países como a Polônia e os Estados Bálticos, que vinham alertando há anos sobre o perigo representado pela Rússia, e prejudicou em certa medida a autoridade do casal franco-alemão. Os desenvolvimentos mais recentes são bastante intrigantes. Segundo o Instituto Kiel, especialmente se olharmos para compromissos de longo prazo, a ajuda dos EUA à Ucrânia está sendo superada pela Europa. E quem está liderando entre as potências europeias? A Alemanha, seguida pelo Reino Unido. E onde está a França? Lá embaixo, entre os retardatários. Isso é o início de uma espécie de autonomia estratégica europeia? Talvez em certo sentido. Não rompendo com os Estados Unidos, mas se tornando menos dependente deles. E não apaziguando a Rússia, mas confrontando-a. Teremos que ver como as coisas se desenvolvem.

  1. Alternativas à OTAN e a luta pela paz

Isso deixa em aberto a pergunta: existe uma alternativa para a OTAN? E, se sim, o que é? Não há uma resposta simples. Se aceitarmos que não haverá um mundo em paz em um futuro próximo, a Europa deve ser capaz de se defender. Uma aliança de defesa europeia é concebível, mas não tão simples. Ela levanta uma série de problemas para a esquerda, que só podemos abordar brevemente aqui: serviço militar obrigatório ou não, direitos dos soldados, orçamentos militares… A questão fundamental é: que tipo de exército para defender que tipo de sociedade?
A última parte do documento é a que coloca as questões mais fundamentais. O problema não é a questão de um sistema de segurança coletiva, ou mesmo de paz, que são objetivos totalmente desejáveis. O problema é como chegar lá. Lenin e Luxemburgo tinham uma resposta: era impossível pôr fim ao militarismo e à guerra sem pôr fim ao capitalismo. Não há absolutamente nenhuma dúvida de que foi isso que eles argumentaram, poderíamos encher páginas com suas citações. O que mudou desde então foi que durante a Primeira Guerra Mundial e em seu rescaldo, a revolução socialista e o fim do capitalismo pareciam possibilidades reais. Isso está longe de ser o caso hoje.
O que não mudou é que ainda é ilusório pensar que podemos pôr fim às guerras e ao militarismo e encontrar um sistema de segurança coletiva sem confrontar o imperialismo e o capitalismo. Na verdade, a luta contra a guerra, pelo desarmamento, por um sistema de segurança coletiva deve fazer parte de um programa de transformação social, um programa socialista. Seria um eufemismo dizer que as perspectivas de transformação social na Europa raramente pareceram tão distantes. É ainda mais necessário virar a página em relação a noções vagas de uma Europa social, democrática, ecológica, etc., e nos organizarmos em torno de programas que desafiem o capitalismo. A luta contra o militarismo e a guerra deve fazer parte disso.
Adotar demandas de paz e segurança coletiva isoladamente só pode resultar em apelos às potências existentes. Eis o que Rosa Luxemburgo tinha a dizer sobre o assunto, ao explicar a necessidade de uma política independente da classe trabalhadora durante a Primeira Guerra Mundial: “Mas esta política não pode consistir em elaborar engenhosas maquetes para a diplomacia capitalista … sobre como concluir a paz e assegurar um desenvolvimento futuro pacífico e democrático”. Após desenvolver ainda mais seus argumentos, ela conclui com a ironia de que “essas demandas poderiam ser muito mais consistentemente unidas sob o simples slogan ‘abolir a classe capitalista’”. (“Junius Letter”, 1916).
Luxemburgo desenvolve essas ideias com muito mais profundidade, fazendo uma crítica implacável ao pacifismo, em seu artigo de 1911 intitulado “Utopias Pacifistas”. Neste artigo, ela lista a longa lista de guerras ocorridas nos 15 anos anteriores e pergunta: “Onde está a tendência à paz, ao desarmamento e à solução arbitrária de diferenças?”
Mais próximo de nossos dias, poderíamos fazer o mesmo – em duas etapas – sem entrar em todos os detalhes aqui. Primeiro, de 1945 a 1989-91, guerras coloniais, especialmente na África, Coreia, Vietnã e Afeganistão. A partir de 1991, Iraque, Afeganistão, mas também as guerras dos Balcãs, Chechênia, Geórgia, Ucrânia, Síria e Iêmen. De 1945 a 1991, no que diz respeito à Europa, a guerra era um produto de exportação. Desde 1991, a guerra voltou para a Europa. Sem deixar de ser igualmente arraigada em outros lugares. Nenhuma dessas guerras se enquadra na categoria de guerras inter-imperialistas. Elas eram quase todas guerras conduzidas por estados imperialistas e colonialistas para manter ou ganhar territórios e influência.
As guerras são expressões armadas de conflitos entre países – políticos, econômicos e geopolíticos. Elas são a expressão de contradições que, em certos momentos, eclodem em guerra aberta. De 1945 até a década de 1970, houve um grande movimento de povos coloniais em busca da independência dos impérios coloniais europeus. Esse movimento encerrou esses impérios europeus, principalmente os britânicos e franceses, com lutas emblemáticas no Sudeste Asiático, Argélia, colônias portuguesas, etc. A queda do apartheid na África do Sul também fez parte desse movimento. De uma forma ou de outra, houve amplo apoio e simpatia da esquerda na Europa e em outros lugares. Também houve apoio da União Soviética e da China. Após 1991, quando as guerras no Iraque e no Afeganistão foram lançadas pelo imperialismo dos EUA, a esquerda não teve problemas em se opor a elas.
A partir de 1991, quando a guerra chegou à Europa, as coisas se tornaram mais complicadas. Algumas pessoas na esquerda tentaram encaixar as guerras pós-Iugoslávia em uma análise em que o colapso da Iugoslávia se devia aos planos do imperialismo ocidental. Foi difícil fazer isso na Chechênia, mas houve muito pouca solidariedade internacional com a Chechênia. Foi o primeiro sinal de que, quando a Rússia estava fazendo isso, não era a mesma coisa que se o imperialismo ocidental estivesse fazendo isso. Isso continuou em uma escala maior com a Geórgia, a Síria e, especialmente, a Ucrânia.
O que nunca foi útil, seja nas guerras coloniais ou na Europa, foi pedir cessar-fogo, negociações e paz. O que nunca foi útil foram “planos engenhosos”. O que foi útil foi ajudar esses movimentos, politica e materialmente, e popularizar suas lutas. Esse esforço ajudou a alcançar a única paz aceitável possível: aquela que garante a derrota abrangente do agressor e a capacidade de sua vítima de viver livre da ameaça de um novo ataque. Esse deve ser o objetivo da esquerda europeia em relação à Ucrânia.
Eu anexei dois documentos. O primeiro, a posição adotada pelo Congresso Sindical Britânico sobre a Ucrânia. O segundo, o discurso de um representante da Resistência Feminista Anti-Guerra da Rússia ao receber o Prêmio da Paz de Aachen. O que une esses dois textos, originados de circunstâncias muito diferentes, é um conceito e uma palavra que estão ausentes no documento que examinamos: solidariedade.
Bierbaum e Brie, no documento, expressam a visão de que as próximas eleições europeias serão uma excelente oportunidade para liderar uma campanha de acordo com a lógica e as propostas apresentadas no documento. No entanto, os autores não podem realmente acreditar que isso pode unir as forças mais amplas da esquerda. Podemos facilmente identificar quem pode ser atraído por suas propostas. Também podemos ver quem se recusaria a participar de uma campanha que se nega completamente a ajudar a Ucrânia.

Anexo 1: Congresso do TUC — Uma vitória para a solidariedade com a Ucrânia, uma vitória para a verdade
Campanha de Solidariedade com a Ucrânia

14 de setembro de 2023

Em 12 de setembro, o Congresso dos Sindicatos, que reúne sindicatos representando mais de 5,5 milhões de trabalhadores, membros de 48 sindicatos, adotou por uma maioria avassaladora uma política de Solidariedade com a Ucrânia.

Esta votação foi obtida em desafio a uma campanha incansável de desinformação por parte daqueles que buscam minar o apoio à Ucrânia. Uma ampla coalizão de solidariedade tornou essa vitória possível; a Campanha de Solidariedade com a Ucrânia estende sua gratidão aos sindicatos ucranianos, social-democratas e socialistas democráticos que nos ajudaram, apesar de seus próprios desafios. Os sindicatos GMB, ASLEF e NUM desempenharam um papel central na construção do apoio, assim como nossos amigos do Parliamentary Labour Party.

A política completa adotada está reproduzida abaixo; esta é uma conquista histórica e agora é crucial que façamos um esforço redobrado para aumentar a solidariedade direta a partir do movimento.

Solidariedade com a Ucrânia

O Congresso condena de forma inequívoca a invasão ilegal e agressiva da Rússia na Ucrânia.

O Congresso observa:

  1. A repressão sistemática dos sindicatos livres sob Putin e Lukashenko, e sua supressão nos territórios ocupados da Ucrânia desde 2014.
  2. Apelos dos sindicatos ucranianos por ajuda moral e material, incluindo os meios de autodefesa da Ucrânia.
  3. Que aqueles que mais sofrem em tempos de guerra são a classe trabalhadora, e que o movimento sindical deve fazer todo o possível para prevenir conflitos; no entanto, nem sempre isso é possível.
  4. A orgulhosa história do TUC de solidariedade com as vítimas da agressão fascista e imperialista, incluindo seu apoio ao envio de armas para a República Espanhola. Como sindicalistas, somos inerentemente anti-imperialistas, e nosso trabalho é combater o imperialismo e a tirania em todas as oportunidades. Reconhecemos que uma vitória de Putin na Ucrânia será um sucesso para a política autoritária reacionária em todo o mundo.
  5. O horrendo custo humano e ambiental do conflito na Ucrânia. Milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas e fugir, enquanto muitas outras perderam a vida.
  6. O programa russo de limpeza étnica.
  7. Que os sindicatos em toda a Ucrânia demonstraram verdadeira solidariedade e apoio ao oferecer abrigo e alimentos aos refugiados. A ASLEF trabalhou em estreita colaboração com os sindicatos ferroviários ucranianos e testemunhou o trabalho tremendo que eles fizeram para apoiar os trabalhadores nestes tempos de conflito.

O Congresso afirma:

  1.  Seu apoio aos direitos civis e trabalhistas na Rússia e Belarus e a imediata libertação dos prisioneiros sindicais.
  2.  Sua crença de que não pode haver paz justa ou duradoura enquanto o estado russo continue a negar a soberania ucraniana.
  3.  Sua solidariedade com o povo ucraniano, incluindo os refugiados cujo santuário foi adiado ou negado pelo governo do Reino Unido.
  4.  Que a reconstrução da Ucrânia deve ter os valores do trabalho e sindicais no centro.

O Congresso apoia:

i. A retirada imediata das forças russas de todos os territórios ucranianos ocupados desde 2014.

ii. Os apelos dos sindicatos ucranianos por ajuda financeira e prática do Reino Unido para a Ucrânia.

III. Um fim pacífico ao conflito que garanta a integridade territorial da Ucrânia e o apoio e autodeterminação do povo ucraniano.

iv. A plena restauração dos direitos trabalhistas na Ucrânia e um programa de reconstrução socialmente justo que promova a negociação coletiva e rejeite a desregulamentação e a privatização.

v. O trabalho do TUC e a facilitação do envolvimento dos afiliados com os principais centros sindicais ucranianos (FPU/KVPU) e reconhece a Campanha de Solidariedade com a Ucrânia.

Portanto, o Congresso instrui o Conselho Geral a:

  1. Enviar solidariedade a todos os sindicalistas ucranianos que lutam pelos direitos dos trabalhadores e contra o imperialismo todos os dias.
  2. Envolver-se com sindicatos ucranianos de ambos os centros sindicais e uma ampla gama de ideias e membros sindicais.
  3. Apoiar o povo ucraniano no Reino Unido e ajudá-los da maneira de toda forma possível até que possam retornar com segurança para casa..

Apresentador: GMB
Segundo: ASLEF
Apoiador: NUM

Anexo 2: Texto do discurso da Resistência Feminista Anti-Guerra para o Prêmio da Paz de Aachen

1 de setembro de 2023

Agradecemos ao Comitê do Prêmio da Paz de Aachen pelo prêmio e pela inestimável demonstração de apoio e solidariedade às nossas ativistas. Temos a honra de receber este prêmio juntamente com o Human Rights Defenders Fund (Israel), que luta pelos direitos de mulheres ativistas constantemente ameaçadas por seu governo.
Não estamos mostrando nossos rostos hoje, pois estar aqui não é apenas uma honra, mas também um grande privilégio e responsabilidade. A maioria de nossas colegas mulheres está na Rússia e não pode revelar seus rostos e nomes sem correr o risco de serem presas ou torturadas pelas forças de segurança russas.
Recebemos este prêmio enquanto uma guerra está em andamento e nosso estado bombardeia a Ucrânia todos os dias, enquanto o exército ucraniano e civis resistem heroicamente a essa agressão não provocada.
Recebemos este prêmio enquanto nossas colegas mulheres continuam sua luta na Rússia – nosso movimento existe por causa de sua coragem e resistência ao regime russo.
A Resistência Feminista Anti-Guerra surgiu em 25 de fevereiro de 2022 como resposta à invasão em larga escala da Rússia na Ucrânia. Hoje somos dezenas de células e grupos autônomos na Rússia e no exterior. Incluímos ativistas originários, pessoas LGBTQ+, pessoas com deficiências, pessoas com experiência em migração e refugiados, pessoas que experimentaram diversas formas de violência e discriminação. Estamos construindo redes de apoio mútuo com outros movimentos anti-guerra e grupos de ativistas para unir e politizar mais pessoas que estão dispostas a construir juntas uma base para uma Rússia futura, livre de ditadura, repressão, militarismo, imperialismo e violência.
A guerra é uma continuação da violência patriarcal, uma de suas manifestações extremas, que sempre parasita os vulneráveis e desprotegidos.
A guerra significa milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas, milhares de ucranianos feridos, mortos e torturados pelo exército russo. Ucranianos forçadamente deslocados para a Rússia vivem em condições desumanas, sem apoio de ninguém, exceto seus parentes e voluntários, e estão sob constante pressão do estado russo. Milhares de civis ucranianos estão sendo mantidos como reféns pelo exército russo, e nada se sabe sobre o destino deles. Milhares de crianças ucranianas foram sequestradas pela Rússia.
Frequentemente repetimos: “A guerra começa em casa”. A violência doméstica, a violência contra mulheres, crianças e idosos é uma violência que tem sido incentivada e alimentada pelo Estado russo há anos. Há muito tempo que saiu de nossas casas e ultrapassou as fronteiras do estado. Toda violência está interligada – e toda violência deve cessar. A guerra começa em casa e deve terminar em casa, pois se alimenta da violência dentro de nossa sociedade. É por isso que o feminismo é uma parte inseparável da resistência à guerra.
Na Rússia, as mulheres já enfrentam a violência de soldados que retornam da guerra. Muitos prisioneiros que cumpriram pena de prisão por crimes brutais foram mobilizados, já retornaram da guerra e estão livres, tendo recebido perdões e medalhas por todos os seus crimes de guerra. A Rússia está adotando cada vez mais leis discriminatórias que violam os direitos humanos, em particular, leis que tornam a vida insuportável para pessoas LGBTQ+ na Rússia. Uma nova lei proíbe procedimentos afirmativos de gênero e a alteração do marcador de gênero em documentos. Milhares de pessoas originárias ainda vivem sob ocupação russa, e aqueles que tentam lutar por seus direitos enfrentam repressão sistemática.
A paz não se limita a um cessar-fogo. Queremos a paz não apenas sem violência militar evidente, mas também sem violência estrutural. Essa paz também exige a plena inclusão de representantes de grupos vulneráveis em qualquer processo de pré-negociação e de construção da paz. Essa paz exige luta ativa e não pode ser enganada por um simples cessar-fogo.
Nós nos chamamos de Resistência Feminista Anti-Guerra, mas estamos bem cientes de que ser “anti-guerra” não se trata de pacifismo privilegiado, mas de reconhecer o direito da parte afetada à autodefesa. As mulheres ucranianas não podem dizer “não à guerra” para uma guerra que já chegou às suas casas. Elas não podem dizer “isso não é nossa guerra”. São forçadas a defender e proteger suas casas e entes queridos – muitas vezes com o custo de suas vidas.
Queremos ser entendidas corretamente: “anti-guerra” em nosso caso não é a espera ociosa por uma paz abstrata chegar quando um lado fica sem recursos. “Anti-guerra” é uma resistência diária ao agressor e suas ambições militares e imperiais. Resistência que inclui milhares de mulheres, pessoas LGBTQ+, ativistas e feministas. E esta honra pertence a elas.
Enquanto Putin e este regime existirem na Rússia, não haverá paz. Enquanto pessoas e territórios estiverem sob ocupação, não haverá paz. A paz não pode ser considerada paz quando prisioneiros políticos estão na cadeia e ativistas que fugiram do país não podem voltar para casa em segurança. Essa “paz” não leva em conta os direitos de um grande número de pessoas vulneráveis.
Queremos a paz, mas queremos uma paz justa, sem territórios ocupados, sem escravidão e tortura, sem prisões e exploração, sem ditaduras, sem violência silenciada de qualquer forma.
Queremos dedicar este prêmio às mulheres russas e às pessoas LGBTQ+ que foram processadas criminalmente por suas ações, identidade e visões anti-guerra, que estão detidas em centros de prisão preventiva e prisões. Ativistas que passaram por buscas e torturas, enfrentaram violência por agitação anti-guerra e por ajudar os ucranianos. Essas não são apenas ativistas de nosso movimento, são também milhares de histórias de resistência ao fascismo russo, histórias de estudantes e idosos igualmente.
Dedicamos este prêmio a Maria Ponomarenko, Sasha Skochilenko, Natalia Filonova, Tatiana Savinkina, Marina Novikova, Victoria Petrova, Masha Moskalyova e a todos aqueles que hoje não podemos nomear por questões de segurança.
Doaremos o valor em dinheiro deste prêmio a uma organização feminista ucraniana e a uma iniciativa russa que ajuda prisioneiros políticos. Expressamos nosso apoio e solidariedade aos ucranianos em sua luta pela liberdade. Obrigada.


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Pedro Micussi