Sem limites em Gaza
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Sem limites em Gaza

O “Massacre da Farinha” entra para triste história dos massacres de guerra como a cena da menina sob o ataque de napalm em My Lai, no Vietnã

Israel Dutra 5 mar 2024, 10:06

Foto: Kobi Gideon/Fotos Públicas

O genocídio em curso na Palestina observa um padrão assustador. A cada semana são superados os limites da agressão, da morte e das condições bárbaras. Em última instância, vão se abandonando limites éticos, legais e jurídicos, mesmo considerando o direito militar internacional.

Depois de destruir a infraestrutura de Gaza, o exército sionista organizou o cerco à Rafah, e nessa semana, abriu fogo contra centenas de pessoas que esperavam na fila para receber suprimentos alimentares. O ato covarde fuzilou de forma sumária 112 pessoas. O “Massacre da Farinha” entra para triste história dos massacres de guerra como a cena da menina sob o ataque de napalm em My Lai, no Vietnã.

A destruição e morte de hospitais, o assassinato de jornalistas, artistas, além da morte de 30 mil palestinos, sendo em sua maioria mulheres e crianças, são passos para além de qualquer limite.

A recente nota do Itamaraty registra “que o governo de Benjamin Netanyahu à frente de Israel não tem qualquer limite ético ou legal” e ignora “regras básicas do direito humanitário”.

O genocídio está sendo transmitido ao vivo – pelas redes e meios de comunicação – sendo acompanhado por bilhões de pessoas, numa escala sem precedentes para a humanidade. Os outros genocídios cometidos ao longo da história não tiveram essa cobertura, em que pese parte da mídia liberal tente impor uma narrativa falsa acerca da natureza da presente agressão à Gaza.

O aviador Aaron Bushnel, com apenas 25 anos, membro ativo da Força Aérea dos Estados Unidos, se imolou, num suicídio em protesto contra o genocídio. Suas últimas palavras foram “Palestina livre”.

Não existem mais limites em Gaza. É preciso denunciar a banalização do mal, o genocídio e a desumanização promovida por Israel.

A hipocrisia da burguesia ocidental

Netanyahu só pode ir à fundo no projeto de morte e limpeza étnica pelo apoio que conta dos governos burgueses do ocidente. Podemos definir com a seguinte medida: os Estados Unidos, junto com Reino Unido, são o principal sustentáculo da ação israelense; contam com a cumplicidade da maioria dos grandes países, especialmente a União Europeia, Japão e Austrália e a omissão de grande parte da mesma mídia ocidental.

É evidente que existe uma divisão internacional da burguesia, entre setores liberais e conservadores radicalizados. O nível de tensão das eleições estadunidenses é o ponto máximo dessa contradição – onde se opõe um trumpismo com traços neofascistas e o Partido Democrata de Biden em defesa do establishment democrático. Tal contradição já domina uma série de países, sobretudo no terreno eleitoral e chega com força na Europa. São projetos distintos, inclusive com visões de mundo opostas. A atual extrema direita busca impor mudanças de regime, disputando uma nova forma jurídica-política, mais repressiva e atrasada ideologicamente.

Contudo, quando se trata do ataque à Palestina, ambas as frações se unem em prol da defesa incondicional do estado de Israel. E essa é uma “frente eclética” que sustenta, na ONU, na opinião pública e nos espaços de articulação geopolítica, o presente genocídio. Isso deve ser dito, sem meias palavras.

O que não impede de apontar, que ambas frações recebem e respondem à crescente luta de massas a favor da Palestina. Biden e Blinken querem uma negociação mais mediada, enquanto Trump segue à risca o plano da direita do governo Netanyahu de uma Nova Nakba, agora e já. Kamala Harris, por exemplo, acaba de qualificar como “catástrofe humanitária” o que passa em Gaza, cobrando por um entendimento entre Israel e Hamas, nas negociações do Cairo, onde a diplomacia israelense acaba de anunciar que não participará.

A cumplicidade dos países da União Europeia com o genocídio posto em marcha por Netanyahu se choca com a realidade. Na França, onde em outubro as manifestações em defesa do povo palestino foram criminalizadas, Macron pediu, cinicamente, por “verdade, justiça e respeito ao direito internacional” após o atentado contra os civis que buscavam ajuda humanitária. Os aliados de primeira hora do sionismo estão buscando uma saída mediada, também porque consideram a hipótese da solidariedade internacional e da resistência alcançarem maior escala. Na imprensa, a tentativa de impor uma simetria enfraquece porque perde aderência na sociedade, como revela a pesquisa Quaest: de outubro até aqui, a aprovação de brasileiros as ações do Estado de Israel caiu 13 pontos percentuais, enquanto os que se opõem cresceram 14 pontos – chegando aos 41%.

Um planeta de solidariedade e resistência

As manifestações provocam uma mudança geral na situação política. Com todas as dificuldades, elas têm permanecido desde outubro e indicam que existe um amplo apoio à causa palestina, inclusive nos países onde a burguesia tem cerrado fileiras com o sionismo.

Em muitos países europeus são dezenas de milhares, nas maiores manifestações do século XXI – comparáveis às que tiveram lugar na luta contra a invasão do Iraque.

Os maiores exemplos são Estados Unidos e Inglaterra. Há um mal-estar entre os democratas, às vésperas da eleição americana, com Biden sendo indagado em todos seus comícios e eventos públicos, sobre a postura de sustentação do genocídio. Lideranças sindicais se colocaram a favor do cessar-fogo; o mais proeminente dirigente sindical da atualidade, Shaw Fain (UAW) tem se postulado publicamente a favor da Palestina. Como escreveu escreveu Neal Meyer, dirigente do DSA, como tarefas centrais:

“Defender a esquerda pró-Palestina no Congresso. Os parlamentares do The Squad (nome informal pelo qual tem sido chamado os seguintes 8 parlamentares: Rashida Tlaib of Michigan; Cori Bush of Missouri; Alexandria Ocasio-Cortez and Jamaal Bowman of New York; Ilhan Omar of Minnesota; Ayanna Pressley of Massachusetts; Greg Casar of Texas and Summer Lee of Pennsylvania.) têm sido os maiores defensores da Palestina na política nacional e é importante cerrar fileiras com eles durante este momento.”

No Reino Unido, palco das maiores manifestações contra a agressão à Gaza – chegamos a ter marchas com 600 mil pessoas em Londres – há uma onda de contestação dos dois partidos, conservadores e trabalhistas. Na eleição suplementar de Rochdale, distrito emblemático, as candidaturas oficiais foram derrotadas pelo veterano militante de esquerda George Galloway por conta de seu apoio à Palestina.

Há um campo inteiro “objetivo” constituído, que passa por ações dos sindicatos, intelectuais, parlamentares e artistas. Isso terá desdobramentos imediatos e históricos. Um antes e depois do genocídio.

Pare, Netanyahu genocida!

É preciso redobrar todo e qualquer esforço para parar o genocídio. Chamar pelo nome, mobilizar e ganhar a opinião pública a respeito. Não estamos falando apenas de Gaza. Estamos falando de um redesenho das relações diplomáticas, da agenda militar e da geopolítica.

Mais que isso: a naturalização do supremacismo de Netanyahu disputa uma nova compreensão da condição humana como pautaram Hannah Arendt, Primo Levi e mais recentemente Enzo Traverso.

Cabe perguntar aos países, instituições e personalidades que sustentam Israel – seja de forma mais explícita, seja na forma da teoria dos “dois demônios” – se vão seguir repetindo a banalização do mal, com apoio, cumplicidade e/ou omissão.

A bandeira mais importante é defender o imediato cessar-fogo, o direito ao retorno, a libertação dos prisioneiros palestinos e a defesa da autodeterminação palestina em Gaza e na Cisjordânia. Parar Netanyahu, imediatamente, a tarefa mais importante da humanidade.


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