Sobre o resultado eleitoral do primeiro turno
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Sobre o resultado eleitoral do primeiro turno

Um balanço do primeiro turno das recentes eleições municipais brasileiras

Secretariado Nacional do MES 11 out 2024, 12:35

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Após uma intensa atividade de agitação, com muita organização, disciplina, suor e política, concluímos a primeira etapa do processo eleitoral de 2024. Para balizar a situação política mais geral e nossos objetivos para o pleito, destacamos alguns traços gerais refletidos no primeiro turno. Vale registar, como é comum no modelo eleitoral brasileiro, que as tendências presentes só se consolidam no segundo turno, ainda que já se apresentem, sobretudo na relação política de forças, nas disputas dos principais centros e nas eleições proporcionais.

Uma tendência continuísta

Foi o maior número de reeleições de prefeitos em 16 anos, sendo dez reeleitos em primeiro turno nas capitais e com votações folgadas, como nos casos de João Campos (Recife, 78%), Paes (RJ, 60,4%), JHC (Maceió, 83%), Furlan (Macapá, 85%) e Bruno Reis (Salvador 78,6%). Também foram reeleitos: Topázio (Florianópolis), Tião Bocalom (Rio Branco), Pazolini (Vitória), Braide (São Luís) e Arthur Henrique (Boa Vista). Em Sorocaba e São Gonçalo, duas grandes cidades, os atuais prefeitos, Manga e Capitão Nelson, venceram com 74 e 84%, respectivamente. Em Porto Alegre, Melo quase venceu no primeiro turno e, em São Paulo, Nunes resistiu à Marçal pela força de sua máquina eleitoral.

Este continuísmo teve grande influência também das milionárias emendas parlamentares e quase todos prefeitos que receberam recursos diretos de emendas parlamentares foram reeleitos. O regime político brasileiro deu um salto na cristalização de uma casta clientelista que controla territórios através dos enormes fundos eleitorais e das emendas parlamentares, dando um poder gigantesco ao Congresso que explica a vitória do Centrão. Essa combinação leva o Brasil a uma espécie de parlamentarismo que cristaliza ainda mais esta casta completamente corrupta e desconectada dos anseios do povo.

O Centrão se fortalece

O resultado do primeiro turno fortaleceu o condomínio político denominado Centrão, com suas heterogeneidades e diferenças regionais, e isso é importante para medir a correlação de forças inclusive com a extrema direita e o bolsonarismo. Por óbvio, dentro do seu fisiologismo característico, o Centrão tem tendências programáticas à direita.

Dentro deste campo, o PSD de Gilberto Kassab e Eduardo Paes teve as vitórias mais expressivas. Kassab teve grandes vitórias em São Paulo, vencendo em 195 das cidades que disputou e nacionalmente ganhando 874 prefeituras, um acréscimo de mais de 30%. Paes foi o grande vitorioso ao vencer no Rio de Janeiro no primeiro turno e se referir a Lula em seu espectro político. A disputa em Belo Horizonte será importante, pois Fuad (PSD) logrou derrotar Tramonte e vai ao segundo turno contra Engler (PL).

Outro campo político vitorioso na eleição foi o do prefeito de Recife, João Campos, saindo como referência nacional após a vitória acachapante de sua reeleição, dando ares para o PSB e apontando um futuro por fora do PT e de alguma forma diferenciado do Centrão. A votação de Tabata Amaral em São Paulo (ao redor de 10%) auxilia essa força. De qualquer forma, é preciso mensurar como o bolsonarista PL irá ao no segundo turno para graduar todos estes elementos.

Empate triplo em SP

A disputa central aconteceu na prefeitura de São Paulo, onde se localizaram as principais contradições, com o fenômeno do coach Pablo Marçal despontando a partir do começo do processo eleitoral. Numa eleição inédita, uma diferença muito pequena separou os três principais competidores (o atual prefeitura Ricardo Nunes, Guilherme Boulos do PSOL e Marçal) apontando a crise como elemento central. Marçal roubou e disputou votos da extrema direita com Nunes, que foi ao segundo turno utilizando a máquina da prefeitura e até o momento está à frente de Boulos. A disputa em curso na cidade será dura e uma campanha com um programa claro de mudanças pode ser o diferencial para reverter o cenário a favor do PSOL.

Ao lado do governador Tarcísio, seu recado na noite da apuração foi que “São Paulo não quer extremismos”, o que é sintomático. A divisão da direita foi determinante no cenário eleitoral porque Marçal não era um plano do bolsonarismo, que preferiu aliar-se a Nunes por conveniência e para seguir ganhando força institucional para sobreviver politicamente (ou seja, “anistiar” Bolsonaro), além de impedir o surgimento de uma nova liderança em seu campo. Tarcísio foi parte desse plano, por outra via, querendo demonstrar força própria para posicionar-se com uma direita pós-tucana, bastante à direita do PSDB e flertando com o bolsonarismo, mas mantendo raia e critérios próprios, como indica a relação com Kassab.

Extrema direita aquém do esperado

O deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) falou no começo do pleito que seus aliados elegeriam milhares de prefeitos e vereadores, em uma preparação para vencer as eleições presidenciais de 2026.

Bolsonaro colocou como meta do PL vencer entre 1000 e 1500 prefeituras. Os resultados preliminares indicam que ficou com 510, ou seja, metade da meta mínima. A extrema direita cresceu, ganhou musculatura elegendo figuras reacionárias e entrando com mais força nas câmaras, muitas vezes com pastores e figuras ligadas às forças de repressão (delegados, policiais, etc), mas ficou aquém de sua aposta. Vai ao segundo turno em capitais importantes, como Belém e BH, mas em geral aposta na relação com aliados que agora estão bastante próximos (como Melo e Nunes), mas que não são bolsonaristas diretos. Ou seja, Bolsonaro colhe suas vitórias como a eleição de seu filho Carlos (vereador mais votado no Rio de Janeiro), mas amarga a vitória de Paes no primeiro turno na mesma cidade. Além disso, sua base social mais fiel foi errática ao redor de Marçal na eleição de São Paulo. Portanto, Bolsonaro não conseguiu sair como vencedor flagrante do primeiro turno.

Uma eleição apática

Dois índices mostram a apatia da eleição. O primeiro foi que o bilionário financiamento público levou a mais presença de cabos eleitorais nas ruas, mas foi incapaz de mobilizar a sociedade para a campanha eleitoral. Não houve grandes comícios e concentrações de rua, seja do campo da esquerda, seja da extrema direita. A marca da eleição não foi uma disputa renhida da opinião pública através da mobilização, de temas programáticos ou de polêmicas políticas. A segunda questão foi a própria abstenção, que caiu em relação ao pico histórico da pandemia, mas foi o segundo mais alto desde a redemocratização com 21, 7%.

Os resultados da esquerda

No dia seguinte às eleições, Valter Pomar e outros quadros do PT afirmaram com todas as letras: o PT saiu derrotado, ainda que esteja em disputas importantes. Não venceu em nenhuma capital, perdeu em Teresina – onde era favorito – e ganhou em duas cidades grandes de Minas Gerais (Juiz de Fora e Contagem, beneficiado pela onda continuísta). Está em importantes segundos turnos como Porto Alegre, Natal, Fortaleza, Cuiabá, Pelotas, Santa Maria, Olinda, entre outras (totalizando 12 disputas). Cresceu em prefeituras, com 246, mas teve um resultado ruim em SP. Perdeu disputas importantes como no ABC, não ganhando em cidades prioritárias como Araraquara, Francisco Morato e Piracicaba, além de arriscar o segundo turno em suas fortalezas de Mauá e Diadema. O PCdoB teve importantes retrocessos, diminuindo pela metade seus vereadores eleitos. Perdeu a capital em SP com Claudio Fonseca, onde jogaram com muito aparato.

O PSOL teve uma eleição complexa. A ida de Boulos ao segundo turno, na disputa mais importante do país, é um fato importante apesar de sua diluição programática. Boulos unifica um setor democrático contra os projetos mais à direita na cidade e o PSOL manteve seis vereadores, mesmo número da bancada eleita em 2020, quando Boulos se lançou contra Tatto e era parte da oposição à Bolsonaro. O maior crescimento do ponto de vista parlamentar foi em Porto Alegre, onde o partido indicou a vice e garantiu que a eleição fosse para o segundo turno. No parlamento, cresceu de 4 para 5 vereadores, de um total de 35 (a câmara teve a redução de 1), sendo que dos 8 mais votados de toda a câmara, 4 são do partido. Cresceu uma cadeira também em Salvador, Aracaju e Belo Horizonte. Elegeu pela primeira vez em Curitiba.

Ao mesmo tempo, o PSOL diminuiu seu número total de vereadores(de 90 para 82) e teve algumas derrotas muito nítidas, como em Belém. Edmilson foi derrotado em primeiro turno, não superando 10% e reduzindo a bancada pela metade. Entretantom a eleição da vereadora Vivi Reis mostrou o espaço para a esquerda anticapitalista na cidade.

Outro recuo do PSOL foi a diminuição da bancada no RJ, caindo de 7 para 4 vereadores. Corretamente, o partido não se localizou na frente com Paes, que venceu com folga, fruto das tendências gerais que já apontamos. Fato interessante foi o desempenho do vereador mais votado, Rick Azevedo, que não era parte do aparelho partidário e levou adiante um importante programa de luta a favor da classe trabalhadora através do movimento Vida Além do Trabalho (VAT).

No âmbito geral, o PSOL está em dois segundos turnos, com Boulos em São Paulo e Yuri, em Petrópolis/RJ. Teve como destaque o crescimento em Porto Alegre (12% na proporcional) além dos bons resultados de Kleber em Salvador e Marquito em Florianópolis, aonde chegaram em segundo lugar, superando a marca dos dois dígitos, em eleições decididas já no primeiro turno. Os resultados da Rede, com 135 vereadores eleitos em diversos perfis por todo país, devem ser analisados com maior precisão

As vitórias do MES/PSOL

Nossa prioridade eleitoral foi garantir nossas posições, concorrendo em quase uma centena de cidades e lançando candidatos em 16 capitais. Ou seja, um número recorde de candidaturas que propagaram nossa política por todo país, materializando nosso crescimento nacional.

Nas grandes cidades, concorremos com Camila Valadão em Vitória (ES) e Josemar Carvalho em São Gonçalo (RJ), marcando a presença do PSOL em eleições duras marcadas pela reeleição da direita.

Tivemos vitórias maiúsculas com a eleição de Luana Alves em São Paulo, com mais de 83 mil votos, Roberto Robaina reeleito com mais de 10 mil votos em Porto Alegre, Vivi Reis voltando à Câmara de Belém com 7 mil votos e acrescentado a capital Curitiba ao mapa eleitoral, com a Professora Ângela fazendo 6300 votos.

Nas três disputas emblemáticas para o partido, o MES/PSOL teve protagonismo:em Porto Alegre, após a grande enchente que atingiu a cidade, o PSOL teve seu maior crescimento; em Belém, cidade central da Amazônia onde a prefeitura do PSOL foi derrotada nenhum dos quatro vereadores atuais se reelegeu, Vivi retomou seu mandato quatro anos após sair para assumir a vaga como deputada federal; e por fim, na batalha central do país, onde Boulos e o PSOL jogaram com toda força,, Luana foi eleita em um campanha consagrada com mais de 83 mil votos (mais que o dobro da última eleição), reconhecida como a “Caçadora de Racista” e unificando outras importantes organizações de esquerda e parte importante do ativismo social esquerda ao redor da campanha,

Além disso, MES/PSOL elegeu parlamentares nas principais cidades e regiões de São Paulo: Mariana Conti, com 15 mil (segunda mais votada em porcentagem do PSOL em todo país), Bruna das Mulheres Por Mais Direitos fizeram 5848 votos em São Caetano, sendo a mais votada do partido em todo ABC, região estratégica pelo peso operário; Raul Marcelo fez uma votação consagradora em Sorocaba, além de reelegermos o combativo Leandro Sartori como mais votado em Itapira.

No Rio Grande do Sul, além de Robaina, tivemos a vitória de Ruas, reelegemos Jurandir Silva em Pelotas e Alice Carvalho como foi eleita a vereadora mais votada de Santa Maria. Apoiamos Gabriel Biologia, independente dentro do PSOL, que foi eleito em Fortaleza com mais de 30 mil votos.

Os resultados indicam uma dinâmica de fortalecimento do MES/PSOL no processo de reorganização da esquerda radical, mesmo nos marcos das dificuldades gerais de uma conjuntura mais inclinada à direita. Com o governo Lula sem tanta capacidade de iniciativa, será fundamental combinar a luta unitária para barrar o bolsonarismo com a apresentação de um programa político radical ao redor de um projeto anticapitalista.

Nossos vereadores eleitos se somam à batalhas que já damos com figuras expressivas, mesmo as que não foram candidatas nessa eleição. As expressões nacionais de Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna (confirmadas por votações como a do Congresso em Foco), assim como o peso figuras com Luciana Genro, Fábio Félix e Mônica Seixas foram essenciais para estas vitórias.

Há espaço à esquerda. Os setores à esquerda por fora do PSOL tiveram resultados ruins, seja pelas cada vez mais draconianas leis eleitorais que retiram os partidos menores dos debates e da TV, seja por erros políticos. Isso amplia nossa responsabilidade, fato confirmado pelos importantes apoios às candidaturas do MES de figuras como Vladimir Safatle, Rosana Pinheiro Machado, Jones Manoel, Henrique Carneiro, Chavoso da USP, entre tantas outras expressões do ativismo e da intelectualidade radical que se aproximaram de nossas candidaturas identificando-as como parte de um polo combativo do marxismo militante e aberto.

Saímos das eleições municipais mais fortes e com mais figuras para expressar publicamente nossas ideias anticapitalistas radicais. Seguimos na luta contra a extrema direita e na defesa intransigente dos interesses da classe trabalhadora e das populações oprimidas. E nos somamos as fileiras de combate do segundo turno onde a esquerda fará está disputa, especialmente em São Paulo com a campanha de Guilherme Boulos e do PSOL, cuja vitória representaria uma grande derrota da direita.


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Pedro Micussi