Por um SUS 100% público, estatal, de qualidade e livre de falcatruas

O recente escândalo envolvendo o (des)governo Jonas Donizette (PSB) e a Organização Social (OS) Vitale, na cidade de Campinas, fez reacender de maneira fervorosa o debate em torno da defesa de um Sistema Único de Saúde 100% Público e Estatal.

Mariana Rossi Avelar 22 dez 2017, 20:10

O recente escândalo envolvendo o (des)governo Jonas Donizette (PSB) e a Organização Social (OS) Vitale, na cidade de Campinas, fez reacender de maneira fervorosa o debate em torno da defesa de um Sistema Único de Saúde 100% Público e Estatal.

Ao final do mês de novembro, começaram a ser noticiados desdobramentos da “Operação Ouro Verde” – nome do hospital administrado pela OS Vitale, conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Foi apreendido R$ 1,2 milhão na casa de Anésio Corat Júnior, servidor da Prefeitura de Campinas, que ocupava a diretoria da Secretária de Saúde, cargo de confiança do prefeito Jonas Donizette. Além disso, estima-se um desvio de 4 milhões só na cidade de Campinas, visto que a OS Vitale vem sendo investigada em outros municípios.

A história do Complexo Hospitalar Edvaldo Orsi, ou Ouro Verde, é bastante simbólica e nos ensina, de maneira dolorosa, a importância da militância pela administração direta – pública e estatal, e contra todos os tipos de terceirização. A instalação do Complexo Hospitalar foi considerada importante marco na assistência à saúde ao considerarmos o acentuado crescimento populacional e a escassez de leitos naquela região. Infelizmente, o que era o projeto de um hospital público de administração direta tornou-se foco de interesse das terceirizações e o Ouro Verde já foi inaugurado sob a administração de uma empresa privada, a SPDM – Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, no ano de 2008, sendo a luta pela municipalização pautada até os dias atuais pelos movimentos sociais e pelo Conselho Municipal de Saúde. No ano de 2011, o mesmo Conselho, após acalorados debates, deliberou via o decreto nº 17.444, o ínicio do processo de municipalização da gestão do hospital. A gestão municipal desrespeitou a decisão, apesar do caráter e seguiu entregando para o interesse privado a gestão do serviço.

Até abril de 2016, a OS contratada era a SPDM e, neste período, o atendimento prestado já vinha sendo alvo de importantes críticas pelos seus usuários, seja pela má qualidade ou pela demora. Após um escândalo envolvendo o desvio de 1,3 milhão de reais, a SPDM perdeu a licitação para a Vitale, e deixou, além da gestão, uma imensa quantidade de trabalhadoras e trabalhadores sem o pagamento de seus direitos (até hoje, diga-se de passagem).

Pouco mais de um ano depois de assumir o convênio, a OS Vitale torna a colocar o hospital em foco. Além dos apontamentos em torno da precariedade no atendimento, que persistiram mesmo com a troca de empresa, confirmou-se o desvio milionário de dinheiro público.

O direito à saúde pública e de qualidade é garantido pela Constituição de 1988. Além de um direito adquirido por meio de muita luta, é uma necessidade básica – notadamente da população pobre. Podemos pensar nas políticas sociais como a saúde e a educação, por exemplo, como uma resposta do Estado à demanda de enfrentamento das relações entre trabalho e capital; e ao mesmo tempo em que são conquistas, também integram um complexo projeto de apaziguamento da classe trabalhadora por parte da elite capitalista. Não é segredo que a precariedade do SUS e das políticas sociais, de maneira geral, respondem a necessidade do capital em manter a força de trabalho (re)produzindo com o mínimo de gasto necessário, ao mesmo tempo em que se justifica, pela própria precariedade, a necessidade em terceirizar os serviços para empresas privadas com vistas a melhorar a qualidade – uma grande balela vendida pelos governos, com intuito de beneficiar seus próprios interesses.

Vale lembrar que a população de Campinas padece, provavelmente, de um dos piores momentos no que diz respeito ao acesso à saúde pública. O Conselho Municipal apontou, recentemente, durante a prestação anual de contas, um decréscimo de 20,75% no investimento em material de consumo se comparado ao ano anterior, apesar da arrecadação ter sido superior a 2016. Isso se reflete diretamente na grave falta de medicamentos, na inexistência de manutenção de equipamentos essenciais para o funcionamento das unidades de saúde e no atraso no pagamento de fornecedores. As filas para acessar atendimentos básicos nunca estiveram tão grandes. As trabalhadoras e trabalhadores dos serviços públicos vem lidando cotidianamente com a falta de estrutura física dos serviços, que literalmente desabaram; com o sofrimento gerado pelas péssimas condições de trabalho e pela impossibilidade em oferecer cuidado aos usuários; além do atraso e congelamento dos salários. Enquanto isso, o (des)governo Jonas segue usando da desculpa da “crise econômica” para se proteger das críticas.

Paralelamente ao sucateamento de todas as políticas sociais, a gestão municipal segue entregando na mão dos empresários o dinheiro público. No ano de 2015, à revelia da gigantesca mobilização popular, a reacionária Câmara de Vereadores de Campinas, braço direito do prefeito Jonas, aprovou um Projeto de Lei Complementar, apresentado pelo próprio Executivo, que afrouxou a legislação em torno das Organizações Sociais, autorizando a administração municipal a contratá-las para diversas áreas por meio de parcerias, digamos, um tanto nebulosas.

Tal conjuntura pode ser compreendida com um grande projeto, já que o desmonte dos serviços de administração direta não acontece por acaso, e é seguido pelo avanço das terceirizações. Vale ressaltar que as terceirizações afetam desde os direitos dos usuários até os dos trabalhadores e trabalhadoras. Como esperar que uma empresa privada, que funciona pela lógica do mercado e obviamente busca lucrar com os contratos firmados, pode oferecer um atendimento de melhor qualidade à população? E os funcionários contratados, trabalhando na lógica capitalista de produção e metas; sofrendo assédio moral de seus patrões; recebendo menores salários; e estando expostos a alta rotatividade pelas demissões, sem dúvidas tem menos condições de oferecer atendimento adequado, além de estarem expostos a uma carga de sofrimento e adoecimento imensamente maior do que os contratados via concurso público.

O SUS é nosso e precisa ser defendido. Nos moldes como foi apresentado em sua elaboração pode ser considerado, por sua complexidade, como um dos mais avançados modelos de saúde pública do mundo. Não é à toa que SUS suscita ferrenhas lutas por parte de quem usa e de quem trabalha nele. Afinal, trata-se de um sistema que, em teoria, garante a promoção da saúde, a prevenção, o tratamento e a reabilitação de maneira universal, equitativa (ou seja, primeiro quem precisa mais) e com qualidade, via uma teia elaborada de serviços, respeitando as singularidades de cada população e as necessidades específicas de cada uma e cada um; além de garantir a participação popular no processo de tomada de decisão, via o controle social – por exemplo, os Conselhos de Saúde.

O desmonte do SUS para atender aos interesses do capital é local, mas é também nacional. Em Campinas, é urgente o endosso da pressão popular pela CPI da Vitale, que precisa ser aprovada pela Câmara de Vereadores para ser instalada. Além disso, só a luta pela municipalização dos serviços terceirizados e pelo investimento nos serviços de administração direta garantirá o acesso universal, equânime e de qualidade, tão caros para o nosso projeto de SUS.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi