O (não tão) fabuloso destino de Carla Zambelli
Deputada bolsonarista tenta driblar condenação no Brasil, mas enfrenta risco real de extradição
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a mais de 10 anos de prisão por participação na invasão criminosa dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) decidiu fugir do país, tentando usar sua cidadania italiana como escudo para escapar das consequências jurídicas. Porém, no meio jurídico, sua extradição já é dada como certa – bem como sua consequente ida à prisão, uma vez que a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a preventiva da fujona ao Supremo, e o ministro Alexandre de Moraes acatou. À pedido, deve entrar na lista da Interpol. Os bens dela também estão bloqueados.
Para escapar de restrições penais, Zambelli traçou um plano de fuga que incluiu saída do Brasil pela Argentina, e uma parada em Miami antes de buscar abrigo na Itália. Não por acaso, duas escalas governadas por governos de extrema direita e que podem ser solidárias à sua causa. Porém, ao escolher a Itália como destino final, a parlamentar pode ter feito um cálculo jurídico fadado ao fracasso.
Diferentemente da Constituição brasileira, que veda a extradição de brasileiros natos, a Constituição italiana não impede a extradição de seus cidadãos, especialmente quando fica comprovado que a nacionalidade predominante é de outro país.
“No caso de Zambelli, é claríssimo: sua vida, atuação profissional, carreira política e laços civis são todos brasileiros”, explica o professor de Direito Internacional Guilherme Amorim Campos da Silva, da Universidade de Coimbra, ao UOL. “Ela nunca residiu na Itália, não estudou lá, não tem vínculo econômico ou social, além da mera formalidade da cidadania.”
Precedentes e risco real de extradição
O caso lembra diretamente o do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, que também tentou se esconder na Itália após condenação no escândalo do Mensalão. A Justiça italiana, em decisão unânime, reconheceu que a nacionalidade brasileira era predominante, autorizando sua extradição em 2015. É o caso de Zambelli que aparece no cadastro de italianos residentes no exterior (AIRE). Esse dado técnico reforça, juridicamente, o argumento para sua extradição.
Além disso, Brasil e Itália mantém desde 1993 um tratado de cooperação jurídica bilateral, que foi decisivo em casos como o de Pizzolato e, antes, no episódio Cesare Battisti – este no sentido inverso, quando o governo Lula recusou-se a extraditar o ex-militante italiano.
O delírio da proteção pela extrema direita internacional
Zambelli parece apostar numa aproximação com figuras da extrema direita europeia, especialmente com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, líder do partido neofascista Fratelli d’Italia. Meloni tem trajetória conhecida pela defesa de pautas ultraconservadoras e de alinhamento com Donald Trump.
Contudo, não há qualquer indicativo concreto de que Meloni se envolveria no desgaste diplomático de proteger uma parlamentar estrangeira condenada por crimes comuns e não políticos. A própria relação da Itália com o Brasil passaria por uma crise, caso o tratado bilateral fosse desrespeitado.
Além disso, a base trumpista nos EUA – onde Zambelli também busca proteção temporária – não demonstra disposição para interferir em processos judiciais que envolvem países soberanos. Nem mesmo a família Bolsonaro, hoje, está disposta a assumir o ônus de defender Zambelli, que é vista nos bastidores como uma das responsáveis pelo desgaste eleitoral do bolsonarismo nas eleições de 2022, após o episódio patético em que perseguiu, armada, um cidadão nas ruas de São Paulo.
Direitistas em fuga
A tentativa de escapar da Justiça brasileira revela, mais uma vez, a hipocrisia estrutural da extrema direita: discursa em defesa da lei e da ordem, mas corre da Justiça quando é finalmente chamada a responder por seus próprios crimes. Organizações de defesa da democracia, como o Instituto Marielle Franco e o Movimento Mulheres Negras Decidem, vêm alertando que o fortalecimento da milícia digital bolsonarista não é só uma questão penal, mas uma ameaça direta ao Estado Democrático de Direito.
“Zambelli representa um projeto que se constroi no ódio, na mentira e na destruição das instituições. A tentativa de fuga é só a extensão da violência que eles praticaram contra o Brasil nos últimos anos”, avalia a advogada e ativista Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB).
O desfecho parece cada vez mais previsível: se o governo brasileiro acionar formalmente a Itália, Zambelli tem altíssimas chances de ser extraditada. A jurisprudência, os tratados bilaterais e o histórico recente jogam contra ela.
Ao fugir, Carla Zambelli deixa claro que não tem qualquer compromisso com a legalidade, tampouco com o mandato que recebeu do povo. Mais uma vez, a extrema direita brasileira mostra que sua verdadeira pátria não é a democracia – é a impunidade.