O início de uma luta prolongada: uma apresentação

A Editora Movimento apresenta obra sobre os 50 anos de Maio de 1968 e os seus viventes desdobramentos na política contemporânea.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 29 maio 2018, 14:21

A Editora Movimento apresenta esta obra sobre os 50 anos do Maio de 1968 com o orgulho de herdar uma tradição. Assim como a Comuna de 1871, a Revolução Russa de 1917 e as lutas contra as ditaduras na América Latina, consideramo-nos parte deste excepcional movimento mundial de luta política, protagonizado por jovens e trabalhadores de várias partes do mundo, como nas famosas barricadas de Paris. Consideramos suas lições e sua potência como atuais.

Boa parte dos leitores da Revista Movimento participaram ativamente das Jornadas de Junho de 2013 em nosso país. Aos cinco anos deste acontecimento, queremos contribuir para o encontro e a síntese de tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas gerações. Assim como Junho de 2013, o ano de 1968 segue vivo. Ainda vivem as cenas das barricadas, a nova estética insurgente, visível nos grafites e cartazes. Como um marco na própria racionalidade, a dúvida dentro da dúvida, a revolução dentro da revolução, a explosão da arte, os jovens lançados às ruas traçaram uma nova linha divisória entre o possível e o impossível. O tempo do mundo anterior ficava pra trás. Um paralelepípedo bem utilizado valia mais do que um microfone, cantavam os “enraivecidos” de Nanterre.

Alguns dos que resgatam a memória do Maio francês fazem-no como um episódio heroico, porém concluído. Uma parte dos próprios protagonistas abandonaram qualquer perspectiva transformadora, cruzando o lado oposto da trincheira. Destes, a face mais conhecida é a do ex-líder estudantil Daniel Cohn-Bendit, que costuma reverenciar Maio simplesmente como algo do passado. Celebra o tempo em que ele e seus pares “amavam tanto a revolução”, deixando para trás os rastros daquela mudança de época. Outra leitura conhecida e atual é a que busca reconhecer apenas os aspectos “comportamentais” do levante juvenil. Seria uma versão de Maio “descafeinado”.

As ruas da mesma Paris negam tais versões. A luta contra o neoliberalismo e seu simulacro de democracia questiona os governos e seus planos por todo lado. Em maio de 2011, assistimos à irrupção dos indignados espanhóis, que se espalhou pelo planeta com ecos em todos os continentes. O atual embate entre o governo de Emmanuel Macron e a classe trabalhadora e a juventude francesas é a demonstração de que os que querem enterrar o ano de 1968 acabam assombrados por um espectro avassalador.

Nas páginas seguintes, como forma de abrir os debates presentes neste volume, destacamos alguns aspectos da grandeza desta ação coletiva, um dos grandes momentos da história recente da humanidade, ao mesmo tempo em que descrevemos os artigos e autores que nos honram com suas contribuições nesta publicação.

Um acontecimento histórico maior

O ano de 1968 foi um grande encontro de lutas convergentes no mundo. Recordar as barricadas das primeiras semanas de Maio em Paris é recordar os acontecimentos que sacudiram o mundo naquele longo ano. Foi um período revolucionário em escala internacional. A solidariedade dos jovens do mundo com a luta anti-imperialista do Vietnã, na ofensiva do Tet em janeiro de 1968, objeto do artigo de Pierre Rousset, dirigente da IV Internacional, que resgatamos para esta publicação; a primavera política antiburocrática que lutou nas ruas de Praga, sobre a qual assina contribuição Catherine Samary, outra dirigente trotskista francesa que viveu 68; a perspectiva de uma radicalização na chamada revolução cultural chinesa; a entrada em cena da juventude paquistanesa; a luta e resistência mexicana, quando da realização da Olímpiada neste país e a brutal repressão do regime; o ápice do movimento antimilitarista nos Estados Unidos, abordado, entre outros temas das lutas estadunidenses de 68, por Max Elbaum.

A paisagem tranquila da Europa pós-guerra parecia levar a um mundo ordenado, de crescimento econômico, oportunidades ascendentes e modernização universal. Os 20 anos posteriores ao final da II Guerra tiveram no âmbito político um pacto de estabilidade, coexistindo pacificamente os poderes da URSS, Estados Unidos e Europa. A ameaça do “socialismo real” era afastada como hipótese, com o planeta sendo repartido pelas diferentes frações do imperialismo.

O avanço das tecnologias era a outra face desse novo mundo em gestação. O impulso do capitalismo gerou novas condições. A televisão e a utilização de novos eletrônicos começava uma nova era nos hábitos sociais. A mobilidade social levou milhões, que até então tinham uma escolaridade reduzida, para as portas das universidades. Um “boom” que reconfigurou o consumo, as expectativas e a vida de milhões.

O papel que a França cumpriu na guerra colonial contra a libertação da Argélia dividiu águas. Para toda a vanguarda estudantil e da esquerda nos 60, o mito da democracia erguida com a luta da resistência francesa contra o nazismo caiu por terra. A solidariedade à revolução anticolonial na Argélia forjou a radicalidade nas camadas avançadas da juventude francesa e plantou sementes que se multiplicariam na campanha mundial contra a guerra no Vietnã. Desde janeiro de 68, com a ofensiva do Tet, os combates de Saigon eram acompanhados com uma torrente de solidariedade nunca vista. Eram centenas de milhares de jovens no mundo ocidental que tomavam a bandeira da luta do Davi contra o gigante Golias para fazer jus aos guerrilheiros vietnamitas. Estes protestos uniam os campi de universidades como Berkeley a Nanterre e Sorbonne.

No dia 22 de março a história dobraria uma esquina. Nesse dia, encabeçados pelo jovem Daniel Cohn-Bendit, centenas de estudantes ocuparam a universidade de Nanterre em protesto contra a prisão arbitrária de ativistas do comitê de solidariedade ao Vietnã. Batizado de Movimento 22 de Março, os estudantes difundem lutas generalizadas que ganham seu ápice no começo de maio.

Na contramão da imprensa do Partido Comunista, que, no dia 3 de maio, publicava que os jovens eram “falsos revolucionários”, a mobilização ganhou contornos amplos, somando força nos locais onde haviam tido lutas, no período anterior, contra a separação de rapazes e moças nas residências universitárias. O dia 6 de maio acordou com uma imensa manifestação universitária com a faixa de abertura respondendo as calúnias do PC: “Viva a Comuna!”.

A passagem do dia 10 para o 11 de Maio entraria na história com a noite das barricadas. Nas mais famosas fotos do Maio francês, quase que de forma improvisada, o Quartier Latin transformou-se num palco de enfrentamentos quase militares entre os corpos de repressão e as criativas formas de resistência do estudantado. A vitória dos estudantes contra a repressão incendiaria as principais cidades da França, contagiando a classe operária em seus centros. No dia 13, foi convocada a maior greve geral da história do país, com a adesão de mais de 10 milhões de operários dos principais ramos da indústria.

Eram marchas com quase um milhão em Paris, centenas de milhares em Toulose, Bordeaux, Marselha, Nantes, com uma aliança real entre os estudantes e a classe operária. Com um impulso enorme à auto-organização, as comissões fabris decidem manter e estender a greve, transbordando a tradicional direção das maiores centrais sindicais. Os artistas e intelectuais ocuparam teatros, universidades, óperas e museus. A França estava virada do avesso política e economicamente.

De Gaulle abandona a França. Parecia acabado. No entanto, a recomposição acontece com o auxílio das referências de esquerda institucional – Miterrand e o PCF. Apostando suas fichas na via eleitoral, enfraqueceram e desviaram a pujança da greve geral, forte o suficiente para questionar o poder capitalista e avançar para formas de poder dual, encerrando a contradição de até onde o movimento de maio poderia ir. Com a aceitação de um plebiscito, De Gaulle retoma as rédeas do jogo, movendo a chamada maioria silenciosa para emprestar seu apoio, com a promessa da volta à “normalidade”. Apostando suas fichas nas eleições, os partidos da esquerda institucional, apesar dos alertas da esquerda radical, terminam por cair na armadilha de aceitar as “regras do jogo”, sendo derrotados inclusive no terreno eleitoral.

Uma irrupção que contagiou o planeta

O ano de 1968 representou uma revolução por si só. Foi um gesto revolucionário de milhões, com um programa amplo, combativo e diverso. Foi um grande encontro, a partir do ponto comum que cunhou Henri Lefebvre, “A irrupção”.

No artigo que escreve para abrir esta edição, Pedro Fuentes promove uma análise panorâmica das “revoluções de 1968”, que comoveram o mundo. Tomamos emprestadas suas palavras:

“Este período foi a um só tempo: 1) anti-imperialista (a luta no Vietnã e em numerosos países contra o imperialismo norte-americano que na América Latina teve como prelúdio a revolução cubana); 2) anticapitalista (a mobilização detonada pelo movimento estudantil francês culminou numa das greves gerais mais importantes da história europeia, que como toda greve geral questiona o sistema); 3) antiburocrático (não somente pelas mobilizações contra a burocracia na China e na Tchecoslováquia, mas também porque se golpeou o aparato mundial stalinista, consolidado após a II Guerra Mundial graças ao triunfo do povo russo e do Exército Vermelho contra o nazismo)”.

Podemos falar em mobilizações multitudinárias no Paquistão, no México, no Leste europeu, na Alemanha, na Itália, na África do Sul… Aliás, na Alemanha, o atentado contra o líder estudantil Rudi Dutschke comoveu a sociedade.

1968 também foi uma ruptura internacional com os PCs. A traição da greve geral, denunciada pela JCR e por toda “esquerda social” ajudou a derrotar a potência da mobilização. A Primavera de Praga foi uma extraordinária luta da juventude e da classe trabalhadora da Checoslováquia para defender reformas democráticas, com vistas a radicalizar o regime, na fórmula de “socialismo com rosto humano”. Terminou afogada em sangue com a entrada dos tanques soviéticos e a prisão do líder dissidente Alexander Dubcek. A esse respeito, Sartre foi brilhante numa entrevista ao Der Spigel:

“Porque os partidos comunistas do ocidente, e em particular o Partido Comunista Francês, foram adestrados pelo stalinismo para não tomar o poder?

Em Yalta se repartiu o mundo, essa partilha era boa e os soviéticos procuraram ater-se ao acordo ali concertado. Aos comunistas ocidentais recomendou-se ‘não ir longe demais’. Todas as personalidades que, dentro do PC, tentaram aproveitar as vantagens logradas pelos comunistas em sua admirável postura durante a guerra; todos os comunistas que trataram de fazer prevalecer formas mais revolucionárias; todos os comunistas que incitaram os trabalhadores a mostrar-se mais combativos, foram chamados à ordem pelo partido, silenciados ou expulsos. Precisamente porque o objetivo do partido não era fazer a revolução”.

Os reflexos de 1968 foram para além do próprio ano. O levante operário do Cordobazo na Argentina, as greves de massa na Itália e a rebelião LGTB em Stonewall deram continuidade em 1969 ao processo iniciado um ano antes.

Em artigo escrito no calor dos acontecimentos de 68 e aqui publicado em português, “Lições de Maio”, o marxista revolucionário belga e dirigente da IV Internacional Ernest Mandel apontou importantes contribuições para o entendimento das condições sob as quais se deu o fenômeno da irrupção de 1968 e demonstrou o papel nefasto do PCF naquele momento. Acreditamos que esta é uma das obras com maior capacidade de sistematização, do ponto de vista marxista, daquele evento. Contudo, a partir da nossa experiência como corrente histórica, apontamos linhas distintas quanto a dois temas-chave, cujo debate a publicação do artigo de Mandel valoriza: a) o papel da classe trabalhadora, que consideramos central, apesar das enormes experiências da juventude, dos estudantes e dos intelectuais. Mandel e sua corrente à época tiveram um grande desenvolvimento pela JCR, pela campanha de solidariedade ao Vietnã e a relação ousada com movimentos mais amplos como a SDS alemã, as vanguardas libertárias francesas e os setores mais avançados do movimento estudantil estadunidense. Também podemos atribuir um peso correto às tarefas democráticas desde então: a luta das mulheres, LGBTS, em defesa do ambientalismo, pela revolução sexual, antinuclear… Essas lutas e bandeiras não podem ser opostas, senão combinadas com a intervenção histórica independente da classe trabalhadora como polo que organiza o conjunto dos setores explorados e oprimidos; e b) o papel da organização/ partido revolucionário como organizador coletivo, ente histórico que media a consciência imediata com a consciência revolucionária da classe. Diminuir este papel levou ao equívoco do apoio a experiências guerrilheiras aventureiras e ações voluntaristas na América Latina, por exemplo. De qualquer forma, o texto de Mandel é parte da experiência histórica que reivindicamos como marxistas para melhor ilustrar e formar as novas gerações.

Neste volume, há uma entrevista inédita e exclusiva, realizada em Paris pelos dirigentes do PSOL Israel Dutra e João Machado, com o dirigente trotskista Alain Krivine, que reflete sobre o Maio francês e internacional, complementada por artigo recente de intervenção escrito pelo mesmo, em parceria com Alain Cyroulnik, reivindicando a atualidade de 68. Também nos alegra resgatar e publicar em português um capítulo do famoso livro Maio de 68: um ensaio geral, de Daniel Bensaïd e de Henri Weber, com as ricas conclusões de participantes fundamentais deste acontecimento.

Entre as e os autores brasileiros que contribuem neste volume, destacamos o artigo de Luciana Genro, que reflete a mobilização das mulheres e de seus corpos como terrenos de luta inspirada nas revoluções de 1968. Por sua vez, Fernanda Melchionna oferece uma leitura abrangente, que resgata a herança de contestação e rebeldia de 68, para mostrar como a “beleza sempre está nas ruas”.

O Brasil e a América Latina em 1968

A América Latina fez parte de 1968 de diferentes formas. As lutas por reforma agrária no Peru, a insurgência operária na Argentina que desembocaria no Cordobazo, as guerrilhas influenciadas pela Revolução Cubana… O episódio mexicano foi um dos mais conhecidos: o massacre de Tlatelolco – dez dias antes dos Jogos Olímpicos – no México marcou para sempre a história daquele país.

O Brasil foi parte do fenômeno mundial com suas particularidades. Desde 1964 sob a égide da ditadura militar, 68 foi o auge da resistência de massas por meio do Movimento Estudantil. As bandeiras da luta contra a precarização do ensino e a denúncia dos acordos do Brasil com Estados Unidos para orientar o ensino superior (acordos MEC-USAID) abriram o caminho para uma luta mais geral por democracia plena.

O assassinato do estudante paraense Edson Luís, numa manifestação por melhorias no restaurante estudantil Calabouço do Rio de Janeiro, desatou uma onda nacional de protestos. O dia 28 de março de 1968 entraria para a história registrando a morte do mais conhecido mártir do Movimento Estudantil.

O ano seguiu com lutas e enfrentamentos, como a batalha da Rua Maria Antônia em São Paulo, no antigo campus da USP e a radicalização do ato do 1º de maio na Praça da Sé, quando foi incendiado o palanque como forma de protesto contra a ditadura. 1968 foi também marcado pela grande Passeata dos Cem Mil, nas ruas do Rio de Janeiro, além de lutas expressivas em Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Porto Alegre, em uma crescente de protestos. A prisão de centenas de ativistas durante o congresso da UNE em Ibiúna representou a ofensiva dos militares contra o movimento estudantil. O ano teria seu trágico desfecho com a instalação do AI-5 em dezembro, fechando ainda mais o regime e intensificando a política de terror de Estado.

O movimento operário também teve seu papel, despertado pela retomada do protagonismo juvenil no primeiro semestre de 1968. As greves de Contagem (MG) e Osasco (SP) foram ações massivas, dirigidas por organizações de base com combativas comissões de fábrica à frente, cujas lideranças foram reprimidas pela ditadura. A greve da Cobrasma, em Osasco, só pôde ser derrotada porque os militares decretaram a intervenção dentro de todas as fábricas da cidade. A ação operária-estudantil foi duramente reprimida pelo regime ditatorial. Os ensinamentos das greves de 68 serviram de inspiração para o despertar do Novo Sindicalismo, dez anos mais tarde, agora com seu coração no ABC.

A ruptura de setores com o reformismo da direção do PCB, que esteve a reboque da direção janguista nos anos anteriores, foi outra marca do 68 brasileiro. A maioria das entidades combativas do ME brasileiro estava sendo polarizada por organizações à esquerda do PCB, como bem descreve Vladimir Palmeira, na segunda entrevista inédita e exclusiva, conduzida por Roberto Robaina, que temos a alegria de apresentar a nossos leitores neste volume especial.

A perda de legitimidade do PCB, com seu programa de unidade com a burguesia nacional, gerou um novo ciclo de organizações de esquerda, com base, sobretudo, no Movimento Estudantil. A maior parte das dissidências do PCB, entretanto, terminou influenciada pelo guevarismo e suas variantes. Isto explica em parte, após a derrota do AI-5 em dezembro de 1968, por que uma expressiva parcela da vanguarda e do ativismo optou pela luta armada.

Devemos honrar o heroísmo dos jovens de 1968, que lutaram em condições adversas para derrotar a ditadura. E devemos combater sem tréguas as posições que relativizam o caráter assassino e reacionário da ditadura brasileira. A revelação dos documentos que imputam a responsabilidade pela morte de centenas de opositores aos generais que foram presidentes, como Emilio Médici e Ernesto Geisel, é um novo capitulo nessa disputa.

Aos cinquenta anos do 68 brasileiro, as tarefas democráticas – retomada da Comissão da Verdade e da Memória, revogação da Lei da Anistia, punição aos responsáveis e remoção dos entulhos militares que ainda persistem no regime brasileiro – precisam ser impulsionadas pela sociedade. Não podemos esquecer. Para isso, também devemos enfrentar e desmoralizar com força seus herdeiros, como Bolsonaro, que tentam levantar a cabeça.

Depois de Maio, Junho…

Se o espirito de Maio completa 50 anos vivo, nossa irrupção é mais jovem. Estamos celebrando 5 anos do acontecimento que entraria para a história como as “Jornadas de Junho de 2013”. Há cinco anos, a encarniçada luta da juventude contra o aumento da tarifa do transporte público transformava-se num movimento de massas que questionaria os alicerces da “governabilidade”, do modelo econômico e da própria Nova República.

Apesar de notáveis diferenças, podemos encontrar diversas convergências entre os dois momentos – tão distantes na história – de irrupção juvenil e popular. Ambos encontram raízes comuns na ruptura geracional ocorrida tanto no final da década de 60 do século passado como nos primórdios da primeira década do século XXI. O mundo era jovem e estava tornando-se mais jovem nos idos de 1968. Podemos dizer que a situação de irrupção que existiu no ciclo 2011/2013 também teve a forte marca de polarização a partir da ação e identidade juvenil.

Em ambas situações, o paradigma da revolução na esfera das comunicações estava em plena mudança. A televisão era a joia que chegava aos subúrbios dos países avançados e transmitia uma parte da vida em tempo real. A galáxia televisiva era uma teia de novos atores, com novos desenhos, com uma revolução também na linguagem e na própria arte. A revolta árabe, o levante dos indignados e a revolta das Jornadas de Junho, por sua vez, tiveram nas redes sociais sua forma veloz e instantânea.

Foi um movimento sincronizado internacionalmente, ainda que com refrações particulares em cada país. A irrupção da juventude na Primavera Árabe, novamente retomando a tradição da luta dos povos do norte da África – lembremos que a luta pela libertação da Argélia educou toda a geração de líderes do Maio francês – gerou um efeito imediato e mundial. E foi num outro Maio, agora no ano de 2011, que a Europa conheceria a entrada em cena de uma juventude radicalizada, nem tanto “estudantil”, mas com ares de indignação que fazia das praças suas “barricadas”.

No dia 15 de outubro de 2011 foi organizada, por agrupamentos surgidos no 15M espanhol, difundidos pelas redes sociais, uma manifestação de caráter mundial, sob o slogan “Democracia real”, mobilizando quase uma centena de países. O planeta foi tomado pelos indignados.

A rejeição pelo modelo formal de democracia que existiu com força nas ruas de Paris em Maio de 68 também foi o motor das mobilizações que começaram em 2011 no mundo e tiveram sua versão brasileira em Junho de 2013. A reinvindicação de que as ruas seriam mais importantes do que os palácios de governo uniram ambos eventos.

Acreditamos que o levante juvenil com fundo popular de 2013 teve suas raízes na onda mundial de indignação, repercutindo em contradições internas à sociedade brasileira. O Brasil sintonizava-se e, assim, aderia ao que chamamos de rota mundial dos indignados, a partir do enfrentamento duro nas ruas, contra a repressão policial dos diversos governos, ao aumento das tarifas, iniciado com a vitória de abril em Porto Alegre e que ganhou repercussão nacional com a força das marchas multitudinárias de São Paulo, que, reprimidas duramente, ganharam a solidariedade ativa nas ruas de todo o Brasil. Contra a parede, os governos de PT, PMDB e PSDB, os pilares de um regime político que mostrava claramente seu ocaso e apodrecimento. Esta, no entanto, é uma história conhecida por nossos leitores.

Também consideramos Junho de 2013, à sua maneira, como o “início de uma luta prolongada”, como dizia o slogan de 68, pela confiança na força do movimento de massas e da geração que, após Junho, esteve na ocupação de escolas, na Primavera das Mulheres, nas lutas da negritude… Um acontecimento tão potente que a burguesia e a direita nacional, amedrontadas, precisaram anos depois buscar alguma forma de emular aquele acontecimento com seu simulacro conservador de 2015-2016, distorcendo a indignação popular com o ajuste, a crise profunda e a corrupção dos partidos do regime, criando uma base para o golpe parlamentar do impeachment.

A polarização, desde Junho, marca o Brasil. A força da greve geral de 2017, as marchas em memória e na luta por justiça para Marielle Franco, a resistência diária de nosso povo nas periferias de nossas metrópoles e nos rincões brasileiros… Tudo isso nos dá esperança de seguir, inspirados pelo que de melhor já fizemos, com a certeza de que seguiremos nos encontrando com nossa História, como nas ruas de Maio e Junho.

Boa leitura!

Este artigo faz parte do livro 50 anos das revoluções de 1968: O início de uma luta prolongada. Para ler este e demais textos, compre a edição especial de n. 9 da Revista Movimento aqui!


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