Argentina a caminho de uma grande greve geral

A dramática crise de nossos vizinhos só pode ser resolvida com a entrada em cena dos batalhões pesados da classe para quebrar o plano de ajuste.

Israel Dutra 22 jun 2018, 12:45

O acordo do governo Macri com o FMI coloca o país numa situação de maior dependência. A alta de preços é insustentável. A inflação dispara. O movimento operário tem marcado uma importante greve geral para o dia 25 de Junho, próxima segunda-feira. O exemplo vem da enorme vitória do movimento de mulheres, que acaba de conquistar nas ruas a aprovação da Câmara dos Deputados para a lei do aborto- falta ser aprovada no Senado. A dramática crise de nossos vizinhos só pode ser resolvida com a entrada em cena dos batalhões pesados da classe para quebrar o plano de ajuste.

Na manhã de quarta-feira (20/06) era confirmado por Cristine Lagarde, diretora-executiva do FMI, os termos do plano de acordo. Estão previstos 50 bilhões de dólares em empréstimos, dos quais 15 bi já estão liberados automaticamente com vistas a “resgatar” a economia argentina. Como num filme oitentista, o país voltou a ter no Fundo Monetário a saída para suas contradições. A renovação dos títulos de letras do Banco Central(Lebacs) custou caro. As taxas subiram a 47% e a nova equipe econômica espera utilizar até 100 milhões de dólares por dia para influenciar na corrida cambial, na expectativa de evitar uma explosão do dólar. Assim mesmo, o próprio superministro da Economia, Nicolas Dujvone, afirma que virão tempos difíceis pelos próximos “dois ou três meses”.

O elemento detonador da mais recente crise foi a corrida cambial desatada nos últimos meses, onde se desvalorizou o peso. O corte de gastos acabou com boa parte dos subsídios estatais as tarifas de eletricidade, gás e transporte. Dezembro último se concluiu com uma reforma da previdência que ampliou a idade mínima e promoveu severos recortes nas aposentadorias. Da crise econômica à crise social. Sobe o desemprego e há um retorno de milhões à linha da pobreza. E daí para a agudização da crise política.

Na semana passada, Macri mudou postos importantes da equipe de governo, substituindo o presidente do Banco Central e os ministros da energia e o da produção. A nova feição do time de Macri é necessária para “acalmar” os mercados, na disparada do dólar e no cassino da especulação. A bolsa caiu mais de 8 pontos na última segunda.

O efeito de tais mudanças é um aparente alívio imediato diante dos mercados e um maior aperto para a população em geral. A agência Morgan Stanley qualificou o país como “emergente”, o que resultaria ser mais atrativo para investidores, mesmo diante da atual crise. Apesar de utilizar tal notificação para dizer que “ a casa está em ordem”, Macri sofre um questionamento cada vez maior. Sua popularidade despencou. E paira sobre ele, sua família e a equipe governamental os escândalos conhecidos como “Panamá Papers”, envolvendo paraísos fiscais, lavagem de dinheiro e corrupção.

O governo Macri, assim amplia seu caráter de classe(governo dos CEO’s) e pró–imperialista. O eixo de sua política beneficia os especuladores dos grandes fundos capitalistas, das grandes exportadoras de cereais e sojas e indústrias transnacionais que operam na exploração de petróleo e mineração. O plano de ajuste reconfigurado só vai levar a mais miséria, dependência e fome ao povo argentino.

A tendência à luta social cresce em todo país. A mais expressiva das demonstrações foi a campanha vitoriosa do movimento de mulheres que aprovou na votação do parlamento argentino a lei do aborto, depois de uma intensa jornada de lutas. O exemplos das mulheres calou fundo sobre toda a classe trabalhadora. Um movimento que veio na crescente das campanhas “Nem Uma a Menos”, que protagonizou marchas multitudinárias no 8 de março, numa demonstração unitária da cultura acumulada pelo feminismo argentino.

A maré dos panos verdes tomou as ruas, trabalhos, bairros, universidades e escolas. Com peso grande das mulheres trabalhadoras e a irrupção de uma nova geração de jovens de 13/17 anos nas ocupações de escola em favor da aprovação da lei, as mulheres conquistaram uma maioria social, mesmo com um governo reacionário e um parlamento pouco representativo.

Pesquisas de opinião realizadas apontavam para quase dois terços de simpatia com a aprovação da lei, em que pese o esforço da direita reacionária e da Igreja para desqualificar a luta das mulheres. Já em discussão no Senado, onde a tendência é manter o rito geral do câmara baixa e diante da pressão social, aprovar definitivamente a lei, a conquista das mulheres argentinas marca um caminho para todo povo e influência a conjuntura à esquerda.

Sob o ambiente de polarização, cresce a atividade das camadas populares, como forma de resistir à crise. A vitória das mulheres é um sólido fator organizador para a ampliação da resistência popular. As províncias estão debeladas. A vitória que os professores de Neuquen tiveram, rompendo a primeira proposta de teto salarial nas negociações ( chamadas por lá de “paritárias”) deu outra demonstração importante. Agora, é a pequena província de Chubut que conhece seus dias de conflito, onde várias categorias se unem para lutar. O último semestre foi marcado por ataques ao serviço público, com demissões e fechamento de locais de trabalho. Hospitais como Posadas, os mineiros de Rio Turbio e diversas fábricas e engenhos também travaram e travam uma duríssima luta em defesa de seu trabalho. Sem falar na grande marcha educativa, onde novamente os professores se revigoram e tomam a linha de frente.

Os movimentos populares, como piqueteiros, trabalhadores informais, aposentados e camponeses saíram às ruas em 1 de Junho, na “Marcha federal”, que juntou dezenas de milhares de pessoas das camadas mais pobres, do interior do país e do conurbano de Buenos Aires. A multiplicação do número de ocupações urbanas repõe na memória os anos 90, onde o neoliberalismo arrasou as grandes cidades, origem do fenômeno dos “piqueteiros”. Essa dinâmica começa a se expandir novamente, ainda que o governo seja cauteloso em manter os planos sociais mais utilizados para evitar uma explosão generalizada.

O atual cenário de lutas, marcado pela irrupção das mulheres na luta em favor da despenalização do aborto, ganhou força com a rebelião de 18 de Dezembro, quando Buenos Aires parou por conta da luta contra a reforma da previdência, lembrando ares de 2001. Apesar de aprovada a reforma, o governo sofreu um duro revés em sua legitimidade. O movimento de massas recuperou fôlego e abriu caminho para a necessidade de uma nova paralisação nacional.

Os desdobramentos da crise cambial levam a inflação a corroer os salários. E essa contradição tem se desenvolvido, como já dito, a partir da vitória dos professores de Neuquen, recolocando para o movimento operário a possibilidade de ir além dos 15% negociados anteriormente. O próprio governo já acenou com a possibilidade do índice chegar perto de 20% de reposição, o que foi rechaçado, uma vez que a inflação do ano pode ficar na casa dos 30%. Um dos sindicatos mais fortes, apesar de sua condução burocrática, o dos caminhoneiros, conseguiu um acordo de 25%, após paralisar na semana passada e ameaçar a ir a uma greve de três dias. Várias categorias lutam neste momento.

Para evitar o desborde das ruas, Macri e sua ministra de Segurança, Patricia Bullrich querem dispor de medidas mais repressivas, como protocolos antipiquetes e mesmo utilizar de forças militares para impedir um agravamento do conflito. Essa é outra cartada que o governo busca jogar para intimidar ativistas, como fez em recente repressão à greve dos metroviários e no cerco do ano passado aos indígenas mapuches no sul do país.

O contexto da greve geral do dia 25 é explosivo. Apesar da burocracia da CGT- maior central oficial – ter feito de tudo para dilatar os prazos da greve, o que está por vir ainda é imprevisível. Por um lado, a mesma burocracia utiliza a data da greve para descomprimir as reivindicações e fazer o que chamam de “paralisação domingueira”, transformando um dia de lutas num feriado. Por outro, a unidade de todos setores sindicais deverá provocar um pronunciamento contundente contra o conjunto do plano econômico, contra o governo e pelo nível de consciência das camadas mais avançadas, contra o FMI.

Até a imprensa já cogita que estão postos todos elementos para ser uma “grevaça”, em tradução ao linguajar típico dos argentinos. Uma novidade decisiva é a capacidade dos setores classistas e combativos de protagonizar uma “paralisação ativa”, ou seja, com piquetes, cortes de rodovia e manifestações ao longo do país. O encontro que setores estão organizando no sábado, dia 23, contando com membros da FIT, MST/ANCLA, organizações da esquerda sindical, pode ajudar a apoiar essa árdua tarefa. Uma vitória nesse terreno empurraria para um plano coerente e sustentado de lutas para deter a inflação, o desemprego e colocar a hipótese de uma resistência mais efetiva contra o governo Macri.

Acompanhar a greve geral do dia 25 é uma tarefa para todos ativistas brasileiros. Rodear de solidariedade as reivindicações, levantando o exemplo da luta das mulheres que tem no Senado seu capítulo derradeiro quanto a vitória da lei pró-aborto. Vamos acompanhar as placas tectônicas de uma das classes trabalhadoras com maior tradição de lutas no continente se movendo na direção de sua organização, consciência e seu programa histórico.


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