97 anos de Frantz Fanon e a sua contribuição para a luta antirracista e socialista
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97 anos de Frantz Fanon e a sua contribuição para a luta antirracista e socialista

Uma reflexão sobre a obra do intelectual marxista aos 97 anos de seu nascimento.

Diogo Dias 20 jul 2022, 12:11

No dia 20 de julho de 1925, nascia na Martinica, região francesa do Caribe, Frantz Omar Fanon. Psiquiatra, filósofo e ensaísta marxista, Fanon foi uma das maiores mentes marxistas de seu século e um grande elaborador da luta anticolonial e socialista das ex-colônias do continente africano. Em 1944, quando a França estava sendo invadida pela Alemanha nazista, Fanon serviu ao exército francês, mas no front, percebeu a diferença de tratamento entre os seus “compatriotas” brancos, e ele, negro. Esse episódio marcou-o profundamente impactando os seus futuros escritos e a sua prática política.

Em 1946, Fanon inicia o seu curso de medicina em Layon entrando em contato com pensadores renomados discutidos na França na época como: Satre, Jaspers, Lacan, Marx, Hegel, Nietzsche, entre outros. Em 1952, após o término do curso, Fanon escreve a sua primeira versão da tese do doutorado em psiquiatria que fora rejeitada pela banca examinadora, por confrontar as correntes positivistas então presentes na área.

A revisão da primeira tese de doutorado de 1952, dá origem a obra Peles negras, máscaras brancas, livro que marcaria os estudos sobre o racismo. Nele, Fanon apropria-se dos clássicos da sociologia, filosofia e psicologia para analisar as alienações psíquicas causadas pelo sistema colonial. Nesse sentido, o autor entende que as questões psíquicas são retrato e resultado de uma política colonialista que inferioriza negros, traçando um modo próprio de negação da humanidade para os colonizadores (brancos) e os colonizados (negros).

Em 1953, Fanon muda-se para a Argélia para assumir a direção de um hospital psiquiátrico de Blida, lugar onde presenciou o desenvolvimento da guerra de libertação do país. Lá entrou em contato com uma perspectiva teórica e política da necessidade da práxis revolucionária estando em contato com a FLN (Frente de Libertação Nacional) o que impactou nos seus futuros escritos, fazendo uma dura crítica ao colonialismo. É nesse período que Fanon se converte num revolucionário, militante clandestino da FLN, sendo o representante internacional com os demais países africanos pela organização.

Em 1960, no auge da sua atuação política, Fanon escreve um livro que problematiza a relação da revolução argelina com os outros povos do continente africano, Os condenados da terra. Os condenados da terra é uma obra que trata, sobretudo, dos conflitos implícitos ao colonialismo e à luta anticolonial. Nele, revela-se uma perspectiva de análise marxista e revolucionária, pois considera que o processo de libertação das colônias africanas não se pode dar sem considerar os aspectos do capitalismo colonial, a composição das diferentes classes sociais e os seus interesses. Nesse sentido, Fanon argumenta que a violência é parte fundante da sociedade colonial, presente em todas as suas expressões materiais e simbólicas, e que a superação dessa condição só seria possível num momento em que os colonizados empreendessem força material proporcionalmente capaz de abalar as forças sociais e de produzir um homem novo:

A descolonização se propõe a mudar a ordem do mundo, é, como se vê, um programa de desordem absoluta(…)é um processo histórico: isto é, ela só pode ser compreendida, só tem inteligibilidade, só se torna translúcida para si mesma na exata medida em que discerne o movimento historicizante que lhe dá forma e conteúdo. A descolonização é o encontro de duas forças congenitamente antagônicas, que têm precisamente a sua origem nessa espécie de substancialização que a situação colonial excreta e alimenta. (…) a descolonização é verdadeiramente a criação de homens novos. Mas essa criação não recebe a sua legitimidade de nenhuma potência sobrenatural: a “coisa” colonizada se torna homem no processo mesmo pelo qual ela se liberta.” (FANON, 2010:52-3)

Aparece, assim, uma perspectiva marxista e revolucionária de superação da condição colonial que, assim como já descrevia Marx e, posteriormente Lênin, a superação do capitalismo só seria possível com a destruição do Estado burguês. Da mesma forma, a superação por completa do regime colonial só é possível com a destruição do sistema, produzindo novos homens e novas configurações nas relações políticas-econômicas.

Na obra Frantz Fanon um revolucionário, particularmente negro, o sociólogo Deivison Faustino expõe pontos centrais da teoria de Fanon que expõe uma concepção mundial da estruturação do racismo como forma de exploração presente no cenário internacional. Para isso, expõe três teses interconectadas de um discurso de Fanon no I Congresso de Escritores e Artistas Negros.

A primeira tese é que o racismo é um elemento cultural e, portanto, apresenta-se em toda a tessitura social que o abriga. Isso significa que o racismo não se limita às suas dimensões individuais ou intersubjetivas, mas permeia as diversas instâncias da sociabilidade. Apesar disso, por ser um elemento cultural, o racismo modifica-se plasticamente no tempo e no espaço para atender às mais diversas necessidades de manutenção da exploração e submissão. É isso o que leva à sua segunda tese, a de que o racismo não se explica por si só como uma dimensão cultural, mas a partir das suas mediações socioeconômicas e históricas, portanto, a partir da subordinação econômica e, até mesmo biológica de um povo, expressando-se pela colonização e a negação sistemática da humanidade do outro com vistas à sua exploração e dominação. Tudo isso, confronta na sua terceira tese, a mais polêmica entre os teóricos do Movimento da Negritude: a crítica à afirmação unilateral da cultura outrora negada pelo colonialismo. Para Fanon, a exaltação da cultura negada de forma unilateral é uma grande armadilha pois é uma ferramenta importante para o colonialismo já que o mesmo por meio de seu estranhamento sistemático fecha e aprisiona o jeito de ser e estar no mundo como uma peça catalogável em um museu levando a uma mumificação do pensamento individual. O desafio, portanto, é transcender a objetificação da própria existência em nome de um projeto maior que tenha como centro a luta contra todas as formas de exploração e alienação do homem.

A superação do regime colonial é, para Fanon uma tarefa que envolve um partido que organize as massas e as eduque, politize-a. Para o autor, apenas os países desenvolvidos dirigidos por elites revolucionárias, fruto do povo, são os que podem permitir o ascenso das massas no cenário da história. É necessário um programa econômico que tenha como perspectiva a superação colonial com uma doutrina de redistribuição das riquezas e das relações sociais. Só assim, tendo como centro a participação popular que é possível que as condições coloniais sejam aniquiladas do continente africano.

Os escritos de Fanon em Os condenados da terra, revela uma perspectiva marxista das limitações das burguesias nacionais na luta contra o regime colonial. As burguesias nacionais não conseguem cumprir o seu papel histórico, pois não são detentoras e nem podem acumular capital, portanto, o desenvolvimento técnico e industrial dos novos territórios é extremamente dependentes do capital das ex-metrópoles.

Para além disso, tal debate vai de encontro com as formulações dos marxistas da primeira metade do século XX, como Lenin, dirigente que, no processo revolucionário de 1917, era contrário à teoria menchevique da necessidade de uma aliança burguesa para a realização da revolução democrática na Rússia. Podemos perceber como o papel das burguesias nacionais nesses países foram de não cumprir o seu papel histórico, sendo portanto, função do proletariado recém formado na Rússia da primeira metade do século XX e, no continente africano, do povo como um todo, organizado num partido como em Lenin.

A partir disso, podemos ver o quanto este intelectual e militante negro segue sendo atual na elaboração da superação do capitalismo e do racismo internacionalmente. Os Condenados da Terra foram umas das leituras que influenciaram a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978 no Brasil e as perguntas de Fanon seguem sendo muito necessárias em relação à estruturação do racismo no mundo e de sua resposta anticapitalista e antirracista. Que os condenados da terra possam beber da fonte de Fanon e produzir uma verdadeira nova configuração social!

Viva Frantz Fanon!


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