Xi Jinping : da ditatura do partido único à ditatura do bando único

Xi Jinping : da ditatura do partido único à ditatura do bando único

Publicado originalmente em Europe Solidaire.

Pierre Rousset 24 out 2022, 17:02

Publicamos este texto do Pierre Rousset sobre o congresso do Partido Comunista da China e a análise do significado da eleição do Xi Jinping para um terceiro mandato. Pierre Rousset escreveu este texto, inicialmente publicado no site “Europa Solidaria Sem Fronteiras” https://www.europe-solidaire.org/, com o congresso em andamento. Infelizmente, sua predição que “há poucas chances de que a continuação do 20º Congresso do PCC traga alguma boa notícia” se verificou. A única surpresa foi a rocambolesca exfiltração do ex-presidente Hun Jintao do palco final do congresso, que só vem confirmar a balise do Pierre

O 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) abriu-se em 16 de outubro. Ao ser reeleito para um terceiro mandato, Xi Jinping rompe com a norma estabelecida desde os anos 80 e completa o que pode ser chamado de uma contrarrevolução política. Sob seu reinado, a centralização do poder atingiu níveis sem precedentes, mas seu triunfo não pôde esconder os impasses de sua política. O país está passando por uma crise de regime latente, enquanto a situação mundial está se tornando perigosamente instável e que se combinam tensões geoestratégicas, crise climática e ecológica, desordens financeiras e a ameaça de uma recessão mundial. É muito duvidoso que Xi, um autocrata solitário, seja capaz de lidar com isso.

O congresso do PCC é convocado a cada cinco anos no outono. Hoje reúne 2296 delegados – a esmagadora maioria deles homens – que são escolhidos a dedo. Inicialmente programado para novembro, está finalmente sendo realizado um mês antes, o que indica que todas as decisões essenciais já foram tomadas por Xi Jinping.

O congresso endossará a composição do próximo Comitê Central (atualmente 200 membros votantes e 170 suplentes). O CC ratificará a composição do Bureau Político (atualmente 25 membros) que ratificará a composição de seu Comitê Permanente (atualmente 7 membros), sendo este último o verdadeiro coração do poder. Pode-se supor que a maioria das nomeações já foram decididas, especialmente para os órgãos menores.

O congresso foi aberto por um longo discurso de Xi Jinping, que os “pequinologos” estão começando a decifrar palavra por palavra. Essencialmente, Xi Jinping parece ansioso para justificar suas escolhas políticas anteriores, incluindo o controle repressivo de Hong Kong contra os compromissos assumidos por seus predecessores, e para anunciar que eles serão mantidos – desde sua política anti-Covid (cujo custo político, social e econômico é, no entanto, grande) até sua postura marcial em relação a Taiwan [1]. Vale notar que por enquanto ele não levantou a voz e que ainda estamos em uma espécie de status quo, sem prejuízo do que ele poderá anunciar entre agora e o final do congresso [2].

Enquanto a atual desordem financeira ameaça provocar uma recessão econômica global devastadora [3], Xi Jinping cortou laços com os Estados Unidos, o que proíbe qualquer coordenação de políticas monetárias, assim como demonstra total indiferença pela dramática aceleração da crise climática e ecológica global.

O 20º Congresso PCC oferece a oportunidade de fazer um balanço dos dez anos de governo de Xi Jinping, mas este artigo se concentrará em duas questões específicas.

– A primeira é a natureza da mudança do regime político operada por Xi Jinping.

Sob o patrocínio de Deng Xiaoping, um regime político, original para a China, tinha sido formalizado em 1982, quando ele abriu o caminho para o desenvolvimento capitalista, ou seja, uma contra-revolução social. Esta reforma introduziu um modo colegial de funcionamento da liderança do PCC em todos os níveis para evitar a monopolização do poder por um homem e o uso de um culto à personalidade. Uma das principais cláusulas era a limitação dos mandatos para a liderança do partido e do país a dois mandatos de cinco anos, ou seja, um máximo de dez anos consecutivos. Esta cláusula havia sido respeitada por Jiang Zemin (1993-2003) e Hu Jintao (2003-2013) – e é esta cláusula que Xi Jinping transgredirá por ocasião do XX Congresso ao ser eleito para um terceiro mandato consecutivo. Seu projeto está se tornando realidade.

Xi fez questão de desmontar peça por peça a ordem política implementada sob a égide de Deng, a fim de instituir outroa que é essencialmente o seu oposto. É por isso que, mesmo que haja continuidade do regime social (capitalista), podemos falar de uma contra-revolução política, cuja alcance total deve ser levada em conta. Ela diz respeito à governança geral do país e tem a consequência de dar a Xi Jinping um poder pessoal sem precedentes na história da China moderna, mesmo que seu domínio sobre a sociedade seja menor do que ele gostaria.

– A segunda é a natureza das mudanças que afetaram o PCC desde Mao até Xi.

A continuidade nominal esconde grandes descontinuidades na história do PCC no poder e Xi não é um novo Mao. Isto deve ser óbvio. Quando a autoridade de Mao Tse Tung foi desafiada após o fracasso muito caro do Grande Salto para Frente (1959) e que ele queria restabelecê-lo, Mao pediu aos jovens que se rebelassem contra os supostos proponentes de um retorno ao capitalismo dentro do aparato estatal, iniciando a Revolução Cultural (1966-1969) e abrindo uma verdadeira caixa de Pandora, com todas as contradições em ação na sociedade vindo à tona.

Podemos imaginar Xi Jinping (ou Stalin) fazendo o mesmo?

Não há nada mais estranho do que ver um regime ou um partido caracterizado como “comunista” pelos politólogos mainstream, qualquer que seja sua base social, o regime econômico que defende ou combate, sua história. Como um país que desempenha um papel fundamental na dinâmica do capitalismo globalizado (a China contemporânea) pode ser considerado comunista? Como uma dinastia hereditária (o regime norte-coreano) que tem como ideologia o Juche pode ser considerada marxista?

Mao e Xi pertencem a duas épocas diferentes. O primeiro foi um ator importante na longa onda revolucionária que começou em 1917; o segundo é um homem do aparelho que jogando com as rivalidades internas dentro do PCC para ganhar poder na longa onda contrarrevolucionária que começou nos anos 80. Mao Tse Tung ganhou a preeminência dentro do PCC ao agregar em torno dele quadros de várias origens, forjados no fogo das lutas sociais e militares da revolução chinesa. Xi Jinping seleciona homens lígios para servi-lo.

Vamos analisar estas duas questões com mais detalhes.

 Uma contrarrevolução política

O pano de fundo

O regime maoísta entrou numa crise terminal durante a Revolução Cultural (1966-1969), no auge da qual o partido e a administração se desintegraram [4], com Mao tendo que recorrer ao exército para retomar o controle, inclusive contra seus próprios partidários. Então data de 1969 a morte política do maoísmo original, cerca de sete anos antes da morte do Grande Timoneiro (provavelmente precedida por um período de senilidade).

O poder foi temporariamente capturado pelo Bando dos Quatro (1973-1976) cuja reino retrógrado, hiper e estupidamente burocratizado criou as condições para um posterior retorno de quadros que haviam sido marginalizados, reprimidos, torturados, aprisionados. Entre os principais líderes do partido, dois não sobreviveram: Liu Shaoqi e Peng Dehuai, que morreram na prisão. Raros saõ aqueles que mantiveram uma certa continuidade de autoridade estatal durante este período sombrio, como Zhou Enlai, cujo papel foi fundamental, particularmente no cenário internacional.

Em 1978, um dos sobreviventes da década de 1966-1976 e um dos principais líderes históricos da revolução chinesa, Deng Xiaoping, recuperou a ascendência no partido. Ele iniciou reformas que abriram o caminho para o desenvolvimento capitalista. Ele contribui a dotar a China de um regime político “pós-maoísta” (sua reforma de 1982) e em 1989 ele ajudou (após alguma hesitação, parece) a esmagar o Movimento 4 de junho em Pequim e em muitas outras partes do país. Este “momento” contrarrevolucionário entrou para a história como o “Massacre da Praça Tiananmen”, mas este é um nome muito restritivo e enganoso, dada a escala geográfica e social da repressão e seu objetivo: quebrar a resistência popular à reforma [5].

Deng não era um democrata, pelo qual Xi Jinping obviamente não o reprovará, mas ele aprendeu as lições da crise que mergulhou a China no caos e procurou estabelecer salvaguardas para que isso não voltasse a acontecer refreando ambições pessoais e assegurando a colegialidade do funcionamento dos órgãos dirigentes em todos os níveis. Como Xi é ele mesmo filho de um líder do PCC, Xi Zhongxun, que foi enviado ao campo para “reeducação” durante a Revolução Cultural (acompanhado por sua prole), alguns esperavam que ele aprovasse seu irmão mais velho. De forma alguma. Ele não tinha nada contra o poder pessoal, desde que fosse seu próprio poder.

Uma mudança radical no sistema político

– A renovação dos órgãos dirigentes a cada cinco anos permitiu o acesso de gerações sucessivas. O equilíbrio de poder entre as facções foi sancionado nos conclaves dos quadros. Foi assim que Xi Jinping foi escolhido como Secretário Geral porque ele não representava nenhuma das principais frações cujos poderes se equilibravam. A partir de agora, ele “escolhe” os quadros na medida do possível desde o início do processo de renovação. O santo dos santos, o Comitê Permanente, está sob seu controle estreito; a questão da sucessão obviamente não se coloca, uma vez que ele mesmo será seu sucessor.

– Deng Xiaoping havia colocado pessoas próximas em cargos-chave, mas evitou o acúmulo de cargos, sendo ele próprio apenas presidente da Comissão Militar Central. Xi Jinping é Secretário Geral do partido, Presidente da Comissão Militar Central e Presidente da República Popular da China (RPC). O trio vencedor para garantir seu poder pessoal. É possível que, para fazer a coisa certa, o 20º Congresso restabeleça o título de presidente do partido (que foi de Mao, que Deng havia abolido).

– Xi impôs uma reforma constitucional em 1978 que levantou todas as restrições sobre a duração dos mandatos. Ele pode assim, se desejar (e esta claramente o caso agora!) e se mantiver o controle do aparelho (ele faz tudo para) tornar-se presidente vitalício.

– Tio Xi” está desenvolvendo um culto desenfreado da personalidade que tem pouco a invejar ao, delirante, do Mao da Revolução Cultural, recorrendo aos meios oferecidos por um sistema de controle social particularmente desenvolvido (com a injunção de leitura diária de suas obras). No congresso anterior, em 2012, o status oficial de seu “pensamento” permaneceu um degrau abaixo ao de Mao. Cinco anos mais tarde, ele provavelmente quer vê-lo erguer um bom degrau acima de seu ilustre predecessor.

O tom foi dado há um ano na reunião plenária do Comitê Central em novembro de 2021. A resolução adotada afirmava que os tempos atuais representam “a mais magnifica das epopeias da história da nação chinesa ao longo de milênios”, com “o socialismo de estilo chinês [tendo] entrado numa nova era” desde a ascensão ao poder de Xi, cujo “pensamento é a quintessência da cultura e da alma chinesa” e cuja presença no “coração” do partido “é de importância decisiva (…) na promoção do processo histórico da grande renovação da nação chinesa” (tradução da AFP).

No passado tivemos o “Pensamento Mao Tse Tung” ou a “teoria” de Deng Xiaoping, agora temos que aprender o “Pensamento sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era de Xi”. O seja em chinês: 习近平新时代中国特色社会主义思想 – que é Xi Jin Ping Xin Shi Dai Zhong Guo Te Se She Hui Zhu Yi Si Xiang -, ou de forma condensada: ‘XJPXSDZGTSSHZYSX’. Coragem! Como observa Long Ling [6], quer Xi tenha ou não superado seus predecessores na qualidade de sua teoria, ele certamente os superou no número de caracteres necessários para descrevê-la.

– No 19º Congresso do PCC (2017), Xi mudou a forma como o país era governado, que anteriormente havia sido dividida entre o partido, as administrações governamentais ou regionais, e os militares. Embora o partido, no coração do Estado, tenha mantido o monopólio do controle político, este sistema assegurava uma certa flexibilidade na gestão dos assuntos cotidianos em um país-continente e permitia que os cidadãos apelassem para várias autoridades.

Segundo Xi, o partido deveria se tornar o único canal de governança na China, “até a aldeia mais remota”. O exército e os serviços secretos foram purgados a favor de pessoas da confiança dele. Neste país com regionalismos pronunciados, ele deve evitar a formação de poderes locais ou regionais capazes de ganhar independência, mesmo que isso signifique enviar para Cantão um dirigente que não fale cantonês [7].

 A ditadura de um bando: Xi não é um novo Mao

O projeto de Xi Jinping é substituir a ditadura de um partido único por uma ditadura de um bando unico. A vontade de controlar é mais do que a orientação por trás de todas as suas decisões. O termo bando pode, portanto, ser usado para se referir à direção de Xi, que é formada por homens ligios.

Poder pessoal, culto à personalidade… A analogia é tentadora: Xi seria o novo Mao. Ele é, na verdade, outro. Ambos não pertencem ao mesmo período histórico: a longa onda revolucionária iniciada em 1917 para Mao, a longa onda contrarrevolucionária iniciada nos anos 80 para Xi. Mao Tse Tung ganhou a preeminência no PCC no calor das lutas sociais e militares da revolução chinesa. Xi Jinping é um homem do aparelho que se aproveitou das rivalidades internas dentro do PCC para se tornar o líder supremo. Quanto à equipe de direção montada em 1935 por Mao, ela não era formada por homens lígios, longe disso. Não havia uma “facção maoísta” poderosa o suficiente para se impor. Mao conseguiu agregar em torno dele líderes com uma história e uma base próprias- e ao fazê-lo, ele se tornou e foi reconhecido como o primeiro entre eles.

Se um tal reagrupamento de quadros-chave ocorreu é porque respondia um desafio central: quebrar a subordinação do PCC a Moscou – uma subordinação que tinha levado ao desastre em 1927 e dos anos seguintes. A Internacional Comunista havia se tornado o canal e o culto de Stalin o cimento ideológico. Dentro do PCC, a facção Wang Ming era seu agente. Na origem do que se tornou o culto da personalidade de Mao Tse Tung, havia o desejo de opor uma autoridade chinesa de pensamento e ação ao “irmão mais velho” soviético. Também lhe serviu, é claro, para acertar contas e realizar purgas quando ele quisesse. O fato é que a liderança do PCC (política e militar) era formada por personalidades fortes, e sem levar isso em consideração, não entendemos nada sobre as formas que a crise do regime maoísta tomou, e então sobre a capacidade que Deng Xiaoping mostrou de assumir após a queda do Bando dos Quatro e a morte de Mao.

Com o risco de ser longo, vou retomar aqui uma apresentação que fiz em 2008 [8] dos membros da direção maoísta. Provavelmente precisaria ser atualizada, mas nos permite medir a distância entre o mundo da revolução chinesa e o de Xi Jinping. Estas biografias também mostram que o espírito de luta dos quadros não impede que eles se tornem burocráticos após a vitoria; mas esta questão está além do escopo deste artigo.

Chen Yi (1901-1972). Originário de Sichuan, filho de um magistrado. Ele chega na França em 1919 e trabalha como estivador, lavador de louça e depois como operário na Michelin. Em 1921, ele entra para a Juventude Socialista, antes de ser expulso do país. De volta à China, ele entra para o PCC em 1923 e, em 1925, trabalha no departamento político da Academia Militar Huangpu (Wangpoha), sob a direção de Zhou Enlai. Ele participa da insurreição de Nanchang (1927), depois comanda com Zhu De a retaguarda do exército de He Long e Ye Ting, antes de se juntar às bases de Jinggangshan. Ele apoia Mao nas lutas das facções da década de 1930, mas não participa da Longa Marcha, organizando a resistência nas áreas evacuadas pelo grosso das forças comunistas até 1937. Em 1938, ele comanda o 4º Exército Novo, que estabelece uma base regional na China Central. Ele torna-se membro do Comitê Central do PCC em 1945 (e do Bureau Político em 1956). Durante a guerra civil de 1945-49, ele lidera uma das principais unidades do Exército de Libertação Popular e se torna prefeito da área metropolitana de Xangai. Ele é um dos dez Marechais. Próximo de Zhou Enlai, ele se torna Ministro das Relações Exteriores em 1958. Ele foi violentamente atacado durante a Revolução Cultural (1967), provavelmente doente, ele deixa de aparecer até sua morte. Ele foi reabilitado em 1972.

Chen Yun (1900-1995). Natural do Jiangsu, perto de Xangai. De uma família de classe trabalhadora, ele se junta ao PCC em 1924. Ativista sindical durante a revolução de 1925-1927, ele se junta à Zona Vermelha de Jiangxi após a derrota, onde é encarregado dos assuntos sociais. Ele entra para o bureau político em 1934 antes de ser enviado à URSS por dois anos. De volta a Yan’an em 1938, ele é  o responsável pela organização, e depois de questões econômicas. Ele participa da defesa de regiões importantes no centro da China e na Manchúria. Ele se torna vice primeiro ministro em 1949 e é responsável pela reconstrução e desenvolvimento do país. Ministro do Comércio, ele entra em conflito com Mao por causa das políticas econômicas. Em 1957, ele e meio desonrado e sujeito a ataques políticos durante a Revolução Cultural. Ele só reaparece no primeiro plano em 1978, após a volta por cima de Deng Xiaoping.

Deng Xiaoping (1904-1997). Nascido em Sichuan em uma família de proprietários de terras, ele vai para a França (1920-1926) onde estuda e trabalha e entra para a Liga da Juventude Socialista, e depois (em 1923) para o PCC. Ele passa por Moscou antes de retornar à China. Clandestino em Xangai após a contrarrevolução de 1927, ele se junta à base de Jiangxi onde apoia a facção maoísta. Após a Longa Marcha, torna-se comissário político no Grupo de exércitos comandado por Lin Biao, depois na Divisão comandada por Liu Bocheng, com quem permaneceu até a vitória de 1949. Inicialmente um dos principais responsáveis da China do sudoeste, é nomeado Vice Primeiro Ministro em 1952. Ele entra para o Bureau Político em 1955, depois se torna um dos seis membros de seu Comitê Permanente quando este foi criado em 1956. Ele se opôs a Mao após o fracasso do Grande Salto para Frente. Ele é uma das primeiras vítimas da Revolução Cultural. Entretanto, ele reaparece em 1973 e, com o apoio de Zhou Enlai, torna-se membro do Comitê Permanente do bureau político em 1975. Em 1978, ele inicia as reformas econômicas que finalmente abririam o caminho para um novo desenvolvimento capitalista.

Dong Biwu (1886-1975). Originário de Hubei, de uma família culta, mas sem posses. Na época da revolução de 1911, ele se alistou no exército e na Liga Jurada da Sun Yatsen. Ele participou do Movimento 4 de maio em Xangai, em 1919. Ele se tornou um marxista e foi um dos membros fundadores do PCC (1921). Ele se envolveu no movimento sindical, e mais tarde no movimento camponês, em Hubei. Ao longo destes anos, ele realizou trabalho clandestino no exército em várias ocasiões. Ele teve que fugir após a contra-revolução de 1927 e foi para Moscou (1928-1932). De volta à China, ele ingressou nas bases de Jiangxi, onde foi nomeado diretor da Academia do Exército Vermelho. Após a Longa Marcha, ele dirigiu a Escola do Partido. Durante a resistência anti-japonesa, ele estava encarregado das relações com outros movimentos políticos e, em 1945, participou das negociações de paz (abortadas), viajando para os Estados Unidos neste ambito. Ele se juntou ao gabinete político e presidiu o comitê que definiu as instituições da futura República Popular, da qual foi vice-presidente em 1959-1975. Ocupou posições importantes no PCC. Com a imagem do “Ancião” que ele carrega desde a fundação do PCC, ele é uma das poucas personalidades a encarnar a continuidade do estado durante a Revolução Cultural. Ingressou no Comitê Permanente do BP em 1973.

Lin Biao (1907-1971). O mais jovem dos dez Marechais chineses. Originário de Hubei, de origem burguesa e rural. Ele entrou para a Juventude Comunista em 1925 (no partido em 1927). Ativista estudantil, ele entrou na Academia Militar Huangpu (Whampoa) e, como um brilhante oficial, participou da Expedição do Norte, depois da revolta de Nanchang. Ele se opera com Zhu De uma retirada para as guerrilhas do Jinggangshan em 1928, onde conheceu Mao. Ele comandou a vanguarda das tropas revolucionárias durante a Longa Marcha. Ferido em 1938, ele foi tratado na URSS até seu retorno à China em 1942. Ele foi eleito para o Comitê Central em 1945, depois comandou as forças comunistas na Manchúria, impondo-se como um dos principais líderes militares do partido. Após a vitória, ele não desempenhou mais um papel de primeira linha até ser nomeado Ministro da Defesa em 1959. Aliado a Mao Tse Tung, ele foi o herdeiro aparente no rescaldo da Revolução Cultural (1969). Entretanto, ele foi vítima das lutas das facções que continuaram a dividir a liderança do PCC e morreu em 1971, em circunstâncias obscuras.

Liu Bocheng (1892-1986). Conhecido como o “dragão de um olho só”, um dos dez Marechais. Originário de Sichuan, filho de um músico itinerante. Ingressou no exército republicano em 1911 e perdeu um olho na batalha. Adhere ao PCC em 1926. Serviu nos exércitos nacionalistas do Guomindang, depois participou da liderança da insurreição Nanchang com He Long e Ye Ting. Ele cursou a Academia Militar Frunze na URSS e ingressa na base de Jiangxi em 1930 onde defendeu as concepções “profissionais” de estratégia militar contra Mao, mas se alinha com ele em 1935 durante a Longa Marcha. Após 1937, ele se tornou um dos principais comandantes do Exército Vermelho com Lin Biao e He Long. Um dos dez Marechais de 1955. Ingressou no Comitê Central do PCC em 1945 e no Bureau Político em 1956. Talvez por causa de sua idade e saúde em declínio (ele ficou cego), ele não caiu vítima das lutas das facções de 1959-1976 e permaneceu até 1980 como um dos vice-presidentes do exército. Ele provavelmente permaneceu perto de Deng Xiaoping, que foi comissário político do corpo do exército que comandou em 1937.

Liu Shaoqi (1898-1969). Originário de Hunan, filho de um professor do primário. Ele entra para a política em 1920 e foi estudar em Moscou em 1921-22, onde entrou para o PCC. Ao retornar à China, ele dirigiu a atividade sindical nas minas Anyuan e, a partir de 1925, trabalhou no desenvolvimento de sindicatos em Xangai. Eleito para o comitê central após a contrarrevolução de 1927, ele entra na clandestinidade e milita em Xangai, na Manchúria e no norte da China. Em 1932, ele teve que se retirar para Jiangxi e participar da Longa Marcha, antes de retornar ao norte da China para retomar suas atividades clandestinas. Em 1941, ele se torna comissário político do Novo Quarto Exército, depois se juntou a Yan’an em 1942 como parte do “movimento de retificação” liderado por Mao. Em 1945, ele era o número 2 do partido. Vice-presidente do governo em 1949. Após o fracasso do Grande Salto à Frente, ele substituiu Mao como Presidente da República Popular. Ele então trabalha com Deng Xiaoping. Ele se tornou um dos principais réus da Revolução Cultural em 1967, foi expulso do partido em 1968 e morre na prisão após maus tratos. Ele foi oficialmente reabilitado somente em 1980.

Mao Tse Tung (1893-1976). Filho de camponeses ricos de Hunan; um dos fundadores do PCC (1921). Ativista sindical e jornalista político, ele se tornou um dos principais líderes do Instituto de Formação de Quadros Camponeses, criado pelo Guomindang (1924). Após a contrarrevolução de 1927, ele reagrupou algumas forças comunistas em Jinggangshan, tornando-se então presidente da República Soviética de Jiangxi. Insistindo no papel dos camponeses e do Exército Vermelho no processo revolucionário chinês, ele se torna minoritário dentro do bureau político. Ele se consolida duravelmente na direção do PCC somente em 1935, durante a Longa Marcha, na conferência Zunyi. Ele é o principal estrategista do PCC, mesmo não sendo o único. Sua preeminência só foi posta em questão após o fracasso do Grande Salto para Frente (1959), a crise de liderança do PCC abrindo o caminho para a Revolução Cultural. Mao saiu formalmente vitorioso da crise de 1966-1969, mas foi uma vitória pírrica. O real poder provavelmente sai rapidamente de suas mãos. Os integrantes das fracções opostas recuperam o controle pouco depois de sua morte.

Peng Dehuai (1898-1974). Originário de Hunan, de um meio camponês bastante pobre do qual ele se separou aos onze anos de idade, ele era um andarilho, “desenraizado”, vivendo de bicos. Ele lidera uma revolta camponesa em 1916. Ele entra para o exército, participa de um complô contra o governador da província e se junta ao exército de Guomindang de Sun Yatsen. Como oficial, ele se junta à guerrilha e ao PCC em 1928 em Jingganshan. Ele dirige uma das duas principais forças comunistas em Hunan, depois se opôs a Mao na política militar, mas se junta a este último em 1935. Comandante do Exército Vermelho ao lado de Zhu De até 1949, depois do corpo do exército envolvido na Guerra da Coréia até 1953. Um dos dez Marechais. Ele participou das negociações com a URSS. Ele se opôs a Mao durante o Grande Salto para Frente. Em desgraça, ele e um dos líderes que caiu vítima da Revolução Cultural; preso em 1966, torturado pelos Guardas Vermelhos em 1967, ele morre na prisão uma década depois. Ele e reabilitado em 1978.

Zhou Enlai (1898-1976). Nascido em Jiangsu, de uma família de notáveis vindos do Zhejiang e do meio “mandarim” abastado. Ele estuda no Japão, depois participa do Movimento de 4 de maio de 1919. Preso em 1920, ele fica cem dias em detenção, depois vai para a França, onde se junta ao movimento comunista (início de 1921). Ele desenvolve o ramo europeu do PCC. Ao retornar à China (1924), ocupa cargos importantes na região de Cantão, onde dirige a seção política da Academia Militar Huangpu (Whampoa) de Guomindang. Em 1925 ele se casa com Deng Yinchao. Um dos líderes da revolta dos trabalhadores de Xangai em 1927, ele escapa da repressão sangrenta que segue à entrada das forças de Chiang Kai-shek na metrópole. Ele participa da revolta de Nanchang. Ele é membro da direção do PCC sem interrupção de 1927 a 1976 e encarna, além das crises fracionárias, a continuidade do partido, depois do partido-estado. Ele trabalha com os dirigentes apoiados por Moscou e se opôs a Mao no Jiangxi. Ele se alinha com Mao em 1935. Ele desempenha um papel importante nas negociações entre as forças políticas chinesas durante a guerra anti-japonesa e nos contatos com os círculos intelectuais e estrangeiros. Primeiro-Ministro de 1949 e encarregado das Relações Exteriores (1949-1958), ele também conduz as negociações com Moscou após a vitória de 1949. Ele é uma das figuras centrais na Conferência de Bandung (1955). Ele tira do sufoco a diplomacia chinesa durante a Revolução Cultural, depois prepara a normalização das relações com Washington (ida de Nixon a Pequim em 1972). Na frente doméstica, ele desempenha um papel muito importante como “estabilizador”. Ele favorece o retorno ao poder de Deng Xiaoping.

Zhu De (1886-1976). O primeiro dos dez Marechais de 1955. Originalmente de Sichuan, de uma família de camponeses arruinados. Enviado para estudar com grande sacrifício, ele rompe com sua família quando escolhe entrar no exército por nacionalismo em vez de aproveitar ao máximo seu diploma. Segundo tenente em 1911, ele participa da Revolução Republicana. Após muitas vicissitudes, em 1922, general aos 36 anos, viciado em ópio saindo de uma cura de desintoxicação, vai para a França, depois conhece Zhou Enlai em Berlim. Após três anos de militância na Alemanha, ele retorna à China via Moscou. Tendo retomado sua carreira militar, ele prepara a insurreição de Nanchang em 1927. Em 1928, ele finalmente se encontra com Mao em Jinggangshang, onde o Quarto Exército Vermelho está sendo formado e participa da fundação da República Soviética de Jiangxi. Ele e comandante-chefe do exército e assim permanece até 1954. Ele se casa com Kang Keqing em 1929. Vice-presidente do governo de 1949 e da República Popular em 1954-1959. Embora tenha defendido Peng Dehuai em 1959 e se tenha oposto a Mao durante a Revolução Cultural (ele foi denunciado pelos Guardas Vermelhos), ele não sofre a mesma perseguição que outros líderes, provavelmente por causa de seu prestígio histórico.

A reeleição de Xi Jinping como chefe do partido e da Comissão Militar Central, e sua reeleição no próximo ano como presidente da República Popular, não resolverá nenhum dos problemas que o país e seu regime enfrentam – e são muitos, tanto a nível interno como internacional.

Xi Jinping beneficiou-se de uma histórica “janela de oportunidade”, quando os Estados Unidos não conseguiam fazer sua mudança estratégica para a Ásia e os dois países, embora rivais, ainda estavam cooperando na arena global. Ele tirou o máximo proveito disso, completando o processo iniciado por seus antecessores, com a China se estabelecendo como a segunda potência mundial.

Esta janela de oportunidade se fechou. As condições que tornaram possível o crescimento espetacular da China não está mais presentes, pelo menos por uma parte decisiva. De fato, entramos em um período sem precedentes. O sistema político no qual Xi Jinping se trancou voluntariamente torna-o ainda mais incapaz que seus pares globais de compreender a natureza e a profundidade dessas mudanças – o fato de ele ter interrompido toda a colaboração com Washington sobre a questão do aquecimento global fala por si!

Há poucas chances de que a continuação do 20º Congresso do PCC traga alguma boa notícia.

[1] Helen Davidson et Emma Graham-Harrison, 16 octobre 2022, The Guardian :
https://www.theguardian.com/world/2022/oct/16/xi-jinping-speech-opens-china-communist-party-congresss
Disponivel em ESSF (artigo 64339), Xi Jinping opens Chinese Communist party congress with warning for Taiwan (en)

[2] Brian Hoie, 17 octobre 2022, New Bloom :
https://newbloommag.net/2022/10/17/20th-national-congress-tw/
Disponible sur ESSF (article 64354), China : Few surprises in 20th CCP National Congress on Taiwan by Xi (en) 

[3]  Adam Tooze, 4 octobre 2022, New York Times.
tradução francesa por A l’encontre, http://alencontre.org/economie/economie-debat-la-premiere-deflation-mondialisee-a-commence-il-nest-pas-clair-a-quel-point-elle-sera-douloureuse.html
Disponivel em ESSF (artigo 6433964242), Economie-débat. « La première désinflation mondialisée a commencé. Il n’est pas clair à quel point elle sera douloureuse » 

[4]  A Revolução Cultural é um « evento » muito complexo, que combinou espaços de liberdade para a juventude e violências traumatizantes. Não dá para desenvolver aqui.

[5]  Pierre Rousset, 2 junho 2014, ESSF (artigo 32086), L’occupation de la place Tiananmen à Pékin et la répression du « Mouvement du 4 juin » 1989 en Chine : 

[6]  Na introdução ao seu artigo na London Review of Books (outubro 2022)

[7]  Tem várias línguas faladas na China. Tem até várias línguas chinesas (inclusive o cantonês e o mandarim) com uma versão escrita (formada de sinogramas, caracteres) unificada na China continental. Oralmente, no entanto, elas são muito diferentes, tendo por exemplo um número diferente de tons, ao ponto de não ser comprehensiveis de uma para a outra.

[8]  Pierre Rousset, 18 de agosto 2008, ESSF (artigo 24655), La Chine du XXe siècle en révolutions – III – Annexe 1 : six coups de projecteur.  Encontra-se também nesta matéria uma nota sobre o anarquismo na China, uma apresentação de figuras do trotskismo chines e de seis dirigentes mulheres do PCC.


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Palestina livre: A luta dos jovens nos EUA contra o sionismo e o genocídio

A mobilização dos estudantes nos Estados Unidos, com os acampamentos pró-Palestina em dezenas de universidades expôs ao mundo a força da luta contra o sionismo em seu principal apoiador a nível internacional. Para refletir sobre esse movimento, o Espaço Antifascista e a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco realizam uma live na terça-feira, dia 14 de maio, a partir das 19h

Roberto Robaina entrevista Flávio Tavares sobre os 60 anos do golpe de 1º de abril

Entrevista de Roberto Robaina com o jornalista Flávio Tavares, preso e torturado pela ditadura militar brasileira, para a edição mensal da Revista Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 16 maio 2024

Tragédia no RS – Organizar as reivindicações do movimento de solidariedade

Para responder concretamente à crise, é necessário um amplo movimento que organize a luta pelas demandas urgentes do estado
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