Uma contrarrevolução política na China capitalista – Parte 1
O presidente chinês Xi Jinping - Reprodução

Uma contrarrevolução política na China capitalista – Parte 1

Publicado originalmente no Anticapitaliste (NPA).

Pierre Rousset 2 nov 2022, 19:17

Nada garante, no apagar das luzes do 20º Congresso, que Xi Jinping tenha tomado a medida real de todos os problemas, focado como ele está com a consolidação de seu controle sobre o Estado.

A capacidade do governo de orientar o desenvolvimento econômico tem sido há muito um importante trunfo na ascensão da China. Entretanto, o novo sistema político moldado por Xi pode agora revelar-se um handicap perigoso.

Monolitismo interno

As reformas de Deng Xiaoping iniciadas nos anos 80 e 90 visavam colocar a China pós-maoísta no caminho do capitalismo, assegurando a transformação em burguesia de uma parte da burocracia e, por outro lado, proporcionando ao país um regime político estável, em benefício das elites. A colegialidade em cada nível de direção e a renovação regular dos órgãos de governo deveriam impedir a concentração do poder nas mãos de um só homem.

Durante seus dois primeiros mandatos, Xi Jinping trabalhou para estabelecer uma forma de governança o oposta ponto por ponto daquela promovida pelo Deng. O 20º Congresso do CCP foi a ocasião para completar o que pode ser chamado de contrarrevolução política na China capitalista. Xi está entrando em seu terceiro mandato como chefe do PCC, enquanto anteriormente ninguém podia ficar mais do que dois mandatos seguidos de cinco anos. Enquanto colocava aliados próximos em posições-chave, Deng se contentava em ser presidente da Comissão Militar Central. Xi é ao mesmo tempo presidente desta comissão, secretário geral do partido e presidente da República Popular.

Com sete membros, o comité permanente do bureau político é o coração do poder no PCC. Tradicionalmente, deveria incluir um mínimo de pluralismo fracionário e o sucessor designado do Secretário Geral. A questão da sucessão não está em pauta, pois Xi pretende servir por mais mandatos – ele é agora veste a camisa de um triplo número um triplo vitalício.

Controle do aparelho do Estado do partido

Li Keqiang ocupava um asseto (sem ter peso) no comitê permanente como Primeiro Ministro. Ele não foi reconduzido. Ele está próximo de Hu Jintao, o secretário geral anterior do PC – o mesmo Hu que foi (aparentemente sem seu consentimento) arrastado do pódio por dois homens de preto na sessão de encerramento do congresso – uma visão bastante estranha em uma cerimônia onde tudo é meticulosamente regrado. Além disso, Xi quer marginalizar na governança do pais a administração (outra contrarreforma) que Li encarnava. A preeminência do partido estiva com certeza, assegurada anteriormente, mas a pluralidade dos centros de autoridade dava flexibilidade ao sistema e permitia que a população se dirigisse a mais de um interlocutor.

A autoridade do partido agora deve ser exclusiva.

Os principais rivais de Xi Jinping foram convidados a se aposentar e não estão sendo renomeados para o novo Comitê Central de 205 membros, dos quais 65% foram renovados. O limite de idade habitual para a eleição à liderança do partido é 68 anos (Xi tem 69 anos e está programado para viver por muitos mais anos à frente do PC). Wang Yang (67) foi, no entanto, afastado apesar de ser presidente da Conferência Consultiva Política Popular Chinesa (um órgão composto por “partidos democráticos”, ou seja, frentes categóriais do PCC, o que permite trocas informais); para os “pequingologistas”, ele foi considerado muito liberal no plano econômico.

Entretanto, deve-se ter cuidado para não racionalizar demais os conflitos fracionários dentro do aparato partidário. Muitas vezes são lutas pelo poder e não por políticas. Ou pelo menos eles não devem ser reduzidos a um confronto entre “reformistas” (Li Keqiang, Wang Yang…) e “conservadores”, esperando que os primeiros combatam os segundos. As esperanças depositadas em Deng Xiaoping de democratizar o país em benefício da população se mostraram dramaticamente ilusórias com a repressão sangrenta dos movimentos sociais em 1989. Desde então, formaram-se três blocos em torno dos secretários gerais Jiang Zemin, Hu Jintao e Xi Jinping. Nenhum deles jamais questionou a ditadura do partido sobre a sociedade ou considerou a possibilidade de existir oposição política organizada, mesmo que os dois primeiros pudessem tolerar a dissidência individual.

A particularidade de Xi é que ele expurgou cliques ou facções rivais, assim como tem expurgado o exército e os serviços secretos. O 20º Congresso foi uma oportunidade para completar seu controle sobre o aparato do partido-estado.

Sacro constitucional

Mudanças constitucionais foram introduzidas para elevar ainda mais o status pessoal de Xi Jinping e do seu “pensamento”. O congresso aprovou emendas, incluindo os “Dois Estabelecimentos” e as “Duas Salvaguardas”, visando colocar Xi no centro do partido e seu pensamento político como uma ideologia subjacente Criticar Xi ou duvidar da validade do seu discurso passa a ser afronta à Constituição1

O culto da personalidade de Xi está alcançando níveis delirantes, como o de Mao no alvorecer da Revolução Cultural (1966-1969). A resolução adotada na reunião plenária de novembro de 2021 do Comitê Central já afirmava, com relação a Xi, que os tempos atuais representam “o épico mais magnífico da história da nação chinesa ao longo de milênios“, “o socialismo de estilo chinês [tendo] entrado numa nova era” desde sua ascensão ao poder. Mas também que seu “pensamento é a quintessência da cultura e da alma chinesa”, cuja presença no “coração” do partido “é de importância decisiva […] na promoção do processo histórico da grande renovação da nação chinesa“.

Na origem do culto de Mao estava a vontade de opor uma autoridade chinesa ao culto de Stalin que serviu para controlar a Internacional Comunista, mas uma vez que se tem uma tal arma nas mãos, também se usa para acerto de contas ou para reforçar sua posição em batalhas de facção, quer tenham ou não conteúdo político (na época, muitas vezes tinham). Quanto ao “pensamento”, o do Xi não está na continuidade do pensamento de Mao. Embora ele nunca tenha conseguido aprender uma língua estrangeira e não tenha viajado como fieram tantos revolucionários asiáticos, Mao lia as traduções disponíveis foi “foi submetido” a múltiplas influencias intelectuais, chineses, regionais e ocidentais. Suas obras oficiais são bastante enfadonhas, mas muitos documentos internos do partido foram tornados públicos durante a Revolução Cultural e são muito mais vívidos. Não sendo um sinólogo, não vou me aventurar muito neste campo, mas alguns julgam que ele tinha uma concepção da história impregnada de taoísmo; ainda assim, ele estava convencido de que as sociedades só evoluem sob o impacto de suas contradições internas e, portanto, de lutas sociais. Invocar contradições pode obviamente levar ao melhor e ao pior, como ilustra a história do “Grande Timoneiro”…

Masculinismo

O comitê permanente do gabinete político não incluía nenhuma mulher; este continua sendo o caso. Entretanto, desde 1997, sempre houve uma mulher no PB (e até duas por um curto período de tempo). Um sistema de cotas foi estabelecido exigindo pelo menos uma executiva em todos os níveis inferiores de liderança, o que ajudou a manter um fluxo pequeno, mas constante de candidatas femininas.

Hoje, o bureau político de 24 membros é todo masculino, com Sun Chunlan, a chamada estrela do Covid, sendo nem reeleita nem substituída por outra mulher. Segundo a jornalista Guardian Emma Graham-Harrison, em mais de 70 anos ela foi uma das três únicas mulheres até agora que se chegaram tão alto no aparato do partido com base em sua própria atividade, sem ser esposa de um homem poderoso ou uma “ferramenta de propaganda”! Entretanto, havia rumores de que outra mulher seria integrada ao BP (os nomes de duas candidatas estavam circulando). Em uma lista de 205 membros votantes do novo Comitê Central tornada pública em 22 de outubro, apenas 11 eram mulheres.

O PCC tem quase cem milhões de membros, mas menos de um terço são mulheres, e a proporção decresce na medida que se avança na hierarquia. Quando Xi Jinping começou a reprimir sistematicamente as organizações da sociedade civil, ele alvejou especialmente às feministas, mesmo que elas não representassem perigo. Em geral, o endurecimento do poder de Xi é acompanhado por uma mudança reacionária sobre as chamadas questões sociais. A fim de aumentar a taxa declinante de fertilidade, ele está pressionando a juventude que resiste às suas injunções. É de se temer que um dia os direitos reprodutivos venham a ser desafiados.

Como Emma Graham-Harrison conclui, “se pode afirmar sem riscos que sem mulheres na direção, os assuntos relativos ás mulheres terão sub-representação”.


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