Três eleições, duas teses e uma necessidade urgente
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Três eleições, duas teses e uma necessidade urgente

Cada uma das três eleições citadas obedece à uma lógica particular, ainda que com elementos comuns entre si onde é evidente o peso de massas do neofascismo

Israel Dutra 2 jun 2023, 13:09

Na quinzena que passou tivemos duas importantes eleições gerais, na Turquia e Grécia, países com proximidade geográfica, importantes para a compreensão geral das relações do sistema-mundo. Ambas guardam suas particularidades, sendo cada qual a seu modo decisivas, até “estratégicas” tomando o cenário mundial como uma totalidade. Há um ponto em comum: as pesquisas, que indicavam resultados melhores para a oposição e o progressismo, se demonstraram equivocadas, frustrando expectativas. A vitória do polo conservador, com extrema-direita na Turquia e a direita nacionalista na Grécia foram recebidas com tristeza e apreensão, pelos olhos do ativismo combativo no mundo. Na noite de domingo, para completar o “pacote”, as eleições regionais no Estado Espanhol produziram um pequeno terremoto, com a vitória acachapante do PP, obrigando o governo a convocar eleições gerais para o final de julho. Nesse vórtice de más notícias, não basta chorar, senão compreender. E com a compreensão do acontecido, não apenas interpretar, senão lançar-se novamente ao combate. Vejamos, de forma resumida, o que está passando, o que significa e o que a esquerda internacionalista pode esperar dos próximos capítulos.

Turquia, Grécia e Espanha

Cada uma das três eleições obedece à uma lógica particular, ainda que com elementos comuns entre si, que resulta nas manchetes jornalísticas que apontam um “giro à direita”. Se por um lado, é evidente que o sinal de alarme do peso de massas do neofascismo soa em várias partes do mundo; por outro, antes de rotular e aproximar os conceitos é preciso conhecer o ocorrido- até para melhor combater.

A Turquia reelegeu, com mais de 52% dos votos, Recep Tayyp Erdogan, como presidente, numa inédita disputa em segundo turno. Com o apoio do terceiro colocado, desenvolveu uma verdadeira “guerra santa discursiva”, utilizando dos expedientes de um regime muito controlado para impor sua vitória. A oposição ainda controla a maioria em importantes cidades como Ankara e Istambul.

O que aparenta ser uma vitória maiúscula, contudo, esconde os aspectos contraditórios, em que a relação de forças será testada. A vitória de Erdogan pode tanto significar mais um degrau na já intensa escalada repressiva como pode ser também a chamada “vitória de Pirro”.  O antigo rei de Epiro conquistou sua mais importante vitória militar exaurindo o conjunto de suas forças, no ano 279 A.C., transformando a vitória no começo de seu declínio. A crise econômica e a força da oposição sobrevivente podem afrontar o novo mandato de Erdogan, na medida que a situação se agudize. O governo vai tentar incrementar mais o fechamento do já autoritário regime.

Ainda na região, a Grécia foi às urnas e consagrou o governo direitista da Nova Democracia. Foi uma vitória folgada, diante da queda do principal partido opositor, Syriza, que ficou aquém das pesquisas e dos resultados previstos. Nova Democracia, atual partido do governo e de matriz direitista clássica, chegou a 40, 79% dos votos. Syriza, que governou a Grécia, gerando tanto expectativas quanto frustração ao capitular ao memorando da Troika, ficou com 20,07%. PASOK(socialdemocrata) teve 11,46%, o PC grego chegou a 7,23%. Os partidos da esquerda radical como Mera25(Varoufakis) e Antarsya não romperam a cláusula de 3% necessária para entrar no parlamento.

Se pode afirmar que foi o fim do ciclo aberto com Syriza, a partir de capitalizar as mobilizações abertas com a crise de 2008, ainda que o cenário social não seja tão devastador, porque existem reservas importantes de luta, como se demonstrou nas mobilizações radicalizadas pela responsabilização do governo no acidente ferroviário de Tempé.

A mais preocupante das vitórias da direita foi na Espanha. Em recente artigo, Jaime Pastor, aponta corretamente duas conclusões: “houve uma vitória clara do bloco neoconservador e reacionário e uma derrota política do PSOE. Portanto, não poderia tardar muito a resposta de Pedro Sanchez frente a euforia dos adversários, antecipando a eleição geral para 23 de julho”. A direita venceu em diversas comunidades e cidades, com exceção da Galícia e o País Basco. As prefeituras que simbolizavam vitórias democráticas, como Barcelona de Colau e Cadiz de Kichi, foram derrotadas, também crescendo a direita(PP) no número de vereadores. O partido neofacista, VOX, não teve em si mesmo um resultado satisfatório, porém, o risco reside nas alianças que podem ser feitas com o PP, criando um caldo de cultura para o neofranquismo, o racismo e a misoginia latentes desses setores.

Preocupa mais a Espanha pela direitização das camadas médias, inclusive no que diz respeito à hostilidade com imigrantes. O caso explicito de racismo contra o jogador Vini Jr, acobertado e defendido pela La Liga, indica a gravidade da situação. A grande votação para a direita, partidos que relativizam o tema do racismo é um sinal de alerta para a comunidade internacional.

E tal qual na Grécia, a derrota de Podemos, partido que foi a representação política do movimento dos indignados, mostra os limites do mero enfretamento eleitoral à extrema-direita e da adaptação ao Estado e aos governos progressistas. Um triste fim, porém, que conduz à necessária reflexão, para extrair as lições do processo político.

Tese I: O enfretamento à extrema-direita exige uma luta prologada

Com os cuidados que se pode ter de não generalizar a situação, a partir de três eleições, o fato é que existe uma questão transcendental: existe uma extrema-direita ativa e viva, que está lutando para impor novos regimes. Isso vai significar um embate em “toda linha”: na Turquia, seguir o cerco contra os curdos e sírios; na Grécia, fechar fronteiras e ampliar a privatização dos serviços públicos; na Espanha, retrocedes nos direitos das mulheres, bem como da luta das nacionalidades oprimidas. A extrema-direita quer se apossar do aparelho de estado e da legitimidade eleitoral, com suas máquinas comunicativas para destruir os direitos conquistados ao longo do século XX.

Portanto, é preciso combinar as diferentes formas de luta, mas compreender que é uma luta prolongada, que se dá no terreno da ação direta, da cultura, da hegemonia, seja nas eleições, na disputa da opinião pública; uma luta que, para pensar a visão gramsciana, interliga a luta na sociedade civil com a necessidade de resistir aos ataques desde o aparelho de Estado.

Tese 2: A ruptura do círculo de repetição eleitoral depende da luta extra-parlamentar

A outra conclusão dessa “janela eleitoral” é que os projetos neoreformistas concentrados em acumular apenas pela via das eleições, foram derrotados. E como projetos derrotados abrem caminho para derrotas mais graves e históricas da classe trabalhadora. O fracasso de Podemos e Syriza indica que a limitação programática e a mimetização no regime são incapazes de conter a maré de descontentamento, onde a extrema-direita navega na confusão, arrebatando setores médios e até regiões de caráter operário.

Não se pode acreditar que viveremos ciclos de governos alternados: ora “progressistas”, ora “conservadores”. Isso é uma armadilha. A extrema-direita com o governo em suas mãos vai fazer de tudo para restringir as leis da democracia liberal em crise e impor uma nova ordem de regimes autoritários. Para tanto, vai precisar impor severas derrotas para a classe trabalhadora e suas organizações.

Em contrapartida, também para impedir a repetição de ciclos, é preciso construir uma maioria social, amparada essencial na luta extra-parlamentar, capaz de mover forças sólidas para transformar a realidade, como vimos nas grandes manifestações do ciclo anterior (2011-2014), com os “indignados “ nas Praças do Sol, Taksim, Sintagma, para falar dos exemplos citados.

A necessidade: construir as coordenadas para a luta política e social com fins de impedir uma consolidação da mudança de regimes, e suas consequências. Isso depende de uma ampla gama de forças sociais e políticas, dispostos a construir espaços antifascistas. E de direções combativas decidas a se lançarem ao combate.


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