A disputa eleitoral não pode ser um fim em si mesma para o PSOL 
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A disputa eleitoral não pode ser um fim em si mesma para o PSOL 

O partido militante é aquele que compreende as eleições como um aspecto da luta de classes, e não a luta de classes como um aspecto da disputa eleitoral

Lucas Andrade e Sarah Moura Micoski 25 ago 2023, 16:06

Foto: PSOL

Ocorre hoje uma disputa decisiva no VIII Congresso do PSOL, e o partido se encontra frente a uma bifurcação. Deve decidir se continuará atuando a partir de sua missão fundacional e seguirá o caminho de apresentar à classe trabalhadora uma alternativa independente à esquerda, ou seguirá o caminho da institucionalidade e de buscar crescer somente nos parlamentos e prefeituras como uma legenda eleitoral, sacrificando o que tem de radical, combativo e anticapitalista.

No estado de São Paulo, a Tese 2 (por um PSOL Militante, Independente e Anticapitalista) é a que defende que o partido seja parte da luta incansável pela derrota da extrema direita em todos os âmbitos da sociedade. Defende isso compreendendo que o PSOL não deve abrir mão daquilo para o que foi fundado, e que deve dizer aes trabalhadories que devemos nos orgulhar de ter elegido Lula contra Bolsonaro, mas que não podemos parar aqui: essa foi uma vitória importante em uma guerra muito maior, que é a luta de classes. É lutando as muitas batalhas dessa guerra, e não nos contentando com vencer apenas uma delas, que poderemos enterrar o fascismo.

Para isso, o PSOL não pode ter medo de fazer as críticas necessárias ao Estado burguês e ao governo que hoje está à frente dele. Pelo contrário: devemos ter medo de calar as nossas críticas à ordem. É em meio a esse silêncio que a extrema-direita cria raízes.

Nós, do Movimento Esquerda Socialista, construímos a Tese 2 a partir justamente dessa avaliação.

Estadualmente, a Tese 3 é a que se coloca contrária a essa visão. Ela congrega tanto o campo majoritário do PSOL quanto o campo Semente, a fim de pautar que o PSOL confie na capacidade do governo Lula de combater a extrema-direita. Acontece que o próprio governo não tem isso como prioridade, como vemos pelo Arcabouço Fiscal e pela Reforma Tributária, que existem, primordialmente, para atender aos interesses do agronegócio, setor que compõe parte importantíssima da base econômica do projeto golpista que esteve à frente da presidência nos últimos 4 anos.

Essa aposta, enquanto estratégia, no apoio ao governo de uma Frente Democrática que se compôs para derrotar Bolsonaro nas eleições presidenciais é resultado de pensar a sociedade a partir de campos. Haveria um campo fascista e um campo progressista, e o PSOL deveria, portanto, aderir ao menos pior dentre esses, a fim de fortalecê-lo contra o campo fascista. Pensar assim leva a Tese 3 a defender que, chamando confiança em um governo social-liberal de conciliação de classes, podemos enfraquecer e impor derrotas ao fascismo.

A realidade é que votar em conjunto com o governo em medidas como a Reforma Tributária nada mais faz do que financiar o agronegócio fascista e convencer a classe trabalhadora de que não há uma alternativa à esquerda de Lula, mas somente à direita. Isso porque essa reforma, celebrada como uma vitória por muites, teve a esmagadora maioria de seus aspectos positivos segregados em uma lei complementar que será votada de forma separada. Eles podem ou não ser aprovados, e a composição do Congresso aponta que não serão. O que foi efetivamente aprovado é a isenção de impostos para o agronegócio.

Precisamos manter a nossa independência porque, se o PSOL não denunciar uma lei como o Arcabouço Fiscal, que é uma bomba no colo de um governo que busque garantir o mínimo de direitos à classe trabalhadora, é a extrema-direita que a denunciará. Vale lembrar que setores do campo majoritário do PSOL queriam impor que o partido votasse a favor do Arcabouço.

Essas posturas, de buscar votar em conjunto com o governo mesmo quando não é de interesse da classe trabalhadora, na nossa avaliação, partem do objetivo que a atual direção majoritária tem para o partido: torná-lo outra sigla eleitoral dentro da ordem, sacrificar a coerência para negociar apoios e alianças, e governar. Não como uma expressão dos movimentos da classe trabalhadora, mas como uma gestão do Estado burguês: governar.

Uma evidência nessa direção é o peso desmedido dado às eleições como centro da política no texto da Tese 3. Nós, que defendemos a Tese 2, temos de lutar contra essa concepção institucionalista de que a conquista de cargos e mandatos é o centro da disputa política. Nós defendemos um PSOL Militante em oposição justamente a um PSOL das negociações por cima e do “vale tudo para se eleger”. Observemos, por exemplo, o seguinte trecho:

(Algumas passagens, indicadas entre colchetes, foram alteradas por nós em forma, para torná-las mais sintéticas. As teses em disputa no Congresso do PSOL estão disponíveis para consulta no website do partido.)

“A perseguição aos movimentos sociais segue em diversas frentes. Na [ALESP], um grupo de parlamentares [busca] protocolar uma CPI contra os movimentos populares, com um evidente interesse de intimidar as lutas e criminalizar o MST, FNL e o MTST. Por sua vez, a Prefeitura de São Paulo persegue e tenta a todo custo criminalizar o MTST e suas frentes de luta com o intuito de adiantar a disputa eleitoral de 2024, atacando inclusive uma das [suas] medidas de combate à fome […] que são as cozinhas solidárias.”

Esse trecho está organizado no ponto 2.1 da Tese 3, que está contido em um ponto maior 2, que discorre sobre o governo Tarcísio. É bastante informativo que o ponto sobre a perseguição aos movimentos sociais esteja contido inteiramente no debate sobre o estado de São Paulo, quando nacionalmente a base governista vem se aproveitando da tentativa de golpe do 8 de janeiro para pensar uma adaptação à L13260, a Lei Antiterrorismo (originalmente criada, aliás, pelo governo Dilma em 2016 durante as mobilizações contra o golpe parlamentar), para que ela volte a proibir manifestações consideradas violentas.

Além disso, em vários estados, e não só naqueles governados pela extrema-direita, ocorre repressão policial às ocupações de vários movimentos, como a manifestação da Frente Feminista e do MST reprimida pela polícia usando spray de pimenta contra uma mulher com criança de colo, em frente à Assembleia Legislativa do Pará (estado governado pelo MDB, partido de Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento do governo Lula).

A realidade é que não só em estados governados por fascistas se presencia uma perseguição aos movimentos sociais e também chacinas contra o povo pobre, preto e periférico (como foi o caso da chacina policial na Bahia governada por Jerônimo Rodrigues, do PT). Essa realidade confronta a noção de que derrotar os fascistas nas eleições derrotará o fascismo enquanto força com influência na realidade.

Esse ponto da Tese 3 sobre perseguição aos movimentos sociais, que possui também um outro parágrafo, só menciona um único ataque que não venha do governo do estado de São Paulo: o ataque da prefeitura de São Paulo contra o MTST. A escolha desse, dentre todos os ataques que não os de Tarcísio, como o único e solitário a ser citado, deve indicar para nós que es camaradas da Tese 3 o compreendem como aquele que é o mais importante de ser apontado. Esse destaque parece fazer sentido a princípio, uma vez que São Paulo é a maior cidade da América Latina, possui um enorme histórico de lutas e é um importante local de atuação de nosso partido e do MTST.

Vejamos então, novamente, o que es camaradas têm a dizer sobre os ataques:

“[…] a Prefeitura de São Paulo persegue […] o MTST […] com o intuito de adiantar a disputa eleitoral de 2024, atacando inclusive […] as cozinhas solidárias.”

Camaradas, a perseguição e tentativa de criminalizar o MTST, para vocês, é uma mera tentativa de precipitação da disputa eleitoral?

O ataque às cozinha solidárias, nos parece, é trazido para suscitar o choque de até onde a prefeitura está disposta a ir para impedir que o PSOL vença as eleições. Mas camaradas, é possível que a luta entre as instituições burguesas e o movimento social, a repressão às formas de auto-organização da classe, a tentativa de enfraquecer um movimento com uma amplíssima base social, uma manifestação tão direta da luta de classes, se traduza para vocês centralmente nas eleições?

Esse trecho da Tese 3 denuncia a institucionalização que es camaradas da majoritária e do campo Semente querem impor ao PSOL. Que elus pensem na vitória eleitoral tanto como o principal objetivo almejado pela burguesia quanto como a nossa principal forma de combatê-la, isso é justamente o oposto do que defendemos na Tese 2, quando clamamos por um PSOL Militante.

O partido militante é aquele que compreende as eleições como um aspecto da luta de classes, e não a luta de classes como um aspecto da disputa eleitoral.

É evidente que nós, assim como es camaradas, apoiamos a candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, e lutaremos para que ela seja vitoriosa. Mas será possível que eleger Boulos em São Paulo significará o fim da truculência da PM na cidade? Ou então a expropriação das enormes fortunas dos ricaços paulistanos? Ou mesmo uma vida verdadeiramente digna para todes es moradories da capital?

Achamos que nada disso é verossímil, e que eleger Boulos, tal como foi eleger Lula, é apenas um avanço dentro de uma luta maior, que é a luta de classes. São passos extremamente importantes, mas o trecho nos diz que a Tese 3 não os vê assim. A posição da Tese 3 é de que, mais do que passos importantes, as vitórias eleitorais são os nossos objetivos, e que a disputa que ocorre dentro dos palácios de governo é a mais importante — as ruas, por sua vez, devem ser ocupadas como forma de conquistar governabilidade. Uma “governabilidade a quente”, como definem es camaradas no texto da Tese 3. Infelizmente, adicionar “a quente” não muda a posição defendida, que é a de colocarmos como nosso objetivo a governabilidade dentro do Estado burguês.

Mas a Tese 3 não tem alternativa senão colocar a perseguição ao MTST como parte da disputa eleitoral. Não tem alternativa, porque Boulos sentou com Datena para negociar a posição de candidato a vice-prefeito na chapa, e Datena é um propagador da violência policial e do ódio às periferias. Se a violência contra os movimentos sociais for estrutural, não é justificável que Boulos considere formar uma chapa com Datena. Isso só é justificável se essa perseguição for causada pelo campo que se opõe eleitoralmente ao PSOL: campo do qual Datena, caso fosse vice, deixaria de fazer parte.

Boulos dialoga com Datena, mas não com a base de seu próprio partido. Ele não esteve presente em nenhuma plenária do Congresso do PSOL até o momento, nem mesmo naquelas que ocorreram dentro de ocupações do MTST. Queremos Boulos prefeito, mas queremos que o prefeito Boulos seja um representante do movimento social, e não um representante de uma burocracia partidária. Se a Tese 2 e a Tese 3 têm em comum a luta para eleger Boulos, a Tese 3 parece localizar essa luta em mesas de negociação entre siglas eleitorais. Nós, da Tese 2, localizamos essa luta nas ruas.

Acreditamos ser daí que vem o adesismo ao governo Lula presente na Primavera Socialista e na Revolução Solidária. As eleições e os cargos são colocados no centro da política. Os movimentos sociais e a luta de classes, como ferramentas para essa disputa. Enquanto meras ferramentas, têm tanto valor quanto as outras ferramentas da disputa eleitoral, que são as alianças com partidos da ordem e as negociações programáticas. Foi esse fetiche pela gestão do Estado burguês que transformou o limitado, porém combativo PT dos anos 1980 no partido que é hoje, avesso à disputa nas ruas, parte integrante do corrupto e repressivo regime burguês e, por tudo isso, visto com desconfiança por uma ampla parte da classe trabalhadora.

As correntes do campo majoritário, ao defender a Tese 3, fazem por vezes pouca questão de esconder essa visão adesista, como se demonstra pelas tristes falas de Paulo Búfalo, vereador na cidade de Campinas, que por mais de uma vez defendeu que o PSOL não só deve compor o governo Lula, como já o compõe para “disputá-lo por dentro”. 

Enquanto setores como a Resistência cumprem o papel de dar uma roupagem de radicalidade às políticas da Tese 3, são o texto da tese e as falas da Primavera Socialista e da Revolução Solidária que demonstram qual é a política que será verdadeiramente levada a cabo com a vitória dessa tese. Essa política muitas vezes fica escondida atrás de um discurso de que não integraremos o governo e nem chamaremos confiança nele, mas sim que conformaremos uma “Frente Única” (mesmo nesse discurso, a política defendida é muitas coisas, mas não uma Frente Única em seu sentido histórico) com o PT contra a extrema-direita.

Essas falas de Paulo Búfalo, assim como o trecho da tese que aborda a perseguição aos movimentos sociais, colocam a verdadeira posição à vista. As negociações de cargos e apoios, a transformação do PSOL em um partido da ordem e em uma sigla eleitoral: são essas as políticas que a Tese 3 busca levar a cabo.


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