Diante do colapso climático, o que pode ser feito?
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Diante do colapso climático, o que pode ser feito?

Por um Plano Nacional de Restauração e Defesa Ambiental

Marco Henrique Soares Pereira 18 set 2024, 08:00

Foto: PIXNIO

A cada ano, os efeitos dos aspectos climáticos e ambientais da crise multidimensional do capital se fazem sentir com mais força no cotidiano das pessoas. No Brasil, corremos o sério risco de vermos nuvens de fumaça provenientes de queimadas promovidas pelo agronegócio serem normalizadas como parte da paisagem, diante do esforço da ideologia dominante, propagada tanto nas redes digitais e nos meios de comunicação tradicionais, incluindo peças publicitárias destinadas à lavagem verde (greenwashing) da imagem dos setores empresariais do agro, da mineração e das finanças, os maiores responsáveis pela destruição ambiental em nosso país, de esconder a gravidade do problema, que é global, e distrair o povo, remetendo-nos ao filme “Não Olhe para Cima”. Porém, a verdade é que a devastação da natureza causada pela sanha acumulativa do capital não pode mais ser ignorada.

Sabemos que os danos causados pela aproximação do colapso ecossistêmico se fazem sentir com mais força sobre as pessoas mais socialmente vulnerabilizadas, como demonstrado pela recente catástrofe das enchentes no Rio Grande do Sul, comprovando a validade teórica do conceito de racismo ambiental. Trabalhadores e trabalhadoras, povos originários, campesinato, quilombolas e demais comunidades tradicionais são os que mais têm a perder, dados os impactos das mudanças climáticas e seus efeitos degradantes sobre os territórios tradicionais. É justamente na união desses setores oprimidos e explorados da nossa sociedade que se pode encontrar a chave para a necessária transformação social contra o capital: um programa radical de transição ecossocialista que articule as contribuições e os anseios dos “de baixo” é necessário para frear e reverter a situação crítica na qual nos encontramos.

Mesmo nos estreitos limites da democracia burguesa seria possível organizar uma resposta para conter os efeitos mais nocivos da crise ambiental (ainda que não suficiente para ir à raiz do problema), não fosse o espantoso descaso, omissão e negligência das autoridades políticas, adstritas ao paradigma neoliberal, incluindo o Governo Federal com sua política de colaboração com os representantes do agronegócio e da mineração. Com o intuito de evidenciar essas limitações, mas também para contribuir com um esforço de imaginação política, respondendo à pergunta feita no título, proponho neste texto algumas medidas que poderiam ser tomadas de imediato em nosso país para combater os prejuízos causados à natureza, à biodiversidade e à humanidade, no escopo daquilo que denomino um “Plano Nacional de Restauração e Defesa Ambiental”.

Um primeiro passo seria a decretação, em caráter urgente, de Estado de Emergência Climática, aos moldes do Decreto n.º 7.616/20111 e da Lei n.º 13.977/20202 e conforme já sugerido pela cientista Luciana Gatti, do INPE. Tal medida viria ao encontro da situação real e possui amparo jurídico na Lei n.º 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, no Decreto n.º 11.550/2023, que criou o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima – CIM e nos diversos tratados internacionais sobre meio ambiente do qual o Brasil é signatário e que, em tese, impelem o Estado brasileiro a agir para coibir a destruição da natureza no território nacional. Nesse ponto, é importante ressaltar que a nossa vizinha Bolívia já declarou emergência nacional por causa das queimadas ocorrendo neste ano de 2024, de forma que não se trataria de uma medida inédita do Brasil

A partir daí, seria possível mover o orçamento público para aparelhamento dos órgãos de fiscalização e proteção ambiental e valorização dos seus servidores, com novos concursos e atendimento pleno à pauta de reivindicações de greve apresentada pelos servidores do Ibama, ICMBio e Ministério do Meio Ambiente, trabalhadores e trabalhadoras fundamentais para conter a maior extensão dos danos ambientais, e a partir disso avançar com a criação de uma Força Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a exemplo da Força Nacional do SUS, com a estruturação necessária para o êxito dos trabalhos, inclusive com participação de brigadas voluntárias. Tal medida implicaria romper com a lógica austericida do Arcabouço Fiscal, vez que imporia a alocação de maior fatia do orçamento para investimento nos órgãos ambientais.

No âmbito da legislação que instituiria o Plano Nacional de Restauração e Defesa Ambiental, seria preciso incluir um dispositivo que previsse a possibilidade de desapropriação dos imóveis rurais cujos proprietários estivessem envolvidos em crimes ambientais como queimadas e desmatamentos, com fulcro no art. 184 da Constituição, por violação à função socioambiental da propriedade. Essas terras seriam destinadas à reforma agrária agroecológica, cabendo ao Estado promover a assistência técnica e a alocação de recursos necessários para a agricultura campesina produzir agroecologicamente. Tratar-se-ia de uma disposição necessária para iniciar a reversão dos danos socioambientais que o modelo agroexportador de commodities tem causado há várias décadas ao país, ao tempo em que incentivaria a produção de alimentos orgânicos, saudáveis e baratos para as famílias da classe trabalhadora, com o escoamento da produção garantido por redes de distribuição estatais, revitalizando e ampliando os CEASAs para essa função.

Outra possível medida seria o reflorestamento e recuperação das áreas degradadas, com apoio da FNMA, gerando milhares de empregos verdes para essa empreitada. Concomitantemente, seria necessário avançar nos processos de demarcação de terras indígenas e titulação de terras quilombolas, visto que são os territórios de maior preservação ambiental no país e os povos originários comprovadamente possuem o conhecimento para recuperar a biodiversidade dos seus territórios.

Durante o período de vigência do Estado de Emergência Climática, se instituiria moratória sobre toda e qualquer forma de extração de minérios, com vistas à eliminação total dessa atividade predatória, seguindo o exemplo da Costa Rica. Outrossim, seria implementada uma política permanente de redução gradual do uso de combustíveis fósseis e de agrotóxicos, com o banimento dos mais nocivos à saúde, tendo como parâmetro inicial aqueles proibidos na União Europeia, com vistas a sua completa eliminação.

O Plano Nacional de Restauração e Defesa Ambiental poderia ser incrementado com muitas outras disposições necessárias para o enfrentamento da crise. Existem no Brasil diversos lutadores e lutadoras socioambientais e cientistas com acúmulo suficiente para formulação de políticas públicas ambientais, um potencial que deveria ser aproveitado e induzido pelo Estado.

É certo que nenhum dos pontos aqui elencados pode ser implementado sem confrontar os privilégios dos capitalistas, sejam eles do agronegócio, da mineração, das finanças ou de outros frações extrativistas e poluentes, o que significa romper com a colaboração de classes e com as políticas neoliberais que vêm sendo realizadas pelo Governo Lula, eleito, é bom lembrar, tendo na pauta ambiental uma das suas principais bandeiras de campanha. É hora de cumprir o compromisso para além de ações cosméticas e paliativas, mas parece não haver vontade política para tanto, cabendo a nós pressionar o governo que lutamos para eleger nesse sentido.

Por outro lado, medidas circunscritas ao Estado burguês são limitadas, pois não podem, por si mesmas, modificar a lógica do modo de produção capitalista, verdadeiro causador do colapso climático-ambiental. Contudo, o Plano Nacional de Restauração e Defesa Ambiental aqui defendido pode ser uma plataforma de conscientização e mobilização sobre os limites do sistema do capital, sobre a insustentabilidade de um sistema que coloca o lucro acima da vida, e a necessidade de superá-lo num processo de transição ecossocialista.

2 Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Notas

  1. Dispõe sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN e institui a Força Nacional do Sistema Único de Saúde – FN-SUS. ↩︎
  2. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. ↩︎

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