Sem limites?

Bolsonaro participou de mais uma manifestação golpista. Até quando?

Israel Dutra e Thiago Aguiar 5 maio 2020, 21:40

O presidente Jair Bolsonaro participou, sem máscaras ou proteção, de mais um protesto abertamente golpista. Depois da carreata que juntou centenas de seguidores, pedindo o fechamento do STF e “intervenção militar”, Bolsonaro discursou inflamado: afirmou que “chegou ao limite” e que “fará cumprir a Constituição” “com apoio das Forças Armadas”, que “estariam ao lado do povo”.

Bolsonaro referia-se ao “limite” que o STF, por meio da decisão de Alexandre de Moraes, impôs-lhe ao barrar a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal. Ramagem é amigo da família Bolsonaro e, segundo as indicações dadas por Sérgio Moro ao pedir demissão, sua nomeação estaria diretamente relacionada ao desejo de Bolsonaro de controlar investigações da PF, sobretudo aquelas relacionadas aos filhos do presidente em curso na seção fluminense da instituição.

O conflito desencadeado, desde então, entre Moro e Bolsonaro teve mais um capítulo explosivo com o depoimento de 8 horas do ex-ministro da justiça em Curitiba no último sábado. Após a defesa de Moro pedir a suspensão do sigilo do depoimento, seu conteúdo foi divulgado nesta terça-feira. Moro reafirma, dando maiores detalhes, as acusações que fez ao presidente quando tomou demissão: Bolsonaro tentou, em mais de uma oportunidade, demitir o superintendente da PF no Rio e o ex-diretor geral Maurício Valeixo, além de exigir que “relatórios de inteligência” da instituição, sobre investigações em curso, fossem-lhe repassados diariamente.

O “cabo de força” político insere-se numa crise muito maior: o Brasil lidera o ranking mundial da morte nos países periféricos, mesmo com os altos índices de subnotificação. Ao mesmo tempo, todos os índices econômicos estão em franco declínio.

A situação sanitária é preocupante. A situação de Manaus, onde o sistema hospitalar colapsou, já se repete em outras cidades brasileiras, como Belém, São Luís e Fortaleza, e os especialistas afirmam ser questão de dias para que os sistemas de saúde públicos de São Paulo, Rio e de Florianópolis alcancem lotação total de suas UTIs, o que imporá aos profissionais de saúde a escolha de quem manter vivo com auxílio dos escassos respiradores artificiais. A superlotação de leitos não dá sinais de arrefecimento nas próximas semanas, já que os especialistas apontam o crescimento exponencial das novas infecções e uma curva ascendente de contágio e de mortes, segundo os cálculos de especialistas como Atila Iamarino.

Pouco a pouco, o país vai conhecendo a dimensão humana das mortes por Covid-19 e a tragédia vai-se aproximando de nossos familiares, de amigos e de referências de nossa cultura. As mortes não são números: têm rostos, nomes e histórias. A perda de Aldir Blanc, uma tragédia para o Brasil, dá a dimensão da crise que estamos enfrentando. É vida que está em jogo.

Temos apresentado nossas análises e elaborações mais gerais sobre a crise e as formas de enfrentá-la, como no artigo recente de Luciana Genro no portal da Revista Movimento. O que querermos aprofundar, neste editorial, é a análise dos últimos movimentos de Bolsonaro e de como derrotar seu projeto autoritário.

Um ano de derretimento

O “fim do começo” do governo ocorreu em maio passado. Foram os estudantes e a comunidade escolar que, com as manifestações do “levante dos livros”, parou a mão do governo pela primeira vez. As manifestações massivas, de 15 e 30 de maio de 2019, juntando mais de 2 milhões de pessoas, marcaram o fim da era dourada do governo, enfrentando sua primeira oposição organizada nas ruas. Em seguida, os setores da cultura e da arte também representaram um ponto de inflexão e enfrentamento.

Quase um ano depois desses acontecimentos, apesar da fraqueza da oposição parlamentar, o que se viu foi a perda de parte do apoio popular e o isolamento de Bolsonaro. As pesquisas recentes, apesar de algumas disparidades entre si, mostram que a maior parte da população está na oposição e considera o governo Bolsonaro ruim ou péssimo. Os choques no interior do governo e de sua base de apoio levaram à perda de aliados como governadores, ex-ministros parlamentares, membros do STF, empresários, entre outros.

Como resultado das múltiplas pressões, agravadas pela política criminosa de Bolsonaro para lidar com a Covid-19, o isolamento presidencial tornou-se nítido. Numa tentativa de responder à nova situação, Bolsonaro dá sua nova cartada, radicalizando o discurso para manter o núcleo duro de sua base social e tentando cooptar parlamentares do “centrão”, por meio do velho “toma lá, dá cá” da distribuição de cargos, para tentar impedir que se consolide uma maioria pró-impeachment entre deputados e senadores.

Ao mesmo tempo em que se amplia a polarização – com as “carreatas da morte” de seus apoiadores e os panelaços diários aos gritos de “Fora, Bolsonaro” nas cidades brasileiras –, as defecções crescem. Após a saída de Mandetta e Moro do ministério, as especulações diárias em Brasília perguntam quem será o próximo. Este mês de maio não parece trazer perspectivas muito animadoras para Bolsonaro e seu entorno.

As batalhas decisivas aproximam-se: impeachment já de Bolsonaro!

Com o avanço da Covid-19, será impossível, dentro de poucos dias, seguir sustentando a reabertura do comércio. O caos pode imperar com o aumento descontrolado dos casos e o colapso dos serviços de saúde. O pagamento do auxílio-emergencial de 600 reais, por sua vez, condena milhões de brasileiros à humilhação com seu aplicativo imprestável e as falhas que obrigam dezenas de milhões de pessoas a acorrer, em desespero, às agências da Caixa para sacar seus valores, aguardando por horas em meio a aglomerações. O desespero e a indignação populares, com a perda de renda e com a falta de apoio dos governos, tende a aumentar.

A disputa pelo controle da Polícia Federal, por sua vez, deve levar a ainda mais tensões, com as revelações do depoimento de Moro ameaçando Bolsonaro. Além disso, outros inquéritos e acusações pesam contra o presidente – como a disputa na justiça pela apresentação de seus exames para Covid-19 – e sua família, envolvida, por exemplo, nas investigações no Rio de Janeiro que a vinculam a milicianos e ao inquérito das fake news em curso no STF.

Sem apresentar nenhuma saída econômica ou política para o que talvez seja a mais grave crise da história do Brasil, Bolsonaro só repete suas ameaças e afirmações de que se apoiará nas Forças Armadas. Por quanto tempo este script funcionará? É provável a raiva social, tal qual uma maré, em pouco tempo volte-se contra Bolsonaro, mesmo que as ruas estejam interditadas para manifestações. Ao mesmo tempo, a discussão sobre o impeachment é uma realidade nos círculos políticos do país.

É preciso unir os protestos dos trabalhadores da saúde para defender seus direitos com os anseios da maioria que rejeita Bolsonaro e quer parar sua máquina de ódio. O país deve lutar para achatar a curva de contágio e também empenhar-se para achatar a “curva de apoio” já declinante de Bolsonaro, trazendo os hesitantes para o lado dos que querem abreviar seu mandato de ataques aos direitos do povo e às liberdades democráticas.

Devemos unificar as iniciativas em curso num calendário de lutas, apoiando as demandas dos trabalhadores na linha de frente do combate à pandemia. Ao mesmo tempo, é hora de unificar os pedidos de impeachment protocolados e exigir o fim da omissão de Rodrigo Maia e das lideranças do Congresso Nacional: Impeachment já! Fora, Bolsonaro!


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Pedro Micussi