Bolsonaro, Guedes e os patrões: tríplice ataque contra os trabalhadores

Carestia, demissões, reforma administrativa e perseguição ao ativismo: uma agenda de ataques de Bolsonaro, Guedes e dos patrões.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 9 set 2020, 20:53

A banalização da pandemia da Covid-19, que já levou à morte de quase 130 mil brasileiros, está sendo acompanhada por uma série de ataques contra o povo pelo governo Bolsonaro. A pesada crise social e econômica em curso está apenas nos seus primeiros capítulos. O governo, incapaz de oferecer um plano coerente para combater a pandemia e o desemprego, bate cabeça sobre como manter o “teto de gastos” exigido pela burguesia enquanto atua decididamente para que seja a classe trabalhadora quem pague a conta da crise.

Enquanto o desemprego atinge uma dimensão dramática e a economia brasileira enfrenta a maior recessão de sua história, o governo enviou ao Congresso a Medida Provisória que reduz pela metade o valor do auxílio emergencial e define a extinção do benefício em dezembro, deixando à própria sorte milhões de famílias que têm dependido deste valor, como mostram as pesquisas, para comprar comida. Soma-se a estas dificuldades a alta dos preços dos alimentos, muitas vezes acima dos índices de inflação oficiais. Um exemplo dramático do desespero foi visto na última terça-feira em Itapecerica da Serra (SP): um caminhão que transportava uma carga de carnes tombou e foi imediatamente saqueado por populares, imediatamente atacados com gás pimenta pela Polícia Militar.

Enquanto se preparam novos ataques sobre a massa salarial e os direitos trabalhistas, o patrimônio dos bilionários, no Brasil e no mundo, aumenta escandalosamente em base diária, acompanhando a bolha das bolsas de valores, que comemoram recordes com o desempenho de corporações transnacionais que ampliam seus ganhos diante da quebradeira generalizada dos pequenos negócios, como se vê no varejo. Trata-se de mais uma rodada de concentração de capitais.

Por falar em bilionários, a tropa de choque do governo no Congresso organizou-se, nesta semana, para colocar num projeto que tratava de destinação de recursos para o combate à pandemia uma emenda que anistia dívidas tributárias de negócios de igrejas. A emenda é de autoria de David Soares (DEM-SP), filho de RR Soares, um dos maiores beneficiários do perdão fiscal aprovado pela Câmara, que deve alcançar R$ 1 bilhão. Esta medida escandalosa foi aprovada com votos de setores da oposição, como o PCdoB, além de deputados do PT e do PDT.

Diante de tal cenário, para organizar a resistência, é preciso conhecer bem os ataques e, sobretudo, dialogar sobre seu teor com a ampla maioria da população. Apenas com uma luta de maioria social é possível parar a sanha do governo e dos patrões. Vejamos os três principais ataques em curso:

1) Agravamento das condições de vida, alta de alimentos e aumento da pobreza

Como dissemos anteriormente, o corte pela metade do auxílio emergencial e seu encerramento em dezembro levarão dezenas de milhões de famílias brasileiras à insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, a especialização da economia brasileira na exportação de produtos primários cobra seu preço. A alta desvalorização da moeda ao longo de 2020, além de diminuir o poder de compra dos salários, estimula os produtores rurais a direcionar sua produção à exportação. O aumento dos gastos das famílias com alimentos – por conta do pagamento do auxílio emergencial e da diminuição das refeições fora de casa por conta das medidas de isolamento social – também favorece a carestia, que já alcança mais de 20% em itens como o arroz e as carnes.

Cinicamente, Bolsonaro finge preocupar-se com o problema pedindo “patriotismo” aos donos de supermercado, enquanto Teresa Cristina, a representante do agronegócio transnacionalizado no ministério, promete tomar medidas. A verdade é que a alta do custo de vida é mais um dos desafios enfrentados pelas famílias trabalhadoras, que já precisam lidar com os riscos de contágio crescentes no transporte público e nas áreas periféricas, além de enfrentar os maiores índices de desemprego em décadas e o altíssimo endividamento das famílias. Este é o Brasil dos sonhos de Bolsonaro e Guedes.

2) Reforma administrativa

Ao mesmo tempo, nas últimas semanas explicitou-se o acordo entre o governo, a “oposição” de direita capitaneada por Maia, a grande imprensa e o “mercado” para salvar o “teto” de gastos quebrando a espinha dorsal do serviço público brasileiro e o modelo de estabilidade: ao destruir o estatuto jurídico dos servidores públicos presente desde a Constituição de 1988, Bolsonaro e Guedes querem liquidar os concursos públicos, abrindo caminho livre para mais privatizações de estatais, terceirizações, OSs, precarização e para a corrupção e o aparelhamento numa “nova” máquina pública de funcionários “apadrinhados” e cargos comissionados no aparelho de Estado, totalmente dependentes do governante de ocasião.

O projeto é criar um novo regime de trabalho público precarizado e sem direitos, atacando a prestação de serviços públicos de saúde, assistência social e educação, de resto já precários e alvo de terceirizações. Obviamente, a proposta de Guedes – cujo modelo é o Chile de Pinochet – preserva os militares e os cargos de elite do Judiciário e do Legislativo, onde abundam os pagamentos acima do teto salarial da União, os “jetons”, as aposentadorias gordas e cumulativas, além dos “auxílios” e penduricalhos de todo o tipo, que realmente permitiriam falar em “privilégios”. São estes, no entanto, que Bolsonaro busca como aliados para destruir os salários e direitos do funcionalismo nacional.

3) Ataques contra o ativismo: demissões e disciplinamento

Enquanto as demissões motivadas pela crise econômica e pela quebradeira de pequenos negócios só aumentam, grandes empresas aproveitam-se da oportunidade para também enxugar suas folhas de pagamentos e fazer gestão de caixa por meio das demissões de milhares de trabalhadores. Em São José dos Campos (SP), os trabalhadores da Embraer lutam contra 900 demissões e outras 1,6 mil por desligamento “voluntário”: após a inaceitável autorização, pelo governo Bolsonaro, da incorporação da empresa aeronáutica pela Boeing, que só não se confirmou pela situação falimentar da transnacional estadunidense, a Embraer transfere os custos decorrentes desta política irresponsável para seus trabalhadores com milhares de demissões.

No serviço público, a situação não é melhor. O desmonte do Banco do Brasil e da Caixa visa à destruição de milhares de postos de trabalho e à perseguição de dirigentes sindicais, como se viu no mês passado com a demissão do delegado sindical Flaviano Cardoso em Aracaju. O desmonte da ECT também obedece a esta lógica.

Enquanto, pela crise, mais milhões de famílias somam-se às que já lotam as filas de espera por vagas em unidades de saúde e educação pública e novos concursos estão proibidos por lei até o fim de 2021 em todos os âmbitos da União, o governo pretende, com a reforma administrativa, dar um golpe no funcionamento dos serviços públicos e em seu combativo sindicalismo com o fim da estabilidade, ameaçando com demissão servidores públicos que cumprem seu papel, não se dobram às negociatas dos governos e se organizam para defender seus direitos.

A onda de demissões políticas e perseguição é outra frente de ataques, como se vê com as demissão de Digão, rodoviário e delegado sindical da Trevo/Restinga, em Porto Alegre, onde estamos em campanha por sua readmissão.

Nossa resposta

Por tudo isso, é hora de somar e organizar as lutas. Defendemos a mais ampla unidade de todos os setores que estão sob ataque: cada vitória ou derrota de nossas luta condiciona a relação de forças. Temos exemplos de que é possível resistir, como mostram as greves em curso, como a dos trabalhadores dos Correios, e as lutas de movimentos sociais, como a FNL que organizou uma jornada de lutas pelo Brasil, culminando na ocupação simbólica do INCRA em Brasília. No âmbito da educação, segue em curso a luta contra o retorno irresponsável de aulas, na defesa da vida de professores, alunos e suas famílias.

O sucesso da resistência dos setores organizados só pode ser viabilizado se conseguir dialogar com as amplas massas populares, castigadas pela carestia e pelo desemprego. Isso é lograr a unidade entre os “organizados” e os “precários”, tarefa inadiável para construir uma maioria social capaz de derrotar o pesado ajuste.

Este é o momento de preparar os grandes enfrentamentos que temos pela frente na luta contra os ataques de Bolsonaro, Guedes e dos patrões!


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi