Termos de Uso: compromisso com a desinformação

O pacto do Facebook com as fakenews

Isabelle Ottoni 20 set 2021, 18:18

O Facebook anunciou nesta última quinta-feira, 16/09, o lançamento da sua nova plataforma Facebook News. A plataforma faz parte de uma iniciativa mundial, “News Innovation Test”, prevista para durar no mínimo três anos, com um investimento de cerca de 2,6 milhões de dólares no Brasil. A intenção da iniciativa é dar mais destaque à links de notícias na página inicial de cada usuário, e também a propagação de notícias de sites supostamente confiáveis, num teórico combate à fake news.

Uma das gigantes da comunicação que faz parte do processo é o jornal Folha de São Paulo. Fora do Facebook desde 2018, a FSP disse que “o tratamento dispensado pela plataforma ao jornalismo profissional não era adequado”. Após fechar acordo comercial com o Facebook, decidiram voltar. Não foram divulgados os valores. Mas levanta a pergunta: o que mudou no combate do Facebook a fake news e desinformação desde então, e quais são as plataformas de notícias beneficiadas com o novo empreendimento?

Foi lançado no Brasil no final de agosto o livro “Uma Verdade Incômoda: Os Bastidores do Facebook e Sua Batalha pela Hegemonia”, trabalho de pesquisa das autoras Cecilia Kang e Sheera Frenkel, repórteres do New York Times. Em entrevista à Folha[1], elas contaram que não existe interesse do Facebook em verdadeiramente combater as notícias de fontes suspeitas. Por pressão, mudaram o algoritmo apenas nos Estados Unidos, durante a eleição de 2020, dando menos espaço a portais “hiperpartidários ou disseminadores de teorias da conspiração”. Elas contam que a mudança foi revertida em novembro de 2020. “Eles mexeram no “botãozinho” que eles usam para regular os algoritmos e mudaram o que as pessoas iriam ver —então, definitivamente, não é a tecnologia em si, eles conseguem mudar.”, contou Sheera.

Elas contam que, mesmo removendo alguns conteúdos sobre temas específicos, como negacionismo sobre vacinas, esse conteúdo só é removido após um número extremamente alto de pessoas terem tido acesso. Frenkel fala que “sabemos que as decisões erradas tomadas pelo Facebook têm um impacto muito maior em outros países. Aqui, a quantidade de moderadores de conteúdo e a atenção dada pelos executivos do Facebook a conteúdo é muito maior que em países como o Brasil”, falando especialmente de postagens do Bolsonaro, que teoricamente violam os Termos de Uso do Facebook, mas permanecem no ar.

Recentemente, Bolsonaro tentou impedir, via MP, que empresas como Facebook ou Twitter fossem autorizadas a remover conteúdos das redes. Barrada no Senado, é provável que ele siga tentando. “Acho que essas leis são particularmente preocupantes, porque beneficiam muitos líderes políticos poderosos que terão uma margem maior para falar o que querem, e normalmente são líderes que já têm um histórico problemático.” Tudo isso acontece menos de um ano antes de começar o processo eleitoral que dará ou não a reeleição a Bolsonaro.

Na última quarta-feira, 15/09, o jornal Wall Street Journal[2] publicou uma matéria que mostra dados que comprovam que o Facebook estava ciente que as mudanças em seu algoritmo em 2018 levariam a um aumento de consumo de notícias falsas e desinformação, mas decidiu ignorar. Documentos internos mostram que funcionários da empresa propuseram alternativas ao CEO Mark Zuckerberg, mas ele seguiu com o algoritmo problemático.

Não é difícil encontrar informações sobre como o Facebook é megafone de articuladores políticos criminosos. De acordo com pesquisa feita pela Universidade Positivo[3], em maio de 2020 pelo menos 27 perfis que espalham notícias falsas e desinformação tiveram 14 milhões de compartilhamentos. Um desses perfis é o Terça Livre, comandado por Allan dos Santos, bolsonarista investigado pelo STF no Inquérito das Fake News. Ele também é denunciado pelo MPF por crime de ameaça e incitação ao crime. Sua página no Youtube, Terça Livre, tem mais de meio milhão de seguidores e segue no ar.

Mark Zuckerberg é o quinto homem mais rico do mundo, com fortuna de mais de 100 bilhões de dólares. Mas nenhum dinheiro é suficiente. Vale tudo pelo clique e pelo dinheiro dos anunciantes. Só em 2020 notícias falsas tiveram 6x mais cliques que portais confiáveis de notícias, de acordo com pesquisa da New York University[4]. Foi comprovado que os portais de disseminação desse conteúdo estão relacionados diretamente à páginas de direita. É de se esperar que, quando resolvesse criar uma plataforma de notícias que pretende dar destaque a fontes de notícia confiáveis, o Facebook escolhesse veículos de comunicação que tem algum compromisso com a verdade. Não surpreende que não tenha sido isso que aconteceu.

Um dos sites contratado pelo Facebook e que terá suas notícias em destaque é o portal O Antagonista. O site prestava “serviço informal de assessoria de imprensa” à campanha de Bolsonaro em 2018. Famoso por publicar diversas notícias falsas e propagar desinformação durante a eleição, também foram investigados pagamentos via Caixa 2 ao site.

Outro portal que integrará o Facebook News é a Jovem Pan. Focada na rádio, sendo uma das mais escutadas do Brasil, a Jovem Pan News divulgou que aumentará seu tráfego de notícias online para integrar o Facebook. Se a união com O Antagonista já colocava em cheque a possibilidade do Facebook News ser uma plataforma comprometida com a verdade, a parceria com a Jovem Pan é a prova de que a iniciativa nasce totalmente vinculada às fake news e à desinformação.

A rádio é, há muitos anos, acusada de ser um dos portais responsáveis pela disseminação de notícias falsas no país. Só no ano de 2021 a Jovem Pan é acusada de impulsionar desinformação sobre a pandemia de Covid-19 ao publicar entrevistas com médicos no YouTube defendendo drogas sem eficiência comprovada ou com críticas ao uso de máscaras; mentir sobre o número total de mortos no Brasil em relação a pandemia de Covid-19 e fornecer informações distorcidas sobre as vacinas sendo utilizadas na população brasileira. Seu papel criminoso de distorção de fatos chegou à CPI da Covid: a rádio, seus blogueiros e apresentadores fazem parte dos investigados pela Comissão, que quebra nos sigilo bancário não só da rádio, mas também de seus apresentadores. Evidências apontam que a rádio recebe pagamentos de pessoas relacionadas ao bolsonarismo para propagar mentiras sobre as vacinas, uso de máscaras e ainda fazer propaganda do governo Bolsonaro.

Quase a totalidade dos portais que fecharam negócio com o Facebook é relacionado a propaganda massiva do bolsonarismo e relativização da pandemia, por exemplo o Portal R7, pertencente ao Bispo Macedo, aliado do Bolsonaro; o Grupo Bandeirantes, que Bolsonaro visitou a sede a menos de um mês atrás, entre outros.

Faltando menos de um ano para o começo do processo eleitoral no Brasil e sendo o Facebook uma arma poderosa de divulgação de informações e propagandas de campanha, o Facebook já disse de que lado está. O “Conhecereis a verdade” não faz parte dos Termos de Uso.


[1]https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/08/se-facebook-nao-mudar-eleicoes-2022-terao-avalanche-de-fake-news-dizem-autoras.shtml

[2] https://www.wsj.com/articles/facebook-algorithm-change-zuckerberg-11631654215

[3]https://tecnoblog.net/486748/paginas-bolsonaristas-que-espalham-fake-news-tiveram-mais-likes-na-pandemia/

[4] https://www.washingtonpost.com/technology/2021/09/03/facebook-misinformation-nyu-study/


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