Para Temer, a solução é “alugar o Brasil”

É preciso unir a luta contra o ajuste à luta pela soberania nacional, em defesa da Amazônia e contra o entreguismo.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 31 ago 2017, 11:30

Há uma liquidação em curso. Quase como na “xepa” do final da feira, Temer brinda o mercado com uma verdadeira exposição de vendas de nossas principais estatais e do patrimônio público. Parodiando o velho Raul Seixas, o presidente usurpador deu um novo giro: dessa vez, rumo a um entreguismo puro e duro, anunciando com toda pompa o maior programa de “desestatização” da história. Meirelles busca a confiança da Bovespa. Por isso, seu plano é ganhar tempo com o chamado PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), diluindo os graves problemas fiscais, ou melhor, tentando jogá-los para debaixo do tapete, já que o rombo fiscal foi o pior em duas décadas.

Nos últimos dias, foi intensa a reação à reversão da demarcação de extensa área da Amazônia, do tamanho da Dinamarca, para direcioná-la à mineração. A proposta inicial de entrega do território às transnacionais mineiras, com a extinção da RENCA (Reserva Nacional de Cobre e Associados), causou furor nas redes sociais e na opinião pública, com alcance planetário. Até Gisele Bündchen tuitou: “Vergonha! Estão leiloando nossa Amazônia! Não podemos destruir nossas áreas protegidas em prol dos interesses privados”. O escândalo da revelação de informações privilegiadas às mineradoras canadenses, por parte do governo brasileiro, seis meses antes do decreto, só colocou mais luzes sobre o leilão da Amazônia e o programa de privatizações.

Muitos ativistas colocaram em suas fotos de perfis referências à defesa da Amazônia. A comoção para lutar pela preservação da floresta e da biodiversidade chegou aos assuntos mais comentados no Twitter mundial. O governo teve que recuar, editando uma segunda versão do decreto, mais “cuidadoso”, sem mudar, entretanto, o caráter do fim da reserva. Como parte do plano de privatização em curso, a batalha em defesa da soberania e do meio-ambiente ganha força na batalha geral contra o governo antipopular, antinacional e corrupto de Michel Temer.

Na última quarta-feira, 30 de agosto, a Justiça Federal do DF suspendeu o decreto por meio de uma liminar que concluiu ser “inadequada a pretensão do governo federal em extinguir (total ou parcialmente) a reserva, por meio de simples decreto e sem a prévia deliberação do Congresso Nacional”.

O Brasil privatizado

A viagem de Temer à China – que colocou Rodrigo Maia temporariamente na cadeira da presidência e o tragicômico deputado Fufuca no comando da Câmara – tem como objetivo acelerar o PPI. Temer quer entregar boa parte das estatais que lidam com a infraestrutura brasileira para o capital internacional privado e pretende ter a China como principal interessada nos negócios e “parceira” comercial do Brasil. Que o gigante asiático tenciona apropriar-se da mineração e da produção energética na América Latina não é fato novo. O capital chinês buscou avançar na extração mineral em países como Argentina e Peru. A transacional chinesa State Grid, maior empresa global de energia, já alcançou o posto de quinta maior do ramo em ação no Brasil.

O governo abre diferentes frentes de batalha num ambiente ainda arriscado. A primeira vitória sobre Janot – cujos custos abordamos em editorial anterior – deu fôlego ao governo, mas não resolveu suas principais contradições. A delação de Lúcio Funaro, conhecido operador financeiro do PMDB, é o novo fantasma que ronda o Planalto.

Está a pleno andamento a agenda que foi considerada a “privataria tucana” durante o governo de Fernando Henrique Cardoso nos anos 90. A proposta de Temer é vender 57 empresas de um universo de 151 estatais. O “feirão” inclui negociar a Eletrobrás, gigante da energia elétrica da América Latina, por um preço muito abaixo do investido; vender a Casa da Moeda, fundada ainda no século XVII e que fabrica, entre outros artigos estratégicos, a moeda nacional, passaportes e diplomas universitários; a Lotex, parte das Loterias, sob controle da Caixa; além de um rol de 14 aeroportos, como os de Congonhas e Santos Dumont, liquidando o que ainda restava da Infraero, cujo desmanche iniciou-se com Dilma.

A venda da Eletrobrás é escandalosa. Trata-se de um patrimônio do povo brasileiro, com 233 usinas de geração de energia (entre elas, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf –, todo sistema de Furnas, parte de Itaipu Binacional, a Eletronuclear e Belo Monte – controvertida usina hidrelétrica na Amazônia na qual os últimos governos investiram mais de R$ 30 bi), além de uma rede que totaliza 61 mil quilômetros de linhas de transmissão, fundamentais para a unificação e gerenciamento do sistema nacional de hidrelétricas, baseado em bacias hidrográficas com diferentes regimes pluviais ao longo do ano.

Há ainda um grave risco econômico na entrega da infraestrutura a grupos privados. Com hidrelétricas, linhas de transmissão, rodovias, ferrovias, aeroportos, terminais portuários e sistemas de comunicação sob controle de grupos econômicos estrangeiros, o próprio funcionamento da economia nacional dependerá da remuneração permanente e da garantia da lucratividade dos controladores estrangeiros destes equipamentos, remetendo ao exterior dezenas de bilhões de dólares anualmente, contribuindo para o desajuste da balança de pagamentos. Na realidade, as privatizações ameaçam os investimentos em áreas estratégicas para o país, aprofundam a dependência econômica brasileira e, muito ao contrário do discurso dos economistas burgueses e do governo, agravam a situação das contas do país.

O sucateamento de empresas como os Correios e mesmo de bancos públicos, como a CEF e o BB, é parte do plano de agradar os mercados e do discurso que responsabiliza o funcionalismo pela falta de investimentos nos serviços públicos. A redução de postos de trabalho, com a implantação de programas de demissões voluntárias nessas importantes empresas estatais, é uma estratégia consciente do governo para diminuir o papel dessas empresas para a sociedade. Paralelamente, a Petrobrás vem sendo desmantelada pela gestão do entreguista Pedro Parente, que fez escola na administração FHC, e agora, após entregar a Transpetro e a Liquigás, planeja como realizará a venda da BR Distribuidora.

O governo e sua base de apoio hipocritamente falam de sucateamento e do loteamento de cargos para justificar as privatizações. Na realidade, como se viu mais uma vez na votação da denúncia contra Temer, os governos até hoje utilizam as estatais como moeda de troca da casta política, aproveitando-se da enorme corrupção nas altas chefias da estatais. Ou seja, utilizam-se do próprio aparelhamento de que são parte como argumento ideológico para enganar a sociedade para sua visão elitista e privatista de gestão estatal. Este “modelo” nefasto, que já provou sua ineficácia na década de 90, agora volta a ser colocado sobre a mesa. Na verdade, as reais intenções e efeitos da política neoliberal de privatizações são a venda de um patrimônio comum, estatal, para as mãos de grandes corporações privadas, beneficiando interesses cada vez mais particulares em detrimento da maioria do povo. A destruição do serviço público – colocando os servidores como alvo prioritário – é terrível para o conjunto da população e deixa à míngua justamente os mais vulneráveis. A redução do salário indireto, precarizando o acesso à saúde, à educação e à segurança do povo trabalhador, a piora na qualidade de vida e o aumento abusivo das tarifas são as consequências imediatas do processo de privatização.

Como de praxe no governo, não houve nenhum debate ou consulta à sociedade para aprovar o plano de privatização. Isso causou dúvidas e mal-estar na própria burguesia. A imprensa, neste caso com a Folha à frente, afirma que as privatizações serviriam para “sanear” o país. Por sua vez, em editorial, O Globo exige que deputados do DEM e PSDB “colaborem” com a aprovação rápida desse projeto. No entanto, a ambição de realizar privatizações dessa envergadura resvala na instabilidade política do país em todas as suas dimensões.

O ataque à Amazônia e a espoliação dos recursos naturais

O mais grave ataque ao meio ambiente no país foi o decreto que libera a mineração no território amazônico, acabando com a RENCA e ameaçando a floresta. A RENCA, criada em 1984, tem mais de 4 milhões de hectares, num território entre os Estados do Pará e do Amapá. A reserva é conformada por nove áreas protegidas: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este.

A ânsia do governo Temer de anunciar a abertura da nova área de mineração para empresas canadenses meses antes que o país soubesse de tais intenções é reveladora dos planos da burguesia nacional e estrangeira para o Brasil: aprofundar a dependência econômica e recuperar a acumulação capitalista no país por meio do aumento desenfreado da espoliação de recursos naturais e do trabalho. Não é por acaso que a Vale recentemente anunciou novo acordo de acionistas, pelo qual o controle da empresa será pulverizado nos mercados de capitais, alinhando integralmente os planos da empresa e o ritmo de exploração mineral à pressão pelo pagamento de lucros e dividendos rápidos e elevados para os investidores. No início do ano, a empresa iniciou a exploração de minério de ferro na enorme mina de S11D, vizinha a Carajás, com a qual a Vale pretende elevar sua produção anual de minério de ferro a mais de 400 milhões de toneladas. O crime cometido pela Samarco (joint-venture da mesma Vale com a BHP Billiton) – com o rompimento da barragem do Fundão em Mariana (MG), que matou dezenas de pessoas, desalojou centenas de famílias e causou destruição em todo o vale do Rio Doce por centenas de quilômetros, do coração de Minas ao Espírito Santo – revela os riscos trazidos pelo aprofundamento da exploração mineral no país.

Ao mesmo tempo, como consequência desta orientação, as demarcações de terras indígenas e quilombolas estão sob ataque permanente dos ruralistas e a violência no campo atinge níveis alarmantes. A chacina em Pau D’Arco (Pará) e os novos projetos da bancada da bala para legalizar o uso de armas por proprietários rurais mostram perspectivas terríveis para o povo trabalhador no campo.

A direita e seu “nacional-entreguismo”

Em algumas franjas da sociedade, Bolsonaro amplia sua audiência evocando posições supostamente nacionalistas. Em suas aparições, a presença da bandeira do Brasil é uma constante. Parte do mesmo repertório direitista também é utilizado por setores do governismo para exaltar as virtudes de Michel Temer e sua equipe. Contudo, essa aparência de combatividade “verde e amarela” não se sustenta diante da associação destes agentes com a entrega do patrimônio nacional. Boa parte da base parlamentar que levanta esse discurso está calada ou diretamente se manifesta em favor da entrega das estatais. Nos últimos dias, por exemplo, Bolsonaro foi aos Estados Unidos para mostrar-se palatável a um setor do capital financeiro, abandonando, antes mesmo de começar a carreira eleitoral, seus arroubos nacionalistas anteriores.

A real ideologia desses setores é um verdadeiro “nacional-entreguismo”, o que também evidencia a fragilidade dos projetos que a direita tenta armar no país e sua inconsistência ideológica. Se, por um lado, o PSDB está dividido depois da crise das revelações sobre Aécio, por outro, expressões como o MBL murcham pela dubiedade de seu discurso: ora amor à pátria e “viva o Brasil”; ora a defesa de um programa ultraliberal antinacional e antipopular.

A linha privatista, para viabilizar-se, precisa quebrar a resistência por todos os lados. Não apenas no plano federal, mas também nas cidades e Estados. Por isso, Doria, que acaba de aprovar a venda do estádio do Pacaembu, realiza uma ofensiva ideológica para mostrar que toda a cidade de São Paulo está à venda. Por sua vez, a condição imposta para o plano de recuperação fiscal dos Estados, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, é a venda de ativos estatais como a CEDAE fluminense e, como pretendem, a CEEE gaúcha.

Alckmim não fica atrás e propõe a privatização descarada do Metrô paulista, da CPTM e uma operação de “capitalização” da Sabesp. Além do aspecto econômico, a decisão de privatizar linhas do Metrô certamente visa a quebrar a vanguarda da resistência, já que o peso do ativismo e da cultura da esquerda na categoria metroviária é enorme em São Paulo.

Lutar contra o ajuste e defender a soberania nacional

A principal agenda política é seguir a resistência aos planos de ajuste. Temer já prometeu sobreviver à segunda denúncia de Janot, que Brasília espera para os próximos dias. É necessário unificar todas as lutas contra o governo, pois todas as medidas são parte do mesmo plano. Derrotar o governo reforça a luta contra cada medida neoliberal. E isto só poderá ser feito, após o desmonte da greve geral do dia 30 de junho, retomando o caminho da mobilização e da unificação das pautas.

Devemos insistir numa grande campanha em defesa da Amazônia, mostrando a importância da questão ambiental, apoiada na enorme simpatia que a campanha “SOS Amazônia” despertou na sociedade. Não podemos nos calar e devermos transformar a indignação em resistência organizada.

Também é preciso unir a luta contra o ajuste à luta pela soberania nacional e contra o entreguismo. A verdadeira defesa do patrimônio nacional só pode ser coerente se aliada à gestão democrática e estatal das principais riquezas do país. Nas vésperas de alcançarmos 195 anos da independência brasileira, a esquerda deve ser ampla para se colocar à cabeça de uma grande luta por uma segunda e efetiva independência, o que só será possível, deve-se sublinhar, com a retomada da agenda de mobilizações. A manifestação que o setor metalúrgico convoca para o dia 14 de setembro é central para essa retomada. Um dia nacional de greve nas principais indústrias do ramo metal-mecânico será um pronunciamento contra o ajuste, o governo e em defesa dos direitos da classe trabalhadora.


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