‘Precisamos de trabalho de base’
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‘Precisamos de trabalho de base’

Entrevista com Josemar Carvalho, deputado estadual eleito pelo Rio de Janeiro / Foto: Carlos Baldan

Tatiana Py Dutra 11 out 2022, 15:34

Foi nas ruas de São Gonçalo – a 16ª mais populosa cidade do país, com quase 1,1 milhão de habitantes – que Josemar Carvalho deu os primeiros passos na vida e na política. Ainda criança, no período da abertura política pós-Anos de Chumbo, tornou-se colecionador de santinhos dos candidatos das primeiras eleições livres.

Na adolescência, ingressou no movimento estudantil secundarista reivindicando uniformes escolares e, daí, nunca mais parou. Tornou-se conhecido por militar em favor da educação, dos servidores públicos, das lutas da negritude e do bem-estar animal. Foi sindicalista, militante do PT e um dos fundadores do PSOL em São Gonçalo, em 2004.

Hoje, o professor de geografia formado e pós-graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), contabiliza mais de 30 anos dedicados à luta social, muitas batalhas e grandes vitórias. Três vezes candidato a prefeito e duas vezes a deputado estadual, em 2020, conquistou uma cadeira na Câmara de Vereadores de São Gonçalo e, no último dia 2 de outubro, tornou-se deputado estadual, o segundo mais votado do município.

“Fiz um mandato que acho que o povo aprovou nas ruas, senão não me daria a possibilidade de crescer. E eu gostaria de agradecer aos 28.409 votos, que foram fruto de um trabalho político grande, a todos e todas que acreditaram no nosso projeto de norte a sul desse Estado, e à minha corrente, Movimento Esquerda Socialista, que me ajudou muito”, comentou o deputado eleito.

A revista Movimento bateu um papo com o professor Josemar sobre a expectativa de seu futuro na Alerj, as dificuldades da população fluminense e sobre a construção de um projeto democrático, socialista e participativo a partir do Parlamento. Confira trechos da conversa a seguir.

Revista Movimento – Como começou a sua atuação política?

Professor Josemar Carvalho – Comecei no movimento estudantil em 1991, lutando por bermuda na escola, coisas muito simples. Desde criança, 6 ou 7 anos, eu já gostava de política. Na eleição de 1982, além de figurinhas da Copa, eu colecionava também panfletos dos candidatos. Quem viveu nos anos 80 sabe que foi uma época muito politizada, muito informada. Havia muita discussão. Você tinha bandas críticas no rock, tinha muita coisa acontecendo, muito debate sendo feito. Aos 16, virei militante. Comecei no movimento estudantil secundarista, depois fui para o movimento universitário, depois participei do movimento comunitário em São Gonçalo. Participei do movimento sindical como funcionário administrativo, depois como professor de rede privada, atuei também no Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe). Daí, não parei mais. Fui da direção do PT, ajudei a fundar o PSOL. Mas a luta que acho que mais me fez feliz foi a da Rede Emancipa de Educação Popular, que ajudei a construir. É um movimento social que dá oportunidade a jovens da periferia. Isso me dignificou, me deixou com muito orgulho.

Revista Movimento – O eleitor do estado do Rio de Janeiro faz escolhas eleitorais, por vezes, muito conservadoras. Como o PSOL se desenvolve nesse terreno?

Professor Josemar – O PSOL no Rio de Janeiro nasceu muito bem posicionado, fruto das lutas que nós travamos ainda nos tempos da esquerda do PT e pela forte presença nos movimentos, especialmente dos servidores públicos, nos quais o partido deu uma boa resposta política. O problema ainda é o seu baixo enraizamento nas periferias. O PSOL não tem uma boa entrada na Baixada e no interior, por exemplo, embora tenha crescido bastante em São Gonçalo. Então, ainda é um partido muito à margem dos desafios reais e concretos que o RJ precisa. O Rio é a praia do cartão postal, que esconde a comunidade, a periferia, a pobreza, a miséria, a violência. Para chegar a esses lugares, acho que precisamos de trabalho de base, construir um trabalho na periferia, como fazemos com a Rede Emancipa, como estamos fazendo no PSOL de São Gonçalo – e minha eleição é reflexo disso, porque eu também fui bem votado fora de São Gonçalo.  É ir para as comunidades debater, dialogar, apresentar propostas, um programa e uma perspectiva de trabalho. Esse é o desafio que o PSOL tem.

Revista Movimento – Quais serão as prioridades de seu trabalho na Alerj?

Professor Josemar – Tenho como pauta central a Educação e a defesa dos trabalhadores. Vou trabalhar para ampliar todas as lutas que travei em São Gonçalo e, olha que foram muitas em dois anos de mandato. Fazer a defesa do serviço público, dos animais, da questão racial, e avançar, olhando pelo Rio de Janeiro. O Estado clama por emprego, o bolsonarismo destruiu o país nessa questão e o Rio foi um dos estados que mais perdeu. Tivemos a perda do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, no município de Itaboraí), a perda de postos importantes na área naval e na indústria. E também vamos trabalhar para defender tanto a educação básica e seus profissionais, mas também o Ensino Superior. Vamos defender a UERJ, a universidade pública e gratuita a serviço dos trabalhadores.

Revista Movimento – Outra questão sempre associada ao Rio de Janeiro é a violência. Que diagnóstico o senhor faz dessa mazela hoje?

Professor Josemar – O RJ é o laboratório das milícias, e de práticas não republicanas e violentas. Quando a gente olha para o Rio Capital a gente já observa isso, mais ainda na Baixada Fluminense, que tem histórico de violência muito grande. Em São Gonçalo também, pois é o lugar que matou a juíza Patrícia Acioli; é o lugar que matou Pedro Ivo, que foi um crime de LGBTQfobia; que teve o caso do Durval e o caso do João Pedro, consequência do racismo. São quatro casos bem emblemáticos. O diagnóstico é que o racismo estrutural aqui, mata. E nós precisamos dar uma resposta a isso organizando a resistência, mas também, no Parlamento, participando de comissões, fazendo projetos de lei que sejam cada vez mais firmes e duros com a questão do preconceito, da LGBTQfobia e da misoginia. Queremos avançar criando leis mais efetivas, também, no combate a corrupção, que tira dinheiro da saúde e da educação, prejudicando o trabalhador.

Revista Movimento – Como foi o clima da campanha no primeiro turno e o que esperar do segundo?

Professor Josemar – A campanha em primeiro turno foi totalmente polarizada nas redes sociais, mas também nas ruas, nas escolas, no parlamento, nos botequins… Claro, os fascistas fazem o teatro deles para tentar ganhar votos enganando os inocentes e iludidos. No segundo turno eles não foram às ruas ainda, mas irão. E o ódio vai voltar a aparecer. O bolsonarismo vive de uma contramobilização permanente. Se Jair Bolsonaro não fizer suas bravatices, não mobiliza as pessoas. E ele faz isso através do ódio, da descrença, do desprezo pelo outro, através das pequenas benesses e dos pequenos privilégios para pequenos grupos e para manter os grandes privilégios do capital. Bolsonaro dividiu o país, acirrou a sociedade não para a luta política, trabalhador versus patrão, mas para criar o ódio entre os iguais. Criou o ódio do trabalhador contra o trabalhador; estimulou o ódio contra negros e mulheres. E o bolsonarismo tem ligação direta com as milícias, com o que há de pior na política. Eu mesmo tive situações em que fui impedido de fazer campanha em algumas áreas de ligação milícia-tráfico-politica. E é por isso que precisamos eleger Lula, para dar uma freada no sistema de ódio e na necropolítica.


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Pedro Micussi