A vitória de Lula foi um grande triunfo democrático contra o autoritarismo
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A vitória de Lula foi um grande triunfo democrático contra o autoritarismo

Havia enorme expectativa de vitória entre a direita. Eis que se deu um tombo histórico, desmoralizador para os bolsonaristas

Executiva Nacional do MES/PSOL 4 nov 2022, 10:43

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições brasileiras de 2022 foi o principal triunfo democrático desde a queda do regime militar (1964-1985). As comemorações tomaram conta do país, na noite de domingo (30/10), remontando às melhores tradições de luta do povo brasileiro. Foram centenas de milhares nas ruas, com epicentro na Avenida Paulista, tomada de conjunto; as cenas emocionantes da abertura de um colégio para a votação na Bahia, onde centenas de pessoas esperavam o momento de votar em Lula, com entusiasmo e confiança, também expressaram esse sentimento. 

Foi uma vitória de caráter democrático e de teor popular. Uma vitória apertadíssima, difícil, com apenas 2,3 milhões de votos de diferença, uma margem de menos de 2%, algo inédito em qualquer disputa presidencial. Inédita também foi a derrota de um presidente em exercício postulando-se à reeleição. Também foi o maior índice de votos absolutos da história em Lula, com mais de 60,3 milhões. O país viveu sua maior polarização. 

Foi uma vitória que recordou as quase 700 mil vítimas oficiais da pandemia – um trauma terrível que passou à história do país e que marcou a situação e a própria campanha. Recordou a destruição do país e da Amazônia; recordou os que sofreram com a crueldade do governo, os que entraram no mapa da fome, os mortos pela brutalidade, direta ou indireta, das ações do governo, como o jovem Genivaldo, morto asfixiado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), comandada pela escória do bolsonarismo. 

Lula, que vinha de uma prisão arbitrada sem o devido processo legal e fora retirado da disputa em 2018, enfrentou o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), sob um contexto político nunca visto na Nova República. Bolsonaro colocou a máquina pública a serviço de sua reeleição de modo criminoso e com o apoio da maioria do Congresso Nacional. Conseguiu aprovar medida provisória para liberar R$ 27 bilhões de Auxílio Brasil às vésperas das eleições, movimentou pelo menos R$ 48 bilhões na Caixa Federal, o principal banco público do país, em benefícios sociais e crédito para mulheres no período que antecedeu o pleito, num evidente estelionato eleitoral com o propósito de impulsionar a própria popularidade nos setores em que Lula registra maior adesão orgânica. Baixou a fórceps o preço dos combustíveis e distribuiu verbas via orçamento secreto, que, resumidamente, é a utilização de recurso público por parlamentares sem que haja transparência sobre a aplicação desse dinheiro.

Além da apropriação do dinheiro público para sua reeleição, Bolsonaro montou uma máquina gigantesca de produção e disseminação de fake news em escala industrial, usando as igrejas evangélicas como tribunas para ampliar ainda mais a força de suas narrativas nas redes sociais, ambiente fundamental na disputa por votos, onde a eficácia bolsonarista é reconhecidamente maior do que a de grupos de esquerda. São quase 60 milhões de seguidores de Bolsonaro contra 25 milhões de Lula, considerando apenas os perfis dos dois candidatos à Presidência no Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e TikTok, de acordo com um levantamento da CNN Brasil.  Lançou mão de diversas manobras, inclusive a utilização da PRF para cercear o direito do povo ao voto em regiões em que o PT é mais votado, como o Nordeste, e assédio eleitoral em inúmeros locais de trabalho, onde os patrões bolsonaristas tentaram disciplinar o voto da classe trabalhadora. Segundo dados do Ministério Público do Trabalho, foram mais de 2.400 denúncias desse tipo de assedio e tentativas de manipulação do voto popular. 

Foi uma guerra suja e ampla 

Havia enorme expectativa de vitória entre a direita. Eis que se deu um tombo histórico, desmoralizador para os bolsonaristas, mesmo que, no caminho dessa disputa, estivessem elementos que tornavam essa queda mais provável do que a manutenção do atual governo, representante da extrema direita no Brasil que abarcou extremistas, antipetistas, oportunistas e aventureiros na onda do ascenso direitista no mundo. 

A vitória de Lula se deve a uma conjunção de fatores: I) a resistência organizada durante os quatros anos de governo, que uniu setores democráticos importantes, a força da juventude e das mulheres que na sua maioria estiveram contra Bolsonaro, a luta do povo – como o movimento tsunami da educação, a luta antirracista e antifascista, a luta pela ciência e pelo direito à vacina, com setores do aparelho de Estado, as mídias não ligadas ao bolsonarismo, tendo como carro-chefe a Rede Globo, em menor medida a Folha de S. Paulo, setores da cultura, da arte; mesmo assim, vale dizer que o PT – por sua estratégia – canalizou a resistência para o terreno eleitoral, esvaziando o Fora Bolsonaro! nas ruas, por sua parte, o movimento de massas também não teve uma irrupção massiva; (II) a divisão da burguesia como expressão da divisão da sociedade foi o que garantiu a possibilidade de vitória eleitoral da oposição, mesmo com Bolsonaro tendo a máquina na mão; (III) uma divisão burguesa no âmbito internacional, em que a derrota de Trump foi o começo da derrota do projeto bolsonarista, e um setor do imperialismo, como o Partido Democrata, Biden e o Imperialismo Europeu, indicou que não aceitariam qualquer aventura golpista e apoiaram Lula; (IV) o peso da liderança de Lula, única capaz de derrotar Bolsonaro, fruto do acúmulo de sua trajetória como principal líder operário do país, da memória das melhorias parciais em seus governos e da enorme identidade popular que ele é capaz de estabelecer em amplas massas;(V) da vitória no nordeste, que foi decisiva, e não apenas no “nordeste territorial”, mas na enorme força da “nação nordestina” espalhada pelo país, enraizada nos setores da classe, tal qual o próprio Lulas, nos grandes centros urbanos, que luta com força contra a xenofobia, o preconceito e o atraso das elites brasileiras; (VI) o bom desempenho nas capitais e a vitória em cidades estratégicas, como Porto Alegre e a capital São Paulo, mesmo em estados onde Bolsonaro venceu. 

Sobre a relação de forças 

A definição correta é de um triunfo importante e democrático em meio a uma situação ainda defensiva.  Um triunfo que enterra a tentativa de Bolsonaro de se perpetuar no poder, dividindo seus aliados do “centrão” e outros que começam a abandonar o barco, mas ainda incapaz de destruir as forças neofascistas que nucleiam o projeto bolsonarista. 

É uma situação diferente daquela de 2003. Existe uma extrema direita forte, a consciência anticapitalista está mais fraca, mas há, nesta divisão da burguesia e na politização que o enfrentamento entre dois polos políticos produziu, espaço para criar uma vanguarda com consciência de classe e exigir do governo mais mecanismos democráticos de participação popular. 

Lula evidentemente fará uma gestão ainda mais liberal do que em 2002, quando o PSOL foi fundado a partir da ruptura de parlamentares que não se diluíram no chamado bloco de esquerda que assistia inerte às ações do governo engendradas pela burguesia. Mas a situação agora é outra. Entender isso é fundamental para pensar como chegamos até aqui. O Brasil é outro, o mundo é outro, e a relação entre as classes sociais também mudou. 

A ultradireita não foi esmagada. Bolsonaro teve uma votação alta, além das posições acumuladas no primeiro turno, como uma bancada parlamentar significativa. Sustenta importantes posições de força (no Exército, nas polícias e nos governos), com uma base social sólida. Bolsonaro foi eleito como um fenômeno, combinando um outsider diante da crise política, a decisão de um setor da burguesia de golpear o PT e a crescente articulação da extrema direita no mundo. O que levou, como reforçamos num dos primeiros documentos, a um governo com traços de improviso e, mesmo a partir do próprio líder, Bolsonaro, de despreparo. 

Evidentemente que a desqualificação era sabida desde sempre, mas foi preciso que ela se traduzisse em ataques do governo aos interesses de parte da burguesia (ou em incompetência do governo para gerenciá-los) para que esse setor da sociedade começasse a atuar para freá-lo. Setores progressistas neoliberais, como define Nancy Fraser – incluindo aí Rede Globo -, que não pactuam com o obscurantismo, não atacam a ciência, a cultura, nem querem impor um modo de vida e liquidar as liberdades democráticas – ainda que defendam uma política econômica liberal – formataram o caminho para a derrota de Bolsonaro. Seguiram os passos de grupos da burguesia progressista neoliberal pelo mundo, em relação aos projetos autoritários ou neofascistas – ou como se queira defini-los – como a oposição que alguns setores burgueses norte-americanos fizeram a Donald Trump nos Estados Unidos. O fracasso de Trump precedeu a derrocada de Bolsonaro e, em muitos pontos e com algumas nuances, assemelham-se. A própria derrota de Trump esvaziou o respaldo internacional a Bolsonaro. Lá, como aqui, a divisão da burguesia foi fundamental para derrubar eleitoralmente do governo o projeto neofascista e garantir que o resultado eleitoral fosse respeitado, naturalmente com focos de confusão e violência como é praxe entre a massa de apoiadores da extrema direita. 

Nesse pântano de crise capitalista, cujo desenvolvimento estável fica cada vez mais difícil, Lula foi escolhido também por esta parcela da burguesia para defender seus interesses. Por que Lula? Porque à burguesia liberal, sobrepõe-se outra crise, a de representatividade. Não há outra liderança que reúna capacidade de mobilização popular e gerência dos interesses burgueses atualmente no Brasil se não Lula. O PSDB esfacelou-se – ou ao menos respira por aparelhos – e o MDB há um bom tempo perdeu o protagonismo no chamado Centrão. Essa é a expressão brasileira do que chamamos de “crise orgânica”, ou quando há uma ruptura entre os interesses imediatos da classe e seus representantes diretos, apelando para fórmulas híbridas ou inusitadas. 

Então, naturalmente, recorre-se ao PT, que aceitou realizar governos de colaboração de classes desde sua primeira experiência nacional, no governo Lula em 2002, e que soube se adaptar às exigências que a reconstrução da Nova República impunha. A burguesia progressista neoliberal do mundo reconhece Lula como um competente gerenciador dessa política, basta observar a quase euforia com que alguns chefes de Estado receberam sua vitória sobre Bolsonaro.
O presidente da França, Emmanuel Macron, minutos depois da confirmação do resultado, foi um dos primeiros a cumprimentar Lula. Divulgou até vídeo nas redes sociais em que mostra o momento das congratulações. Joe Biden, presidente dos EUA, enviou parabéns via nota oficial da Casa Branca e se disse “ansioso” para trabalhar junto a Lula. 

O reconhecimento da vitória de Lula é internacional, e a pauta das relações exteriores é um ponto-chave na agenda do presidente eleito, em razão dos acordos internacionais, da proteção da Amazônia e do papel estratégico da América Latina para a economia mundial. Por isso, a política internacional deverá ser ainda mais debatida no MES, considerando, sobretudo, os desafios que o novo governo brasileiro terá pela frente.  O debate internacional volta ao centro da tela – tanto pelo papel da extrema direita no mundo quanto pelo fato de que as cinco principais economias latino-americanas – Brasil, México, Argentina, Colômbia e Chile – serão governados pelo dito progressismo. E, diferentemente da onda dos anos 2000, esse novo progressismo é menos radical e menos antiimperialista.  Isso se relaciona com o giro que deu a Venezuela (pós-Chávez) para uma visão autoritária, da qual a ditadura de Ortega na Nicarágua é a máxima expressão de degeneração. 

As mobilizações massivas depois do resultado das urnas no Brasil mostraram uma parte da população celebrando com alívio, em catarse pós-trauma imposto pelo bolsonarismo. Nas ruas, viu-se um setor social que despertou para o perigo da extrema direita e que se politizou e se radicalizou por trás das bandeiras da defesa das liberdades, da igualdade social, do ambiente, da defesa da educação e contra o discurso de ódio do bolsonarismo, que representa a barbárie. Houve uma mudança no estado de espírito do país que não sabemos até onde vai, mas é um clima novo em que nossas ideias podem muito bem ser acolhidas. Na outra ponta, o antipetismo mostrou resistência, mas já sem o apoio necessário para avançar num projeto golpista, visto que a burguesia que está com Lula se organizou para proteger bem as instituições da democracia burguesa.

Por trás do triunfo democrático, há dois aspectos. Um deles são os setores burgueses que querem o retorno à normalidade institucional e que rejeitam a extrema direita. O outro são os setores explorados que veem em Lula a possibilidade de recuperar melhores condições de vida. Os setores burgueses, os partidos de centro e o chamado “centrão”, que é fisiologicamente institucional (que já reconheceu a vitória), negociarão seu peso no parlamento com o objetivo de manter privilégios e cargos. Por sua vez, a burguesia vai pressionar para que o governo Lula seja uma continuação dos planos liberais com algumas concessões assistenciais necessárias. Por outro lado, foi um movimento político eleitoral que, contraditória e necessariamente, levantou demandas sociais progressistas. Ele levantou melhorias sociais do governo anterior e propôs uma série de medidas progressivas no campo salarial, reivindicações femininas, moradia, saúde e educação. Apoiou de maneira tênue os elementos de uma reforma tributária que taxava as grandes fortunas. Isso é o que o povo aspira.

Com a posse do novo governo, duas contradições vão se desdobrar em meio à crise econômica que o mundo vive e que também atinge o país. A ação da extrema direita, embora derrotada nas urnas, é forte. Tem 14 governos estaduais e representação pesada no parlamento ligada a setores expressivos como evangélicos e agronegócio. Por outro lado, estão os setores explorados e oprimidos que querem que Lula cumpra as promessas de campanha. O governo ficará comprimido entre essas duas forças em meio a uma situação que não é a do início do século, com o vento da economia mundial soprando a seu favor. O choque das contradições é inevitável, e ainda não podemos saber qual será seu ritmo. Quanto tempo vai durar a lua de mel? Tampouco podemos saber exatamente até onde o governo cumprirá suas promessas e como o plano econômico  será delineado. Mas temos de esperar um pouco e ver a composição do governo e seus primeiros movimentos. 

Enfrentar a extrema direita, sem tréguas 

Bolsonaro deve, aos poucos, esvaziar-se, mas de forma momentânea, não em perspectiva. E o bolsonarismo segue. Seu líder demonstra certa impotência diante do resultado das urnas, mas está longe de ter sido aniquilado. Ganhou mais votos do que na eleição anterior, conta com o apoio e a disposição da parte mais reacionária da burguesia (inclusive da que financiou o bloqueio de estradas pelo país tão logo saiu o resultado das eleições) e conseguiu eleger um corpo alinhado a sua política no Congresso Nacional. Assim que, o ponto central da política do MES/PSOL será derrotar a extrema direita. Não há como levar adiante um processo anticapitalista sem enfrentar a extrema direita.

A extrema direita tem uma base de massas – num setor social que rechaça a democracia burguesa e defende abertamente um golpe de estado/ditadura militar. Durante os últimos dias, houve um acirramento por parte de um setor mais golpista, ligado ao agronegócio e ao núcleo duro da extrema direita, que já havia levantado a cabeça em setembro de 2021, contando com a colaboração de setores do aparelho de Estado, notadamente a PRF, mas que ficou longe de produzir o “capitólio brasileiro”. Outro setor, com Lira e Ciro Nogueira, já começou a negociar a transição. Bolsonaro deu declarações breves, orientando acabar com os bloqueios. Sua maior preocupação agora – pelo que corre na imprensa em Brasília – é ter uma acomodação junto ao PL, esticar a corda para negociar em melhores termos seu futuro político, para não ser preso e continuar sendo o líder da oposição de extrema direita, com seu clã. 

O lugar do PSOL 

Na batalha para derrotar o neofascismo e eleger Lula, fizeram  a diferença as lideranças e a militância do PSOL, que se postularam como uma voz forte contra o projeto neofascista de Bolsonaro e reforçaram as trincheiras de movimentos sociais para defender os interesses do povo. O resultado da eleição demonstrou o crescimento do PSOL e localizou o partido à frente da luta contra o bolsonarismo, ainda que não esteja estruturado o suficiente para ser uma alternativa de poder.

No PSOL, haverá evidentemente uma discussão acerca do novo governo. Nossa posição é pela independência do Partido em relação ao governo – defendê-lo contra a extrema direita e seus métodos contrarrevolucionários, mas não integrá-lo. 

Para clarificar os passos para essa tarefa frente no novo governo, é válido retomar as circunstâncias de fundação do PSOL e compará-las ao atual momento, destacando as contradições que estão postas, as carências programáticas do PSOL e os seus desafios.

Em 2003, o centro era afirmar a necessidade de construir uma alternativa anticapitalista sobre a frustração causada com o rápido giro de Lula para direita, representada cabalmente com a votação da Reforma da Previdência, denunciando o caráter do governo para dar forma a uma alternativa à esquerda do PT e do espectro político nacional, que pudesse se tornar viável e com certa influência em setores de massa. Hoje, o desafio é encarnar as enormes demandas programáticas que aparecem na sociedade brasileira, enfrentando a extrema direita e  construindo um polo na sociedade com uma perspectiva anticapitalista, que lute para alterar a relação de forças para que esse projeto possa se realizar. 

Assim, é necessário mobilizar pelas demandas mais sentidas e por demandas estruturais que o país necessita. Integrar o governo, por outro lado, significaria o PSOL aceitar o papel de gerente dos interesses do capital. Esta é, portanto, uma posição de princípio. Ademais, para lutar, a melhor posição é estar nas casamatas da sociedade civil, não no aparelho estatal governamental. É necessário ter a liberdade de crítica e a independência organizativa, que já temos, mas também a liberdade política, que uma integração no governo limitaria pela necessidade de disciplina de comando.

O PSOL existe e cresceu muito nas eleições. Sai muito bem-visto pela ampla vanguarda que esteve nas últimas ações de rua e com respeito e prestígio entre os setores sociais que votaram em Lula. Nesse cenário, o MES tem de filiar e organizar. Nossa tarefa política é demandar que o governo Lula leve adiante a agenda prometida e faça dela uma ferramenta para fortalecer-se frente à extrema direita e para resolver os problemas mais urgentes do povo pobre do país, Nem adesismo, nem ultimatismo. Temos de evitar cair nesses extremos na reivindicação desses pontos.

Ao mesmo tempo, nossa política precisa dialogar com o sentimento antirregime que alimentou o bolsonarismo, pois a mera defesa da institucionalidade será o papel do governo. Um discurso de subversão em defesa das necessidades do povo é parte fundamental da construção de uma esquerda revolucionária. Exemplo disso é não fazer coro à condenação pura e simples do método de bloqueio de estradas. Nossas oposições a essas mobilizações são pelo seu conteúdo golpista, pela sua recusa em aceitar a vontade da maioria do povo expressa nas urnas, pela sua defesa de intervenção militar. 

Nosso papel será avançar com a politização dos setores que estão nas ruas, que condenam a extrema direita e que depositam esperança em uma vida melhor. São milhões, entre jovens, mulheres, a classe trabalhadora, a negritude, os povos ribeirinhos e indígenas, os pequenos comerciantes, profissionais liberais, comunidade LGBTQIA+, funcionários públicos e as camadas mais sentidas do povo.
Temos de buscar enraizar também entre setores que são disputados pelo bolsonarismo, como baixas patentes das forças de segurança, polícias militares e civis, forças armadas, bombeiros, vigilantes privados; a classe operária mais atrasada dos polos industriais do país; os trabalhadores de aplicativos e, no futuro, até com os caminhoneiros. Importante ressaltar que, no Rio Grande do Sul, Luciana Genro foi a deputada mais votada pelos praças da Polícia Militar, pois esteve ao lado deles na luta pela carreira e na denúncia dos desmandos dos comandantes, e que Glauber tem um importante apoio dos sargentos do Exército. Isto é parte da luta fundamental para impedir que Bolsonaro consolide uma base popular. 

Nossa orientação será fortalecer o MES e buscar dialogar com o PSOL de conjunto para apresentar uma saída programática do país. Estaremos na vanguarda da luta para que medidas econômicas e sociais aprovadas nas urnas sejam efetivadas. O PSOL tem de ser vanguarda no impulsionamento da luta por melhores salários dos trabalhadores, emprego, moradia e terra.  A política econômica que a burguesia liberal exige de Lula, e que, tudo indica, será levada adiante pelo governo, tem o ajuste fiscal como um dos seus pontos, o que dificulta, quando não impede, alguns destes compromissos. Além disso,  algumas das medidas aprovadas nas urnas se chocam com os interesses burgueses que não querem pagar pela saída da crise. Mais um motivo para se lutar por tais medidas, necessárias para melhorar a vida do povo e mobilizar numa perspectiva que fortaleça as organizações da classe trabalhadora que estiverem envolvidas nelas. Algumas destas medidas são as que seguem.

1) Reajuste do salário mínimo acima da inflação

2) Auxílio emergencial de R$ 600 mais os R$ 150 por criança de até 6 anos, reajustado anualmente, no mínimo,  pela inflação

3) Isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil 

4) Renegociação das dívidas das pessoas que estão no Serasa (no caso devemos defender a anulação do pagamento para as famílias pobres e de classe média)

5) Taxação sobre as grandes fortunas e imposto sobre lucros e dividendos 

6) Fim do teto de gastos

7) Salário igual para trabalhos iguais entre homens e mulheres com fiscalização efetiva

8) Combate à corrupção, fortalecimento dos mecanismos de investigação e punição dos corruptos, fortalecimento das instituições que têm a função de fiscalizar, como a Polícia Federal, e ampla transparência por meio do fim dos sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro 

9) Revisão da Reforma Trabalhista, que precarizou o emprego e retirou direitos 

10) Fortalecimento das universidades públicas, com políticas de acesso de permanência dos estudantes de baixa renda

11) Reestruturação do IBAMA e ICMBio, além da retomada das operações contra as agressões à Amazônia

12) Reconstrução da Funai e resgate das ações contra o garimpo em terras Indígenas, em geral e nas Yanomamis, em particular.

Ademais, acreditamos que é necessário defendermos uma medida que não foi apresentada por Lula na campanha, mas que é necessária para que o país não continue dominado pelos banqueiros e especuladores: a auditoria da dívida pública, para a sociedade saber o que é legal e o que não é na dívida, cujo pagamento tem drenado as riquezas do Estado para uma ínfima minoria privilegiada. A ligação com o CADTM vai ajudar a explorar os debates acerca dessa demanda. 

Em nosso programa deve ser prioridade também as medidas democráticas, dada a  natureza do triunfo eleitoral. A conquista democrática de impedir a reeleição de Bolsonaro deve se consolidar com medidas. A primeira delas é a quebra do sigilo dos 100 anos e a investigação dos crimes cometidos pelo governo, especificamente pelo próprio presidente. É evidente que a punição mais apropriada é a prisão de Jair Bolsonaro. ‘Nem esquecimento, nem perdão’ deve ser nossa bandeira. Investigação e punição para Bolsonaro e os criminosos.  Foi a impunidade dos crimes da ditadura um dos elementos que compuseram o surgimento e o fortalecimento desta vertente política expressa por Bolsonaro, que defende torturadores, golpes e violência política. Nada de impunidade!

Nossos desafios são enormes. Apostar na formação de quadros e no enraizamento junto às organizações juvenis e de classe e aos movimentos sociais são fundamentais para resgatar a necessidade associativa, disputar o avanço da consciência e preparar ações de autodefesa. 

Como política imediata, defendemos que o PSOL encampe uma campanha para a punição de todos os responsáveis pela obstrução das estradas e chamados golpistas, sejam os setores ligados ao financiamento ou execução desses atos antidemocráticos. Que isso também envolva, na campanha, a investigação e a punição dos empresários ligados ao assédio eleitoral no segundo turno, que, com um excelente trabalho no MPT, chegou-se a mais de 2 mil denúncias. 

O PSOL está diante de novos desafios históricos, confiamos no povo brasileiro, que acaba de obter uma vitória “suada”, tal qual muitas batalhas de nosso povo. Com essa força, seguimos para defender nossas propostas anticapitalistas, construindo um polo independente que lute para esmagar os neofascistas e colocar Bolsonaro no seu devido lugar: a lata do lixo da história, fazendo jus a sua condição de genocida. 

A Executiva Nacional do MES

3 de novembro de 2022


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Pedro Micussi