Um breve balanço das táticas do PSOL e as tarefas estratégicas do partido

Um breve balanço das táticas do PSOL e as tarefas estratégicas do partido

Roberto Robaina analisa as diferentes táticas na disputa interna do PSOL antes da eleição, indicando as principais tarefas do partido na luta antifascista e pelo seu fortalecimento e independência no futuro governo Lula

Roberto Robaina 6 nov 2022, 12:21

O projeto fascista foi derrotado nas eleições presidenciais de 2022. Isso não quer dizer que o fascismo tenha sido liquidado. Longe disso. Teremos uma luta de longo prazo. Mas a reeleição de Bolsonaro poderia representar uma derrota histórica da classe trabalhadora. O risco do passo em direção ao abismo era real. A eleição de Lula, ao conter esse passo, foi, sem margem de dúvidas, a maior vitória democrática desde a queda da ditadura militar. Este é o novo. Tudo valia para garantir essa vitória. Por isso, o PSOL, corretamente, não hesitou em apoiar Lula, mesmo com sua política aberta de conciliação de classes, cuja escolha de Alckmin como vice-candidato da chapa presidencial foi apenas um símbolo. Por isso também, o PSOL se fortaleceu. A necessidade de uma unidade ampla que incluísse setores da burguesia se justificava pela necessidade de derrotar o oponente fascista no terreno eleitoral numa situação defensiva da luta de classes.

Mas o PSOL teve polêmicas antes das eleições. Basicamente, duas posições se apresentaram: uma de apoio a Lula desde o primeiro turno e outra de lançamento de candidatura própria e apoio a Lula no segundo turno. Todas tinham o apoio a Lula como base, mas as táticas não eram as mesmas. No interior de cada um dessas posições, havia inúmeras matizes. Na posição que predominou, de apoio a Lula desde o primeiro turno, um setor sempre teve tendência a aceitar governos de colaboração de classes. E até a participar deles. Foi o setor que, quando o PSOL foi fundado, considerava-o precipitado, aderindo ao partido apenas depois do escândalo do mensalão. O peso deste setor na direção do PSOL sempre é um fator de pressão para que táticas mais recuadas do partido se convertam em recuo na própria orientação estratégica e no abandono de princípios. Mas, grosso modo, a orientação que predominou na posição favorável ao apoio a Lula no primeiro turno se baseava no fato indiscutível e correto de que era preciso derrotar o fascismo e de que Lula era o único capaz disso.

A política da ala mais de esquerda dentro desta posição tinha expectativa de que Lula poderia formar uma chapa de esquerda, com um programa de esquerda, sem aliança com a burguesia liberal. Quando Lula selou o acordo com Alckmin, foi o momento em que esta ala mais hesitou em manter o apoio ao nome de Lula desde o primeiro turno. Mas sua hesitação durou pouco. Mantendo seu discurso de que Lula estava encabeçando uma chapa de esquerda, apesar de Alckmin, definiu-se pelo apoio e pela participação na chapa e na aliança do PT. Essa foi a posição majoritária no PSOL. Teve 56% de apoio interno.

A posição que teve 44% de apoio interno, da qual fiz parte, defendeu outra política: o lançamento de candidatura própria do PSOL no primeiro turno e apoio a Lula no segundo. Tal posição afirmava que um nome próprio permitiria no primeiro turno atacar de modo pesado o presidente genocida, usando o tempo de TV e rádio do partido e da candidatura para repercutir suas denúncias contra o governo, desgastá-lo ao máximo, além de propor suas bandeiras programáticas, as bandeiras do PSOL, aos trabalhadores, aos setores populares e à juventude. Tal candidatura, entretanto, deveria ser retirada em dois cenários possíveis: caso Lula pudesse ganhar no primeiro turno e se existisse o risco de os votos do PSOL – ou, neste caso, a falta dos votos do PSOL- não lhe garantir a vitória, ou se existisse o risco de Bolsonaro vencer. Por incrível que pareça, o então desconhecido Janones fez algo parecido – retirando sua candidatura depois de lançá-la, e acabou sendo uma das peças-chave na vitória de Lula. O que teria ocorrido se o PSOL tivesse se disposto a ajudar a vitória de Lula com a tática que não foi aprovada é impossível de saber, porque não se tem como medir a história contrafactual. De toda forma, como as coisas se apresentaram, é correto dizer que a tática de apoio desde o primeiro turno se revelou ótima para o PSOL e ajudou muito a campanha de Lula. A polarização não deixou margens para uma posição à esquerda. Esse balanço é um fato.

Mas também é preciso registrar que o setor conhecido como a esquerda do PSOL, que propôs candidatura própria e apoio a Lula no segundo turno (com a hipótese de retirada, caso se desse condições especiais que acabaram se configurando), partia de uma leitura comum a todo o PSOL, a saber, de que a tarefa essencial do período era a derrota de Bolsonaro. E de que foi a ala que mais se envolveu na luta pelo impeachment, apresentando o primeiro pedido ao Congresso Nacional, obtendo mais de um milhão de assinaturas e sendo um fator de pressão para que a superestrutura política mais à esquerda primeiro, e democratica em geral em seguida, assumisse esta iniciativa.

O PT demorou, sendo o último partido de oposição declarada, atrás da Rede, e até do PDT, a assumir formalmente o pedido (MDB, PSDB, União Brasil etc, jamais se declararam oposição a Bolsonaro). Aliás, até no PSOL houve demora, com setores dizendo que o Fora Bolsonaro! era precipitado (isso já depois das mobilizações antifascistas de abril de 2020 e da derrota eleitoral de Trump nos EUA). Contudo, a luta nas ruas para tirar Bolsonaro não prosperou, até porque a estratégia do próprio PT não foi essa. Sua aposta era a eleitoral. Com a ruptura definitiva da burguesia liberal com o governo Bolsonaro, o nome de Lula foi escolhido como hipótese principal para derrotar Bolsonaro por essas frações da classe dominante. Enquanto negociavam com Lula, apostavam também na hipótese da terceira via. A negociação com Lula tinha uma estratégia: a reconstrução da Nova República sem romper com o modelo econômico da mesma, cujo Plano Real foi o melhor sucedido. Alckmin era a garantia deste acordo.

Com Alckmin na chapa de Lula, poderiam especular as hipóteses de terceira via, mas já garantindo seu lugar num segundo turno que, aquela altura, todos já sabiam que provavelmente seria entre Lula e Bolsonaro, se Lula não levasse ainda no primeiro turno. Tal expectativa, aliás, foi alimentada pela direção do PT e pela própria mídia ligada a esse setor burguês liberal, que a seu modo defende o regime democratico-burguês. Como se sabe, foi uma previsão errada, e o Bolsonarismo foi subestimado. A eleição do primeiro turno foi dura. Bolsonaro cresceu mais do que Lula entre o primeiro e o segundo turnos. As forças pró-Lula venceram por pouco. O pouco que separa o céu do inferno. É interessante notar, a propósito, como o setor do PSOL que defendia que Lula assumisse apenas uma aliança de esquerda e que apostava nesta hipótese estava com pouca sintonia com a real relação de forças do país. Afinal, se Lula não tivesse feito a aliança com Alckmin, não teria vencido. Ou alguém desconhece a importância da Rede Globo para que o fascismo não vencesse as eleições? E o papel do STF. Nada disso teria ocorrido sem Alckmin no primeiro turno como vice de Lula e, depois, sem o protagonismo de Simone Tebet no segundo turno da campanha. Concretamente, sem a frente ampla, Lula não teria vencido as eleições. Assim, aqueles que apostavam na frente de esquerda encabeçada por Lula estavam lutando por uma linha que, caso fosse concretizada, perderia as eleições. Conscientes de que Lula precisava de uma frente ampla e de que esta era sua aposta, preferíamos manter uma posição independente, mas lhe dar o apoio eleitoral sem nos atrelar ao programa liberal com medidas sociais compensatórias e algumas tentativas de políticas de desenvolvimento capitalista que eram e seguem sendo o verdadeiro programa da chapa Lula/Alckmin. Mas o fato é que o líder da chapa foi Lula e sua capacidade está justamente em reunir apoio dos líderes de todas as classes, de conciliar e de atrair multidões. Sua genialidade se expressou nestas eleições novamente, e seu fortalecimento é um fato. Sendo o único líder capaz de vencer Bolsonaro, foi isso o que ocorreu, apesar de todas as dificuldades. Venceu uma máquina de manipulação e de mentira como nunca se viu na história do Brasil. Venceu a extrema direita.

Agora, nossa obrigação primeira é proteger seu governo contra os ataques desta extrema direita. É seguir lutando contra a extrema direita. E vamos defender seu governo sempre que a extrema direita quiser atuar para desestabilizar e conspirar, mesmo que seu governo tenha a colaboração e a participação da burguesia liberal, como terá. E poderia ser diferente? Lula poderia dispensar a aliança com a burguesia liberal? Se fizesse isso, creio que nem poderia assumir. E pode agora dispensar negociações com setores fisiológicos como o PSD de Kassab e outros? Se não tiver apoio de alguns destes setores, pode assumir, mas, se assumir, não governa. Estes são os fatos. Imaginar que seja diferente é acreditar que Lula poderia vencer as eleições numa aliança que fosse apenas com partidos de esquerda, sem Alckmin, sem Renan, sem Jáder Barbalho. Sem os sinais para a Rede Globo.

Mas ser realista e não propor que Lula assuma posições de esquerda que não são as dele, não quer dizer abandonar as posições de esquerda. Ao contrário. Significa que devemos manter nossas bandeiras e nossa independência, trabalhando para alterar a relação de forças e para crescer. Isso quer dizer que o PSOL, mesmo defendendo o governo contra as investidas da extrema direita, deve estar fora do governo, sem precisar se disciplinar às ordens de um governo da burguesia, ocupando posições na sociedade, não no aparelho estatal governamental. Avançando em bairros, escolas, universidades, locais de trabalho, organizando e mobilizando…

Optar por entrar no governo e concordar com a aliança com a burguesia liberal e até com setores fisiológicos da burguesia é abandonar a razão de ser do PSOL. Optar por entrar e ficar criticando tais alianças é adotar uma linha de consciência crítica inútil, porque ou serão apenas palavras ou serão o estímulo à indisciplina (por exemplo, nas votações do Congresso Nacional). Então, a melhor posição é se manter numa construção própria, enfrentando a extrema direita, apoiando as medidas progressistas que o governo adotar, quando adotar, defender os trabalhadores e o povo pobre quando medidas de ajuste burguês forem propostas e implementadas, o que é da natureza de governos burgueses, entre os quais o social-liberal, além de contribuir na elaboração de políticas públicas na sociedade civil.

Assim é que se poderá impulsionar a organização das forças socialistas para postular uma alternativa capaz de influenciar o movimento de massas e ir produzindo políticas que ajudem a estabelecer novas relações de forças entre as classes sociais e frações de classe.

O trabalho prático para construir no próximo período estará alicerçado na defesa do PSOL, fazendo as alianças internas prioritárias com aqueles que defendem um projeto independente, estimulando, ao mesmo tempo, a unidade com os partidos da classe trabalhadora no nível local e em cada frente de intervenção – o que, logicamente, inclui o PT – sempre que a base do acordo seja a defesa das mobilizações das classes trabalhadoras por suas bandeiras, seus direitos e interesses.


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Pedro Micussi